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A Virtude da Castidade ou da Pureza

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Mês de Junho: A Virtude da Castidade ou da Santa Pureza

Nota: Quanto a esta matéria, recomenda-se vivamente a orientação e acompanhamento de um diretor espiritual/confessor. Isto inclui a leitura deste capítulo. Digo isto para evitarmos qualquer tipo de escrúpulo e medidas que podem prejudicar ao invés de fazer progredir a fiel alma que busca crescer nessa santa virtude.

Mês de Junho

Breve introdução sobre a Castidade e o Apóstolo Patrono

Quanto à santa pureza, nunca tenhas em conta de demasiada toda e qualquer precaução.

“O sábio teme e foge, diz a Sagrada Escritura; só o louco confia em si mesmo e sucumbe” (Pr 14, 10)

Quem se expõe voluntariamente à ocasião de pecado, dificilmente se preservará da queda. Evita, por isso, toda a familiaridade com pessoas de outro sexo, por mais piedosas que sejam elas, pois o demônio sabe prender entre si as pessoas piedosas por uma certa inclinação natural, que é contrária à pureza do coração; ele não as incita ao princípio a grandes pecados, mas condu-las, se elas não se acautelam, pouco a pouco, à beira do abismo. Por isso, logo que notares qualquer inclinação desregrada no teu corarão, procura sufocá-la imediatamente, porque, se a deixares crescer, será mais forde, dificílimo arrancá-la e destruí-la.

Guarda cuidadosamente tuas vistas, para que não sejas obrigado a exclamar, um dia, chorando e suspirando:

“Meus olhos perderam minha alma” (Lm 3, õl)

No falar observa a maior modéstia, e se tiveres de ouvir conversas inconvenientes, foge quanto antes e, se isso não te for possível, segue o conselho do Espírito Santo:

“Circunda teus ouvidos de espinhos e não queiras ouvir a língua perversa” (Eclo 28, 28)

Corrige aquele que entretém tais conversas ou, ao menos, dá mostras de que uma tal conversa te desagrada.

Procura repelir de teu coração todos os pensamentos desonestos logo que os perceberes. Não entres em questão alguma com o demônio, mas arma-te imediatamente com a oração. A experiência ensina que aquele que recorre a Deus nas tentações não cai, ao passo que consente no pecado quem então deixa de rezar. Por isso, logo que fores atacado por uma tentação impura, invoca os santos nomes de Jesus e Maria; esses nomes têm o poder de afugentar o inimigo e apagar o fogo da impureza. Se a tentação perdura, não te perturbes por isso. Entrega-te então com toda a humildade à vontade de Deus, que permite essa provação, e dize:

Senhor, por meus muitos pecados mereço ser molestado por tentações tão horrorosas; a Vós compete, porém, auxiliar-me. Renova o propósito de antes morrer que ofender a Deus

Persigna-te repetidas vezes com o sinal da Santa Cruz e toma a água benta; recebe os santos Sacramentos, ajoelha-te aos pés de teu crucifixo ou de uma imagem de Santíssima Virgem e pede e suplica até que venha o auxílio.

Habitua-te a rezar, de manhã, ao levantares, três Ave-Marias em honra da pureza imaculada da Santíssima Virgem e faze o mesmo de noite, ao te acomodares.

Sumário
I. A sua natureza
II. Excelência da Castidade
III. Da Vigilância sobre os Pensamentos
IV. Da Modéstias dos Olhos
V. Da Guarda do Coração
VI. Da Virgindade
VII. A Pureza do Redentor
VIII. A Prática da Santa Pureza
IX. Orações para alcançar a Virtude do Mês

Mês de Junho: A Virtude da Castidade ou da Santa Pureza. Apóstolo Patrono: São Tiago, Menor
Mês de Junho: A Virtude da Castidade ou da Santa Pureza. Apóstolo Patrono: São Tiago, Menor

I. Castidade ou Santa Pureza: a sua Natureza

Por Pe. Oscar das Chagas C.SS.R.

Se o amor das riquezas afasta a alma de Deus, os prazeres da carne mais vivamente ainda embotam o coração e o impedem de consagrar-se ao amor divino. É pelo pecado vergonhoso, diz Santo Tomás, que o homem se afasta mais de Deus. Per peccatum luxurise homo videtur maxime a Deo recedere (Jó 31, 1). É também desse pecado que se sai com mais dificuldade por causa da força do hábito que ele engendra rapidamente. Esse hábito é como uma lepra que penetra a alma e do qual ele não se desembaraça senão por um milagre da divina misericórdia. Nada, pois, mais funesto à salvação, nada mais oposto ao amor de Deus e à salvação do que o pecado da carne.

