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Obstáculos à Palavra de Deus

Meditação para a Segunda-feira da Sexagésima. Obstáculos à Palavra de Deus

Meditação para a Segunda-feira da Sexagésima

SUMARIO

Meditaremos nos três obstáculos que impedem a palavra de Deus de produzir efeito nas almas. Nosso Senhor no-los indicou pelas três espécies de terreno em que cabe a semente. O primeiro obstáculo é a distração, figurada pelo caminho trilhado, aberto a todos os transeuntes; o segundo é a tibieza, figurada pelo terreno pedregoso, terreno estéril; o terceiro são as paixões, figuradas pelos espinhos que cobrem a terra.

— Tomaremos depois a resolução:

1.º De nos conservarmos durante o dia mais recolhidos conosco do que de ordinário, para aproveitar os bons sentimentos que o espírito de Deus nos sugerir;

2.° De não recusarmos nenhum sacrifício à graça.

O nosso ramalhete espiritual será a palavra do Apóstolo:

“A terra que embebe a chuva do céu, e produz espinhos e abrolhos, é reprovada e está perto de maldição” –  Terra… bibens imbrem… et proferens spinas at tribulos, reproba est et maledicto proxima (Hb 6, 7.8)

Meditação para o Dia

Adoremos Jesus Cristo, louvemo-lO, rendamos-Lhe ações de graças por se dignar indicar-nos os obstáculos que poderiam esterilizar em nós a Sua divina palavra. Oh! Quão precioso é este ensino! Oxalá, o compreendamos bem e dele nos aproveitemos!

PRIMEIRO PONTO

O primeiro obstáculo à Palavra de Deus é a Distração

Com efeito, a alma distraída é o caminho trilhado, aberto a todos os transeuntes, por onde toda a gente passa e torna a passar, calcando aos pés a divina semente, a qual ao depois é comida pelas aves do céu (1). Entregue a mil pensamentos vãos e inúteis, cheia das coisas e das inovações do mundo, mas vazia de recolhimento de espírito e de união com Deus, essa pobre alma está sempre ocupada no que acontece em torno dela, e quase nunca cuida de si. O passado, o presente, o futuro, tudo a absorve; e neste deplorável estado, nenhum meio de que a divina semente não seja, por um lado, calcada aos pés por todos esses frívolos pensamentos, que passam e tornam a passar incessantemente; e por outro lado, arrebatada pelas aves do céu, isto é, pelas quimeras que percorrem também os espaços. Tomarão ainda belas resoluções na oração, na leitura espiritual; será a Palavra de Deus pronta a germinar; mas não vigiarão sobre si, as ideias estranhas chegarão, se lançarão sobre a semente; nisso não pensarão mais, a distração terá bem depressa perdido tudo. Não estamos nós neste caso?

SEGUNDO PONTO

O segundo obstáculo à Palavra de Deus é a Tibieza

Uma outra parte da semente, diz Jesus Cristo, cai sobre um terreno pedregoso, germina logo sem custo; mas, encontrando pedra, não pode lançar raízes, seca e morre (2). Isto entende-se, continua o Salvador, dos que ouvem a palavra divina sem repugnância e até com gosto, que folgam de ouvir falar de Deus e da religião, de ler livros de piedade; mas que, postos à prova de um sacrifício, de uma dificuldade, desanimam e retiram-se. A tibieza no serviço de Deus é, pois, essa pedra, que está no fundo do coração, que faz secar em pé a divina semente, e a impede de crescer. Enquanto não precisam de fazer sacrifícios, tudo corre bem: a semente germina, produz bons sentimentos, santos afetos; mas apresente-se uma dificuldade a superar, uma tentação a vencer, um sacrifício a fazer, param (3). A pedra está ali, é a tibieza, a semente não pode penetrá-la, seca e morre (4). Quereriam amar a Deus, mas com a condição de que isso nada custasse; quereriam salvar-se, mas não têm ânimo paria isso: a pedra está ali, é a tibieza. Leem no Evangelho, que é preciso que tenham abnegação e coragem, levem a sua cruz; mas estas palavras tocam apenas a superfície da alma, e eles não fazem nem mais nem menos, porque a pedra está debaixo, as impede de penetrar: é a tibieza.

Oh! Quem tirará esta pedra! E imediatamente o homem novo sairá, a palavra frutificará (5).

TERCEIRO PONTO

O terceiro obstáculo à Palavra de Deus são as Paixões

É o que Jesus Cristo nos indica por esses espinhos, que afogam a semente (6). O fundo da terra é bom, porque a abundância das raízes prova a fertilidade do terreno; há uma certa coragem, uma certa energia na alma; aceitamos as virtudes que recomenda a divina palavra e decidimo-nos a praticá-las; mas, no meio destas boas resoluções, deixamos crescer e arraigar-se certas paixões que não podemos extinguir, certas inclinações para uma vida cômoda e sensual, para o prazer, para o dinheiro, para a glória, para a fama, para a vontade, para o caráter, para o juízo e os modos de ver. Todas estas inclinações se desenvolvem e crescem, cobrem as belas resoluções que tínhamos tomado, as afogam na sua flor, e esterilizam assim a semente da divina palavra no momento em que ia tornar-se espiga. Não estamos nós ainda neste caso?

Resoluções e ramalhete espiritual como acima

Referências:

(1) Aliud cecidit secur viam, et conculcatum est, et volucres caeli comederunt illud (Lc 8, 5)

(2) Aliud cecidit supra petram et natum aruit, quia non habebat humorem

(3) In tempore tentationis recedunt

(4) Natum aruit

(5) Quis… revolvet lapidem ab ostio monumenti? (Mc 16, 3)

(6) Aliud cecidit inter spinas; et simul exortae spinae suffocaverunt illud

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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo II, p. 47-50)