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Obstáculo à Paz: a Atividade Natural

Meditação para a Segunda-feira da Pascoela. Obstáculo à Paz: a Atividade Natural

Meditação para a Segunda-feira da Pascoela

SUMARIO

Meditaremos sobre um primeiro obstáculo à paz interior, que é a excessiva atividade; e consideraremos esta atividade:

1.° Nos desejos;

2.° Nas ações.

— Tomaremos depois a resolução:

1.° De combatermos e moderarmos os nossos desejos;

2.° De fazermos toda as coisas com pausa e sem precipitação.

O nosso ramalhete espiritual será o provérbio:

“Não vos apresseis demasiado, se é bem” – Sat cito si sat bene

Meditação para o Dia

Adoremos a paz profunda de que Deus goza desde toda a eternidade, entre um infinito número de ocupações, e de que ao mesmo tempo faz gozar todos os santos. Porque a paz é o verdadeiro bem do céu, o próprio apanágio dos bem-aventurados. Desfaçamo-nos em louvores para com Deus e seus santos; e peçamos-Lhe para nós a reforma dessa excessiva atividade, que é o maior obstáculo à paz.

PRIMEIRO PONTO

Na Atividade dos Desejos

Há em nós uma tendência para nos deitarmos com ardor a tudo o que parece prometer-nos algum vislumbre de prazer, ainda que só fosse um prazer de curiosidade. É uma consequência da nossa natureza, que se sente feita para uma felicidade infinita, e que, posto que bem saiba que a não achará na terra, tem às vezes a fraqueza de nela a buscar. Daí a atividade nos desejos e, se não reprimimos a impetuosidade deste movimento, o coração afeiçoa-se, perturba-se e agita-se. Arrastado por desejos, que fazem à alma infinito mal, eles cegam-a, fazem-lhe esquecer Deus e ao mesmo tempo as luzes da fé, que devem sempre guiá-la. Acostumam-a a buscar-se a si mesmo em todas as coisas; e na preocupação em que a lançam, ela não cuida já senão em se satisfazer. O temor de não o conseguir, azeda-a e amofina-a; e se, de fato, o não consegue, murmura, irrita-se, rompe em palavras acres, desagradáveis, torna-se pesada aos outros e a si própria. Daí esta súplica do Eclesiástico:

“Senhor, afastai de mim toda a cobiça” – Domine Pater, omne desiderium averte a me (Eclo 23, 5)

E a de Davi:

“Não me entregueis, Senhor, contra o meu desejo ao pecador” – Ne tradas me, Domine, a desiderio meo peccatori (Sl 139, 9)

Daí também este conselho dos Santos, que nunca se deve fazer imediatamente aquilo a que nos leva um desejo muito veemente, mas saber esperar que tenha passado a agitação, voltado o sossego e o sangue frio para examinar se o deseja é bom, se não seria mais agradável a Deus renunciá-lo; e ainda quando se reconheceu que o desejo é legitimo, não obrar em virtude de desejo, mas unicamente segundo a vontade de Deus. Nunca se deve, dizem os Santos, querer ser de outro modo que Deus quer que sejamos; não se deve desejaria tentação a tranquilidade, nos negócios o descanso, nas trevas a luz, nos desgostos a consolação, em companhia a solidão, na solidão a companhia. O desejo ainda das melhores coisas deixará de ser bom, quando não for moderado até se confundir na só vontade de Deus. É o que levava São Francisco de Sales a dizer estas palavras:

“Desejo muito poucas coisas ; e se tivesse de renascer, não quereria ter um único desejo”

E São Luiz de Gonzaga estas outras palavras:

“Expulso do meu coração não só o desejo das coisas indiferentes, mas até o desejo das coisas mais santas, quando ele é muito veemente”

Examinemos, diante de Deus, se temos praticado estas santas regras.

SEGUNDO PONTO

Na Atividade das Ações

Para viver em paz, é necessário obrar sempre com simplicidade e moderação, não ter paixão por coisa nenhuma, mas conservar a alma numa disposição sempre igual, reprimindo energicamente as pressas e as vivas agitações de um coração que não se possui. Há certas pessoas, e talvez sejamos desse número, que nada sabem fazer devagar e com sossego, que corremos sempre, e não sabem andar. Antes da ação, preocupam-se, antecipam pelo pensamento a hora de obrar, em oposição com a advertência do sábio: Todas as coisas tem seu tempo (1); e com o exemplo de Nosso Senhor, que dizia: Ainda não é chegada a minha hora (2); não apressava essa hora, não a retardava, esperava-a em paz. Durante a ação, apenas esses homens de excessiva atividade começaram qualquer coisa, tarda-lhes terminá-la; apressam-se, precipitam-se, sem atender ao provérbio:

“Não vos apresseis demasiado, se é bem” – Sat cito si sat bene

Então já não há paz, já não buscam a Deus, ou ao menos buscam-se a si com Deus e igualam-se a Ele; então há dissipação na alma, que está toda entregue ao exterior da sua ação; há muitas vezes até escândalo, por falta de ordem e de regra no modo de proceder. Topam com os obstáculos que sobrevêm, e quebram-se nele; perturbam-se e impacientam-se. É este estado que São Bernardo deplorava em si, quando dizia:

“Nada há tranquilo em mim” – In me nihil sedet

Ditoso aquele que sabe moderar a sua atividade, sempre possuir-se e conservar-se senhor de si. É assim que obramos?

Resoluções e ramalhete espiritual como acima

Referências:

(1) Omni negotio tempus est te opportunitas (Eclo 8, 6)

(2) Nondum venit hora mea (Jo 2, 4)

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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo II, p. 264-267)