Assim como para ser toda de Deus a alma se desprende dos bens do mundo pelo voto e pela virtude de pobreza, também pelo voto e pela virtude da castidade ela se interdita todos os prazeres carnais e mentais da luxúria, a fim de amar a Deus mais perfeitamente. E aqui não há distinção entre o voto e a virtude; porque, conforme a opinião de todos, o voto e a virtude tem o mesmo objeto, de tal forma que cada fraqueza viola há um tempo a virtude e o voto: há cada vez duplo pecado.

O objeto especial da castidade é, pois, os prazeres da carne. Ela modera-lhes o uso legítimo no matrimônio: é a castidade conjugal. Ela os interdita completamente às pessoas não casadas: é a castidade perfeita; e para uma pessoa que jamais provou, ao menos voluntariamente, a satisfação completa dos sentidos, é a virgindade.

Já que a castidade preserva a alma das sujidades da impureza, que são tidas com razão como as mais vergonhosas, atribui-se particularmente a essa virtude a beleza da alma; ela é também designada com outro nome que indica o seu esplendor: a pureza. Daí os elogios magníficos feitos à castidade.

“Como é bela a geração casta no esplendor da virtude! A sua memória é imortal e é louvada diante de Deus e diante dos homens. Quando ela está presente, imitam-na; e quando se retira, desejam-na, e, coroada, para sempre triunfa, ganhando o prêmio nos combates pela castidade” (Sb 4, 1-2)

Mas, note-se bem, a castidade cristã renuncia a esses gozos inferiores, não por um motivo humano, como o seria, por exemplo, a repugnância natural que essas satisfações podem inspirar, ou o desejo de dedicar-se mais livremente ao estudo; isso fez alguns filósofos da antiguidade. A alma cristã abraça a castidade pelo desejo de ser mais livre no seu voo para Deus, na prática do amor divino. Isso faz lembrar o que dissemos mais acima, isto é, que não há virtude verdadeira e perfeita senão a que conduz a Deus sob o impulso da caridade.

Assim compreendida, a castidade ou pureza é uma virtude especial que tem objeto próprio, distinto do de qualquer virtude.

A nossa alma, criada para amar e pertencer só a Deus inclina-se, entretanto, a aderir às criaturas e a procurar nelas a sua felicidade. Ora, toda afeição desse gênero é desordenada quando se afasta de Deus; mancha a alma culpada e faz dela, em relação a Deus, uma esposa infiel. É, pois, possível conceber-se uma castidade, uma pureza espiritual que consiste em interditar-se qualquer apego desordenado à criatura e em procurar a sua glória só em Deus pela prática da divina caridade. Ao contrário, todo pecado, toda afeição desordenada, podem ser considerados como uma fornicação espiritual, como ensina o doutor angélico (2º, 2º q. 151).

Essa castidade, porém, essa pureza espiritual não é virtude especial; mas é como estado de alma, o resultado do esforço de todas as outras virtudes, que desembaraçam a alma, cada uma em sua esfera, das afeições desordenadas. Assim, a pobreza impede a alma de procurar o gozo no amor das riquezas; a humildade arranca-a às falsas alegrias do orgulho. Mas essa pureza resulta, sobretudo, diz Santo Tomás, das virtudes teologais, e especialmente da caridade que, unindo a alma intimamente a Deus, não só a afasta do amor desregrado das criaturas e a preserva de toda mancha, mas lhe outorga ainda todo o brilho da beleza de Deus.

Daí se vê que essa castidade espiritual pode ser considerada como a fineza da caridade que, por amor a Deus, não quer perder nenhuma parte do coração. Daí as complacências divinas pelas almas perfeitamente puras e castas; daí tantos favores e privilégios que lhes são concedidos nesta e na outra vida.

A alma religiosa, pois, que pretende pertencer toda a Deus e praticar a caridade em toda a sua perfeição, repele pela castidade toda satisfação carnal dos sentidos ou da imaginação, do espírito ou do coração. Mas não se contenta com isso; por meio das outras virtudes desembaraça-se de todo afeto que não seja para Deus, e aplicam-se à união sempre mais íntima com o Senhor pelos atos da divina caridade.

