Meditação para a Quinta-feira da 4ª Semana depois da Epifania
SUMARIO
Aprendemos ontem de Jesus no templo o espírito de sacrifício; aprenderemos o espírito de obediência; e para nos dispormos a entrar neste espírito, veremos que nada há:
1.° Mais excelente do que a obediência;
2.° Nada mais edificante;
3.° Nada mais consolador.
— Tomaremos depois a resolução:
1.° De praticarmos todas as nossas ações por espírito de obediência à vontade de Deus;
2.º De nunca fazermos coisa alguma por atrativo ou gosto natural, assim como de nunca omitirmos coisa, alguma por desgosto ou repugnância.
O nosso ramalhete espiritual será a palavra de Nosso Senhor no dia de Sua Apresentação:
“Eis que venho para fazer, ó Deus, a vossa vontade” – Ecce veion, ut faciam, Deus, voluntatem tuam (Hb 10, 9)
Meditação para o Dia
Adoremos a admirável obediência de Jesus no mistério de Sua Apresentação. Obedece a Seu Pai, cuja vontade vem fazer:
“Ó Deus, diz ele, a vossa vontade é a minha; coloquei-a no meio do meu coração, para que regule todos os seus movimentos” – Deus meus, volui, et legem tuam in medio cordis mei (Sl 39, 9)
Obedece a Moisés Seu servo, cuja lei vem executar. Quarenta dias depois de nascer, todo o filho macho que for primogênito, dissera Moisés, será consagrado ao Senhor; cinco séculos serão o preço do seu resgate: e o que Moisés havia dito, Jesus o executa. Obedece a Sua Mãe, em cujas mãos se entrega, para que faça dEle o que lhe aprouver. Oh! Quão bem merece tanta obediência os nossos respeitos e louvores!
PRIMEIRO PONTO
Nada mais excelente que a Obediência
O mundo faz consistir a grandeza na independência e liberdade; obedecer é, em seu sentir, a sorte dos escravos, a condição dos miseráveis; e nada mais belo, mais sublime, mais invejável do que fazer a sua vontade em tudo. Jesus, a sabedoria eterna, pensa de muito diferente modo. A prova disto está no mistério deste dia e em toda a Sua vida que não foi senão um exercício contínuo de obediência; nenhum respeito se guardou a Si mesmo (1); a vontade de Seu Pai foi sempre a Sua (2). É porque efetivamente nada há mais excelente no céu e na terra do que ter por norma de proceder, não os caprichos da vontade humana, mas a própria vontade de Deus, a qual faz a norma e as delícias dos anjos e dos santos. Então toda a vida se enobrece, se engrandece; e não se é já pequeno nas pequenas coisas, nem maior nas grandes, porque a vontade de Deus, que forma a sua norma, o seu preço e mérito, é sempre igualmente excelente. Então a menor ação feita em vista e por amor desta santa vontade excede tanto as mais brilhantes obras inspiradas pela vontade própria, quanto a vontade divina excede a vontade humana. Deste modo elevam-se a um grau incomparável de grandeza e de excelência todas as nossas ações até as mais comuns, até as nossas refeições e as nossas diversões e os nossos passeios, até o nosso sono, o nosso silêncio e a nossa inação, quando esta está em harmonia com a vontade de Deus e a aceitamos com este intuito. Oh! Quão grande e admirável coisa é, pois, a obediência! Temos nós sabido até ao presente apreciá-la como merece? E julgamos belas as posições em que se obedece, temíveis aquelas em que se manda e em que se pode fazer a vontade própria?
SEGUNDO PONTO
Nada mais santificante do que a Obediência
1.° Ela corrige todos os extravios da vontade própria: esta vontade pérfida e enganosa vê somente as coisas pelo prisma das paixões e dos mesquinhos interesses, que alteram a verdadeira cor dos objetos; inconstante e volúvel, o que ela quer um dia, já o não quer no dia seguinte; incerta e irresoluta, não sabe muitas vezes a que ater-se, caprichosa, quer sem razão e contra toda a razão; obstinada, não sabe ceder e teima à medida que a contradizem altiva e imperiosa, não aspira senão a sacudir o jugo e a dominar; violenta e precipitada, impacienta-se, murmura, enfurece-se, se os seus desejos não são logo satisfeitos; finalmente, inimiga da lei, porque a lei a molesta, inclina-se a tudo o que é proibido. Só à obediência é dado corrigir tantos extravios: ela dirige esta vontade cega; fixa esta vontade inconstante; determina esta vontade irresoluta; endireita esta vontade caprichosa; dobra esta vontade obstinada; sujeita esta vontade altiva e imperiosa, esta vontade violenta e precipitada; retem ou repõe esta vontade perversa no bom caminho, se dele saiu.
2.° Depois de ter corrigido o mal, a obediência obriga a fazer tudo o que é bem. Nela está toda a perfeição: a humildade, a abnegação, a paciência, a união com Deus; a vida da fé, que sobrenaturaliza todas as ações; a vida de esperança, que alimenta uma série contínua de méritos; a vida de caridade, cuja mais excelente prática é a obediência. Nela, finalmente, está a fonte de todas as graças com o meio do mais seguro êxito para todas as boas obras.
É desta sorte que encaramos a obediência? Temos aversão à vontade própria, e gostamos de a sacrificar generosa e continuamente a Deus?
TERCEIRO PONTO
Nada mais consolador do que a Obediência
Quem segue a sua vontade própria é infeliz. O passado deixa muitas vezes após si o arrependimento do que fizemos, a desaprovação da nossa falsa prudência, o pesar das nossas falsas conjecturas. O presente entristece; oferece à alma desejos não satisfeitos, desconsolação e desgosto. O futuro inquieta: que farei? Que virá a ser de mim? Mas com a obediência, todos os motivos de aflição desaparecem. Então já não há pesar com relação ao passado: aquele que mandou, pode enganar-se, aquele que obedeceu, obrou sempre bem, e a sua consciência não tem direito de se queixar. Então já não entristece o presente: estou onde Deus quer, faço o que Lhe apraz: é o paraíso na terra. Então já não inquieta o futuro: que virá a ser de mim? O que Deus quiser; aonde irei? Aonde Deus quiser; e com esta única palavra a tranquilidade e a paz fixam-se na alma com inefável alegria. Vontade divina, onde me quereis? Para lá corro, para lá voo, eis-me aqui. Quero deixar-me guiar por Vós, como o menino pela mão de sua mãe.
Ó vida deliciosa! Ó paraíso antecipado! Que bela morte se seguirá a uma tal vida, quando, olhando para o passado, virmos todos os nossos dias preenchidos pela vontade divina! Como seremos bem recebidos no céu, que fará ressoar o cântico da vitória! (3)
Resoluções e ramalhete espiritual como acima
Referências:
(1) Chrsitus nob sibi placuit (Rm 15, 3)
(2) Pater… non mea voluntas, sed tua fiat (Lc 22, 42)
(3) Vir obediens loquetur victoriam (Pr 21, 28)
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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo I, p. 260-263)