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Das Enfermidades

Infirmitas gravis sobriam facit animam — “A enfermidade grave faz a alma sóbria” (Eclo 31, 2)

Sumário. As enfermidades são a pedra de toque para se conhecer o espírito de uma pessoa. Meu irmão, quando o Senhor te visita com esta tribulação, sem dúvida te é lícito rogar-lhe que te restitua a saúde, a fim de a empregar ao seu serviço: podes também tomar os remédios prescritos; mas, afinal, resigna-te sempre à vontade divina, que dispõe tudo para o nosso bem. Para te animar à paciência, lembra-te do que sofreram os santos. Olha sobretudo para Jesus, que durante toda a sua vida foi Homem de dores, e sê devoto de Maria Santíssima, a Rainha dos mártires.

I. As enfermidades são a pedra de toque que faz conhecer o espírito de uma pessoa, se é ouro ou cobre. Alguns cristãos, enquanto gozam saúde, são alegres, pacientes e devotos; mas, quando acometidos por alguma doença, cometem mil faltas e parecem inconsoláveis. Perdem a paciência com todos, mesmo com os que deles tratam por caridade; queixam-se de toda dor e incômodo que sentem; queixam-se de todos: do médico, dos superiores, dos enfermeiros, e algumas vezes chegam a queixar-se de certo modo de Deus, dizendo que deixa pesar demasiado a sua mão. E assim o que parecia ouro, prova ser cobre.

Observemos que os enfermos que sofrem e não sabem conformar-se com a vontade divina, são os mais deploráveis e dignos de lástima, não tanto pelo que sofrem, como por não conhecerem os tesouros que Deus lhes oferece no sofrimento. Ó infelizes! Convertem em veneno o remédio dos seus males; pois que os males corporais são os remédios mais eficazes para curar os males da alma:

Livor vulneris abstergit mala (1) — “A dor da ferida limpa os males”

Ao contrário, dizia o Padre Alvares que aquele que fica resignado nos trabalhos e sofrimentos, corre no caminho que leva à união com Deus.

E São Francisco de Sales acrescenta:

“Não vos enganeis; serve-se melhor a Deus pelo sofrimento do que pelo trabalho. Um dia de sofrimento, aceito com resignação, vale mais do que um mês inteiro de grandes trabalhos. Numa palavra, se soubéssemos o merecimento que se acha no sofrer pelo amor de Deus, as tribulações da vida presente ser-nos-iam mais caras, do que um pedaço do lenho da cruz, na qual Jesus Cristo morreu por nós”.

Estejamos convencidos que o que aceita resignado as enfermidades, ao mesmo tempo que agrada a Deus, e se enriquece de merecimentos para o céu, pode ainda fazer muito em proveito do próximo, rezando por ele, oferecendo para ele a Deus os seus sofrimentos e edificando pelo bom exemplo. Ó! Como edifica o cristão que, no meio de todas as dores que sofre, mostra sempre o rosto sereno, de nada se queixa, e aceita por obediência os remédios, por amargosos e dolorosos que sejam! Um doente verdadeiramente resignado é uma bênção para a família ou comunidade, e uma vez admitidos ao paraíso, veremos muitas almas que se salvaram mais pelas orações daquele doente, do que pelas exortações dos pregadores.

II. No tempo da enfermidade bem podemos e mesmo devemos tomar os remédios prescritos, porque assim Deus o quer; mas devemo-nos resignar inteiramente com a vontade de Deus. E igualmente permitido pedirmos a saúde, a fim de a empregarmos no serviço de Deus; mas ao mesmo tempo devemo-nos entregar em suas mãos, aceitando até a morte, se Deus assim dispõe. Diz Blosio que aquele que, na hora da morte, faz ato de perfeita conformidade com a vontade de Deus, ficará preservado não só do inferno, como também do purgatório, embora tivesse cometido todos os pecados do mundo. A razão disso é que o que aceita a morte com resignação perfeita adquire um merecimento semelhante ao dos santos mártires que sacrificaram livremente a vida por Jesus Cristo.

Para nos animar sempre mais a sofrer, lembremo-nos do que sofreram os santos. Santa Liduína passou 38 anos da sua vida sobre uma tábua, abandonada, coberta de chagas e atormentada de dores, e nunca se queixou. A Bem-aventurada Humiliana de Firenza, franciscana, quando sofria várias doenças dolorosas e violentas, levantava as mãos ao céu, dizendo sempre: Sede bendito, Amor meu, sede bendito! Santa Clara esteve igualmente 28 anos sempre enferma, e nunca lhe saiu da boca uma só queixa. Finalmente, São Vicente de Paulo, que fez tão grandes coisas para a glória de Deus, estava quase sempre acometido de penosíssimas enfermidades, que o reduziram a não poder mover-se, nem descansar, de dia nem de noite; contudo sofria tudo em paz inalterável, e agradecia a Deus, considerando as suas doenças como favores singulares.

A fim de nos animar, lembremo-nos sobretudo da Rainha dos mártires, Maria Santíssima, olhemos para Jesus Cristo que, depois de uma vida de trabalhos e fadigas, morreu de pura dor; e reflitamos no que diz São Francisco de Sales:

“É melhor estar com Cristo sobre a cruz, do que ficar a seus pés a contemplar os seus sofrimentos”.

Amabilíssimo Jesus, como posso eu, pecador, recusar algum sofrimento por amor de Vós, que tanto padecestes por mim? Meu Senhor, detesto todos os meus pecados, especialmente os cometidos pelas minhas impaciências, e protesto que de hoje em diante quero aceitar tudo o que Vós disponhais de mim para o tempo e para a eternidade. Se é vossa vontade que eu esteja sempre doente, coberto de chagas, estropiado numa cama e abandonado de todos, também eu o quero, assim como Vos agrada.

Ponho a minha vida mesma em vossas mãos, e em particular aceito a morte que me destinastes com todas as penas que a hão de acompanhar, como Vós quereis, no lugar e no tempo que Vós quereis. Meu Salvador, uno a minha morte à vossa morte santa, e Vo-la ofereço como penhor do amor que Vos tenho. Quero morrer para Vos agradar, para cumprir a vossa santíssima vontade. † Senhor meu Deus! Desde agora aceito de vossas mãos, com ânimo resignado e de bom grado, qualquer gênero de morte que Vos aprouver, com todas as ansiedades, penas e dores (2). Ó grande Mãe de Deus e minha Mãe, alcançai-me a graça da perseverança.

Referências:
(1) Pv 20, 30.
(2) Indulgência plenária no artigo da morte a todos os cristãos fiéis, num dia que escolherem, tendo recebido a confissão e santa comunhão e recitado esta oração com verdadeiro amor para com Deus.

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(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Duodécima semana depois de Pentecostes até ao fim do ano Eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 449-452)