Recapitulemos. A castidade repele todo gozo mal. Essa virtude, como observa Santo Agostinho, está antes de tudo na alma: uma pessoa pode permanecer perfeitamente pura e virgem, embora sofram no corpo as maiores violências do mal. É necessário que a vontade recuse energicamente o seu consentimento ao prazer impuro. Mas isso não basta à alma generosa que quer a castidade perfeita; não se contenta de opor ao prazer um desprezo que facilmente se tornaria irrisório e acabaria por ceder a muitas conivências secretas. Os seus esforços visam abafar a concupiscência e restituir à vontade o domínio que ela perdeu sobre os sentidos e os apetites do corpo; quer quanto nela estiver preservar o seu espírito, a sua imaginação, a sua carne de toda mancha, mesmo involuntária. Muitos há, infelizmente, que por um resto de apego às satisfações sensuais, até ao prazer da tentação, não procuram a extinção do foco da concupiscência vergonhosa, e permanece, por essa falta de generosidade, presa das mais perigosas tentações. Esse não era o procedimento dos Santos, que chegavam, às vezes, por jejuns e penitências, a reprimir os menores movimentos de concupiscência e a viver como anjos em corpo mortal. Difícil vitória! Longo e terrível combate! O combate é de todos os dias e a vitória é rara, diz Santo Agostinho: Quotidiana pugna, rara victoria.

Numerosos e poderosos inimigos ao redor e dentro de nós unem-se sem cessar para fazer-nos os mais violentos assaltos e para arrastar-nos ao abismo. Temos de sofrer as sugestões reiteradas e importunas de Satanás, as fascinações encantadoras e inebriantes do mundo, as atrações do coração, as extravagâncias duma imaginação delirante, as terríveis revoltas da carne e dos sentidos, as carícias ou as violências da concupiscência ora suplicante e pérfida, ora arrebatada e furiosa. Quantas horas de angústias e de agonia!

Quão raros são os que escapam a essas lutas temíveis e dolorosas! Que espetáculo ver os Santos submetidos pela Providência a essas lutas humilhantes, e obrigados a debater-se, gemendo, nos braços da paixão mais vil, mais pérfida e mais violenta!

Ó misteriosa sabedoria de Deus, que temperas teus servos na provação e que os purificas no fogo da tentação como o ouro no cadinho! Tal é, com efeito, nos desígnios de Deus, o fim dessas tentações às vezes terríveis, pelas quais deixa passar os Seus filhos mais amados.

Dá-lhes, assim, ocasião de provarem a sua fidelidade.

“Porque era agradável a Deus, diz o anjo a Tobias, foi necessário que a tentação te provasse” (Tb 12, 13)

Dizia, igualmente, Moisés ao povo judaico:

“O Senhor submete-vos à prova, a fim de que todos saibam se o amais ou não de todo o vosso coração” (Dt 13, 3)

A tentação faz-nos conhecer a nossa miséria, fortalece-nos na humildade, e move-nos a pôr em Deus a nossa confiança. Por ela, purificando-se das suas manchas, a alma fortifica-se na virtude, enriquece-se de méritos, e preparam-se brilhantes coroas para a eternidade. Exclama São Tiago:

“Bem-aventurado o homem que suporta a tentação, porque, depois de provado, receberá a coroa da vida” (Tg 1, 12)

E sobre essas palavras São Bernardo acrescenta “que é necessário virem às tentações; porque, diz ele, só será coroado quem tiver combatido legitimamente. E como combater quando não se é atacado?” (Serm. 64. sup. Cant).

A tentação, enfim, ensina-nos a fugir da negligência; ensina-nos a prudência quanto a nós e quanto aos outros, faz-nos bons e compassivos para com nossos irmãos. É isso que mostra o seguinte fato. Um ancião solitário, ouvindo a um jovem religioso confessar-lhe as tentações que o atormentavam, repreendeu-o com azedume e exprobrou-o em vez de levantá-lo e consolá-lo. Cedendo então ao desespero, o infeliz jovem saiu do mosteiro para voltar ao mundo. Mas o santo abade Apolo, encontrando-o e percebendo a sua perturbação, perguntou-lhe com bondade pela causa da sua tristeza. Vencido por suas instâncias, o jovem abriu-lhe o coração. O santo homem consolou-o e encorajou-o, dizendo que também ele era combatido todos os dias pelas mesmas tentações e acrescentando que se não deve por isso desanimar, porque, para combatê-las, ninguém pode contar com as próprias forças, mas com a graça e a misericórdia de Deus. Conjurou-o a que deixasse para o dia seguinte a execução do seu projeto e voltasse à cela para implorar o auxílio divino. Como o prazo era curto, o jovem consentiu. Aproximando-se, depois, da cela, o ancião caiu de joelhos, ergueu as mãos ao céu e, entre lágrimas, dirigiu a Deus a seguinte prece:

