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Jesus tratado como último dos homens

“Nós o vimos… desprezado e como o último dos homens, como o homem das dores” (Is 53,2).

Foi uma vez vista na terra este grande portento: o Filho de Deus, o rei do céu, o senhor do universo, desprezado como o mais vil de todos os homens. Diz Santo Anselmo que Jesus Cristo na terra quis ser tão desprezado e humilhado que os desprezos e as humilhações que ele recebeu não podiam ser maiores. Ele foi tratado como desprezível: “Não é este o filho do carpinteiro?” (Mt 13,55); foi postergado por sua origem: “De Nazaré pode vir alguma coisa boa?” (Jo 1,46); foi tido por louco: “Tem demônio e perdeu o juízo; por que o estais ouvindo?” (Jo 10,20); foi considerado como um glutão e amigo do vinho: “Eis um homem comilão e que bebe vinho” (Lc 7,34); foi julgado feiticeiro: “É em nome do príncipe dos demônios que ele expele os demônios” (Mt 9,34); passou por herético: “Não dissemos com toda a razão que és um samaritano?” (Jo 8,48).

E na sua paixão foram-lhe feitos os maiores impropérios. Nessa ocasião foi tratado como blasfemo. Quando ele declarou que era o Filho de Deus, disse Caifás aos outros sacerdotes:

“Eis, ouvistes agora mesmo a blasfêmia; que vos parece? e eles em resposta disseram: é réu de morte” (Mt 25,67).

Em seguida começaram a cuspir-lhe no rosto e outros o feriam com socos e bofetadas (Mt 26,67). Cumpriu- se então a profecia de Isaías:

“Eu entreguei meu corpo aos que me feriam e as minhas faces aos que me arrancavam os cabelos da barba; não virei a face aos que me afrontavam e cuspiam em mim” (Is 50,6).

Foi tratado como profeta falso:

“Adivinha, ó Cristo, quem me bateu” (Mt 26,68).

No meio de tantas ignomínias que nosso Salvador sofreu naquela noite, aumentou-lhe o sofrimento a injúria que lhe fez Pedro, seu discípulo, renegando-o três vezes e jurando nunca o ter conhecido.

Vamos, almas devotas, procurar o Senhor naquele cárcere onde está abandonado por todos e em companhia de seus inimigos, que porfiam em maltratá-lo. Agradeçamos-lhe tudo o que sofre por nós com tanta paciência e consolemo-lo com o arrependimento das injúrias que lhe fizemos, visto que também nós pelo passado os desprezamos e, pecando, protestamos não o conhecer.

Ah, meu amável Redentor, desejava morrer de dor ao pensar que tanto amargurei o vosso coração, que tanto me amou. Esquecei-vos de tantos desgostos que vos dei, e dirigi-me um olhar amoroso, como fizestes com Pedro, depois de vos haver negado, o que o fez chorar toda a sua vida o pecado cometido.

Ó grande Filho de Deus, ó amor infinito, que padeceis por esses mesmos homens que vos odeiam e maltratam, vós que sois adorado pelos anjos, que sois uma majestade infinita, faríeis uma grande honra aos homens, permitindo-lhes que vos beijassem os pés, como então consentistes em vos tornar naquela noite o escárnio daquela canalha? Meu Jesus desprezado, fazei que eu seja também desprezado por vosso amor. Como poderei recusar os desprezos, vendo que vós, meu Deus, os suportastes por meu amor? Ah, meu Jesus crucificado, fazei-vos conhecer e fazei-vos amar.

Causa tristeza ver o desprezo que os homens mostram para com a paixão de Jesus Cristo! Mesmo entre os cristãos, quantos são os que pensam nas dores e ignomínias que esse divino Redentor suportou por nós? Somente nos últimos dias da semana santa, quando a Igreja com o plangente canto dos salmos, com a denudação dos altares, com as trevas e o silêncio dos sinos nos recorda a morte de Jesus Cristo, somente então, digo, nos lembramos da passagem de sua paixão e depois no resto do ano não pensamos mais nisso, como se a paixão de Jesus fosse uma fábula ou como se tivesse morrido por outros e não por nós. Ó Deus, quão grande será a pena dos condenados no inferno, vendo quanto padeceu um Deus para salvá-los e eles preferiram perder-se! Ó meu Jesus, não permitais que eu seja do número desses infelizes! Não o serei, porque não quero deixar de pensar no amor que me testemunhastes sofrendo tantas penas e ignomínias por mim. Ajudai-me a amar-vos e recordai-me sempre do amor que me consagrastes.

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