“Senhor, que conheceis a nossa força e a nossa fraqueza, e que Sois o soberano médico das almas, fazei que a tentação que aflige o jovem passe ao coração do velho, a fim de que, ao menos em sua velhice, aprenda a ter compaixão das penas e fraquezas de seus irmãos”

Mal terminara a sua prece, viu o demônio, sob a forma dum negrinho hediondo, atirar uma flecha de fogo para a cela do ancião; este entra imediatamente numa agitação de espírito que lhe não dava descanso. Sem parar, levanta-se, sai, volta; não podendo, finalmente, suportar o ardor que o devorava, tomou a mesma resolução que o jovem solitário. O santo abade, que o observava e que conhecia a tentação de que estava atormentado, aproximou-se dele, perguntou-lhe para onde ia e donde vinha que, esquecido do que devia à gravidade da sua idade e da sua profissão, se achava tão inquieto e apressado. O velho julgou-se descoberto e, cheio de vergonha e confusão pelo testemunho da sua consciência, não respondeu nada. Aproveitando-se da perturbação em que o via, disse-lhe o santo abade:

“Voltai para vossa cela e sabei que, se o demônio vos deixou em paz até agora, é porque vos conhecia ou não fazia caso de vós. Vede quão grande é a vossa fraqueza; envelhecido no deserto, não pudestes resistir a uma tentação, nem mesmo suportá-la aos primeiros ataques; deixastes-vos logo vencer; e, não querendo esperar um dia, só pensastes em executar os vossos maus desígnios. Deus o permitiu a fim de que, ao menos em vossa velhice, aprendêsseis a compadecer-vos das enfermidades e penas dos vossos irmãos e soubésseis por experiência própria que deveis consolá-los e animá-los, e não desencorajá-los e desesperá-los como o fizestes ao jovem solitário que a vós se dirigiu. O demônio dava-lhe assaltos tão rudes e vos deixava descansado, porque, vendo mais virtude nele do que em vós, sentia-se movido de vivo sentimento de inveja e parecia-lhe que virtude tão firme só podia ser atacada por tentações fortes e violentas. Aprendei, pois, por experiência própria, a ter compaixão dos outros; aprendei que é preciso dar a mão a quem está prestes a cair e alentá-lo por palavras de mansidão e consolo, e não abatê-lo com tratamento cheio de rudeza, dando-lhe ocasião de cair ainda mais profundamente. Assim procedeu Jesus, do qual foi dito: ‘ele não acabará de quebrar a cana fendida nem de apagar a torcida que fumega’ (Mt 12, 20)'”

Concluindo, continuou o santo:

“Já que só com o auxílio e a graça de Deus se reprimem e extinguem os movimentos e os ardores da concupiscência, recorramos a Ele e peçamos vos livre da tentação que vos atormenta”

Puseram-se então em oração, e as preces do santo, que proporcionaram ao ancião essa provação salutar, obtiveram-lhe a, libertação.

“Assim o jovem solitário e o velho receberam o remédio e a instrução de que necessitavam” (Rodr. part. II, Trat. IV cap. IX)

Mas se as tentações podem ser para nós a fonte das mais preciosas vantagens, é também muitas vezes ocasião de quedas lamentáveis. A tentação, diz Santo Agostinho, é um fogo no qual se purifica o ouro, se consome a palha, se aperfeiçoa o justo e se perde o pecador; é uma tempestade que emerge aquele e engole a este. Possuem, pois, a ciência da salvação quem sabe levar à vitória o combate, de que tratamos, e que é o grande combate da vida.

Importa penetrar-se a alma profundamente desta convicção: só a graça divina pode fazer vencer. A alma aclarada por Deus diz, pois, com o Sábio: A castidade é um dom do céu, ao céu a pedirei; e implora constantemente o socorro divino, invocando os nomes de Jesus e Maria; vai frequentemente beber a fonte da pureza, unir-se ao Deus da Eucaristia, cujo sangue divino extingue os ardores da concupiscência e faz germinar a virgindade.

A alma não quer, porém, tentar o Senhor; ora, seria tentá-lO e privar-se do Seu socorro lançar-se loucamente ao fogo da tentação, pedindo a Deus lhe extinga as chamas. Foge, quanto possível, da tentação: evita as ocasiões perigosas: os encontros, as leituras, as relações, de que Satanás habitualmente se serve para excitar nos corações as mais violentas tempestades.

Mas a alma generosa, que quer a todo transe guardar a pureza perfeita para gozar da intimidade do seu Deus, não se contenta de reprimir valentemente todos os assaltos de seus inimigos; temendo até o contato de suas más sugestões, procuras preveni-las e pô-las na impossibilidade de lhe serem prejudiciais; atacando-as com vigor, esforça-se por submetê-las à discrição e reduzi-las à escravidão.

Sabe que são cegas e temerárias as atrações do coração e funestas, sobretudo as afeições sensíveis que, estranhas à caridade e à razão, são inspiradas pelos sentidos e, sob aparências de inocentes, tendem à impureza em que terminam fatalmente, se não forem reprimidas a tempo. Para não ter que reprimi-las, previne-as e impede-as de nascer, velando com cuidado sobre o seu coração, ouvindo com docilidade o conselho do Sábio: omni custodia serva cor tuum, quia ex ipso vita procedit (Pr 4, 23). E se, apesar da vigilância, o coração se deixar surpreender por pouco que seja, ao primeiro sentimento de apego que ameace formar-se, arranca-o logo sem dó, não querendo em ti nenhuma fibra que não seja do agrado de Deus,

Mas ela sabe que os sentidos são os largos caminhos do coração e que pelos olhos penetram na alma as imagens, os pensamentos e os afetos que empanam a candura e causam o naufrágio da pureza; impõe aos sentidos e, sobretudo, aos olhos o freio da mais severa modéstia; refreia igualmente a memória, que poderia às vezes lembrar-lhe recordações perigosas, e opõe-lhe o pensamento dos benefícios e dos juízos de Deus; reprime os voos da imaginação e prende-a ao espetáculo dum Deus ensanguentado e crucificado, ou obriga-a a contemplar nos horrores do túmulo esses vãos objetos que a podem seduzir.

A exemplo, enfim, do apóstolo, que dizia: castigo corpus meum et in servitutem redigo, armada de azorragues e cadeias, macera a carne e, castigando se¬pre qualquer ensaio de revolta, acaba por subjugá-la. Como São Bento, que rolava nos espinhos, como São Bernardo, que se imergia em tanque gelado, ela abafa na dor os gritos da concupiscência e pode dizer com o apóstolo:

“Pelo sofrimento eu sou forte e triunfo dos meus inimigos” – cum infirmor, tum potens sum

Sabe, enfim, que toda falta é uma mancha e que a tibieza, embora leve, nos enfraquece e dá vantagens ao espírito impuro, sempre hábil em aproveitar-se da nossa fraqueza, e por isso esforça-se por evitar toda tibieza e por cumprir com fervor até os seus menores deveres.

E quando se vê presa das tentações, apesar das sábias precauções de que se cerca, lança-se sem perturbação nem medo, mas com filial confiança, nos braços de seu Deus, cujo socorro implora; com os nomes de Jesus e Maria semeia o terror no campo dos seus inimigos, e com o escudo da fé, que lhes opõe logo pela lembrança da bondade e da justiça de Deus, repele suas setas envenenadas.

Se, enfim, num momento de esquecimento e fraqueza recebe algum ferimento, imerge logo a sua alma, por uma penitência sincera, no sangue de Jesus Cristo, que não só cura as suas chagas e apaga as suas manchas, mas lhe dá novo vigor para arrostar novos combates e conquistar felizes vitórias. Sustentada, assim, por Jesus e Maria, chega ao último triunfo que obtém a eterna coroa.

II. Excelência da Castidade

Os escritos seguintes são de Santo Afonso Maria de Ligório.

Ninguém melhor que o Espirito Santo saberá apreciar o valor da castidade. Ora, Ele diz: “Tudo o que se estima não pode ser comparado cora uma alma continente” (Eclo 26, 20), isto é, todas as riquezas da terra, todas as honras, todas as dignidades não lhe são comparáveis. Santo Efrém chama a castidade “a vida do espírito”; São Pedro Damião, “a rainha das virtudes”, e São Cipriano diz que, por meio dela, se alcançam os triunfos mais esplêndidos. Quem supera o vício contrário a castidade, com facilidade triunfará de todos os mais; quem, pelo contrário, se deixa dominar pela impureza, facilmente cairá em muitos outros vícios e far-se-á réu de ódio, injustiça, sacrilégio, etc.

A castidade faz do homem um anjo

“Ó castidade, exclama Santo Efrém, tu fazes o homem semelhante aos anjos” (De cast.)

Essa comparação é muito acertada, pois os anjos vivem isentos de todos os deleites carnais; eles são puros por natureza; as almas castas, por virtude. “Pelo mérito desta virtude, diz São Cassiano (De coen. inst., 1. 6, c. 6), assemelham-se os homens aos anjos”, e São Bernardo (De mor. et off,, ep., c. 3):

“O homem casto difere do anjo, não em razão da virtude, mas da bem-aventurança; se a castidade do anjo é mais ditosa, a do homem é mais intrépida”

“A castidade torna o homem semelhante ao próprio Deus que é um puro espírito”, afirma São Basílio (De ver. virg.).

O Verbo eterno, vindo a este mundo, escolheu para Sua mãe uma virgem, para pai putativo um virgem, para precursor um virgem, São João Batista, e a São João Evangelista amou com predileção porque era virgem, e, por isso, confiou-lhe Sua santa mãe, da mesma forma como entrega ao sacerdote, por causa de sua castidade, a Santa Igreja e Sua própria pessoa.

Com toda a razão, pois, exclama o grande doutor da Igreja, Santo Atanásio (De virg.):

“Ó santa pureza, és o templo do Espírito Santo, a vida dos anjos e a coroa dos santos”

Grande, portanto, é a excelência da castidade; mas também terrível é a guerra que a carne nos declara para no-la roubar. Nossa carne é a arma mais poderosa que possui o demônio para nos escravizar; é, por isso, coisa muito rara sair-se ileso ou mesmo vencedor deste combate. Santo Agostinho diz:

“O combate pela castidade é o mais renhido de todos: ele repete-se cotidianamente e a vitória é rara” (Sermo 293)

“Quantos infelizes que passaram anos na solidão, exclama São Lourenço Justiniano, em orações, jejuns e mortificações, não se deixaram levar, finalmente, pela concupiscência da carne, abandonaram a vida devota da solidão e perderam, com a castidade, o próprio Deus”

Por isso, todos os que desejam conservar a virtude da castidade devem ter suma cautela:

“É impossível que te conserves casto, diz São Carlos Borromeu, se não vigiares continuamente sobre ti mesmo, pois a negligência traz consigo mui facilmente a perda da castidade”

III. Da Vigilância sobre os Pensamentos

1) A respeito dos maus pensamentos encontra-se, muitas vezes, um duplo engano.

a) Almas que temem a Deus e não possuem o dom do discernimento e são inclinadas aos escrúpulos, pensam que todo o mau pensamento que lhes sobrevém já é um pecado. Elas estão enganadas, porque os maus pensamentos em si não são pecados, mas só e unicamente o consentimento neles. A malícia do pecado mortal consiste toda e só na má vontade, que se entrega ao pecado, com claro conhecimento de sua malícia e plena deliberação de sua parte. E, por isto, Santo Agostinho ensina que não pode haver pecado onde falta o consentimento da vontade.

Por mais que sejamos atormentados pelas tentações, pela rebelião de nossos sentidos, pelas comoções ou sensações desregradas de nossa parte inferior, não existe pecado algum enquanto faltar o consentimento, como ensina também São Bernardo, dizendo:

“O sentimento não causa nenhum dano, contanto que não sobrevenha o consentimento”

Para consolar tais almas timoratas e escrupulosas quero oferecer-lhes aqui uma regra prática, aceita por quase todos os teólogos: Quando uma alma, que teme a Deus e detesta o pecado, duvida se consentiu ou não em um mau pensamento, não está obrigada a confessar-se disso, porque, em tal caso, é moralmente certo que não consentiu, pois, se tivesse realmente cometido um pecado mortal, não estaria em dúvida a esse respeito, porque o pecado mortal, para uma alma que teme a Deus, é um monstro tão horrendo, que não poderá ter entrada em seu coração sem o perceber.

b) Outros, que possuem uma consciência mais relaxada e são mal instruídos, julgam, pelo contrário, que os maus pensamentos nunca são pecados, mesmo havendo consentimento neles, contanto que não se chegue a praticar. Este erro é muito mais pernicioso que o primeiro. O que se não pode fazer, não se pode também desejar; por isso, o mau pensamento em si contém toda a malícia do ato. Assim como as más obras nos separam de Deus, também os maus pensamentos nos afastam dEle e nos privam de Sua graça.

“Pensamentos perversos nos separam de Deus” (Sb 1, 3)

Como as más obras estão patentes aos olhos de Deus, também Sua vista alcança todos os nossos maus pensamentos para condená-los e puni-los, pois, “um Deus das ciências é o Senhor, e diante dele estão patentes todos os pensamentos” (1 Rs 2, 3).

2) Logo, nem todos os maus pensamentos são pecados, nem todos os que são pecados trazem em si o mesmo cunho de malícia. É preciso, pois, distinguir bem, quando um mau pensamento é pecado mortal, quando venial e quando não é nenhum pecado. Devemos considerar três coisas quando se trata de um pecado de pensamento, a saber: a sugestão, a deliberação e o consentimento. Alguns esclarecimentos a esse respeito:

a) Sob a palavra sugestão entende-se o primeiro pensamento que nos incita a praticar o mal que nos vem à mente. Esta instigação ou incitamento não é ainda pecado; se a vontade a repele imediatamente, é mesmo uma fonte de merecimentos. “Para cada tentação, a que opuseres resistência, se te deverá uma coroa”, diz Santo Antônio. Até os Santos foram perseguidos por tais pensamentos. São Bento revolveu-se sobre espinhos, para vencer uma tentação impura, e São Pedro de Alcântara lançou-se em um poço de água gelada. São Paulo informa-nos que também ele foi tentado contra a pureza:

“E para que a grandeza das revelações me não ensoberbecesse, foi-me dado um estímulo de minha carne, um anjo de satanás para me esbofetear” (2 Cor 12, 7)

O Apóstolo suplicou mais vezes ao Senhor que o livrasse desse inimigo:

“Por essa causa roguei ao Senhor três vezes que o afastasse de mim”

O Senhor não quis, porém, dispensá-lo do combate, e respondeu-lhe:

“Basta-te a minha graça”

E por que não queria o Senhor livrá-lo? Para que adquirisse maiores méritos por sua resistência à tentação:

“Porque a virtude se aperfeiçoa na fraqueza”

São Francisco de Sales diz que quando um ladrão procura arrombar uma porta, é porque não está ainda dentro da casa; assim também, quando o demônio tenta uma alma, é porque se acha ela ainda na graça de Deus.

Santa Catarina de Sena foi uma vez horrivelmente atormentada pelo demônio, durante três dias, com fortes tentações impuras. Apareceu-lhe então o Senhor para consolá-la, e ela perguntou-lhe, então:

“Mas onde estivestes, Senhor meu, durante estes três dias?”

Jesus respondeu-lhe:

“Dentro do teu coração, dando-te força para resistires à tentação”

E o Senhor deu-lhe a conhecer que seu coração estava, depois da tentação, mais puro que antes.

b) À sugestão segue-se a deleitação. Quando não nos damos ao trabalho de repelir incontinente a tentação, sentimos nela uma certa complacência ou prazer, que nos arrasta ao consentimento. Mesmo então, se a vontade não dá seu assentimento, não há pecado mortal; quando muito, poderá haver pecado venial. Se, porém, não recorrermos então a Deus e não nos esforçarmos por resistir à tentação, facilmente nos sentiremos arrastados ao consentimento e perdidos, segundo as palavras de Santo Anselmo:

“Se não procurarmos impedir a deleitação, ela se transformará em consentimento e matará a alma” (De similit., c. 40)

Uma senhora, que tinha fama de santa, teve, um dia, um mau pensamento, que não repeliu imediatamente. Pecou por pensamento, cometendo ainda outro pecado mortal. Por vergonha deixou de confessar esse pensamento criminoso e morreu, pouco depois, em estado de pecado. Porque morreu em fama de santidade, mandou o Bispo que fosse enterrada em sua própria capela. No dia seguinte apareceu-lhe, porém, ela, toda circundada de fogo, e confessou-lhe, infelizmente já tarde demais, que estava condenada por ter consentido num mau pensamento.

c) Toda a malícia do mau pensamento está, porém, no consentimento. Havendo pleno consentimento, perde-se a graça de Deus e chama-se sobre si a condenação eterna, quer se tenha o desejo de cometer um pecado determinado, quer se pense ou reflita com prazer no pecado, como se o estivéssemos cometendo: está última espécie de pecado chama-se uma deleitação deliberada ou morosa, e deve-se distinguir bem da primeira, isto é, do pecado de desejo.

3) Se fores, pois, molestada por tais tentações, alma cristã, não deves perder a coragem, antes, animosamente combater, empregando os meios que te vou indicar, e não sucumbirás:

a) O primeiro é humilhar-se continuamente diante de Deus.

O Senhor castiga muitas vezes os espíritos soberbos, permitindo que caiam em qualquer pecado impuro. Sê, pois, humilde, e não confies em tuas próprias forças. Davi confessa que caiu no pecado por não se ter humilhado e ter confiado demais em si mesmo:

“Antes de me haver humilhado, eu pequei” (SI 118, 67)

Devemos temer sempre a nossa própria fraqueza e colocar em Deus toda a nossa confiança, esperando firmemente que nos preserve desse vício.

b) O segundo meio é recorrer imediatamente a Deus, sem entrar em confabulação com a tentação.

Logo que se apresentar a nosso espírito um pensamento impuro, devemos elevar a Deus imediatamente o nosso pensamento ou dirigi-lo a qualquer objeto indiferente. A coisa melhor será invocar incontinenti os Santíssimo Nomes de Jesus e Maria e não cessar de repeti-los até desaparecer a tentação. Se ela for muito forte, será bom repetir muitas vezes o seguinte propósito:

Ó meu Deus, prefiro morrer a Vos ofender

Peça-se socorro, dizendo:

Ó meu Jesus, socorrei-me. Maria, assisti-me

Os nomes de Jesus, Maria e José possuem uma força especial para afugentar as tentações do demônio.

c) O terceiro meio é a recepção assídua dos Santíssimos Sacramentos da Confissão e Comunhão.

É de suma importância revelar quanto antes ao confessor as tentações impuras. “Uma tentação revelada já está meio vencida”, diz São Filipe Néri. E se alguém teve a infelicidade de consentir em uma tentação, não se demore nem um instante em se confessar disso. São Filipe Néri livrou um rapaz desse vício, induzindo-o a confessar-se logo depois de cada queda.

A Santa Comunhão, está fora de dúvida, confere uma grande força na resistência às tentações desonestas. O sangue de Jesus Cristo, que recebemos na Sagrada Comunhão, é chamado pelos santos vinho gerador de virgens (Zc 9, 17). O vinho natural é um perigo para a castidade; este vinho celestial é o seu conservador.

d) O quarto meio é a devoção à Imaculada Mãe de Deus, que é chamada a virgem das virgens.

Quantos jovens não se conservaram puros e castos como anjos, devido à devoção à Santíssima Virgem.

e) O quinto meio é a fugida da ociosidade.

O Espírito Santo diz (Eclo 33, 21): “A ociosidade ensina muita coisa má”, isto é, ensina a cometer muitos pecados. E o profeta Ezequiel (Ez 16, 49), assevera que foi a ociosidade, a causa das abominações e ruína final dos habitantes de Sodoma. Conforme São Bernardo, a ociosidade motivou a queda de Salomão. Por isso São Jerônimo exorta a Rústico (Ep. ad Rust., 2) que esteja sempre ocupado, para que o demônio não o preocupe com suas tentações.

“Quem trabalha, é tentado por um demônio só; quem vive ocioso, é atacado por uma multidão deles”, diz São Boaventura

f) O sexto meio consiste no emprego de todas as precauções exigidas pela prudência, tais como a modéstia dos olhos, a vigilância sobre as inclinações do coração, a fugida das ocasiões perigosas, etc.

IV. Da Modéstias dos Olhos

Quase todas as paixões que se revoltam contra nosso espírito tem sua origem na liberdade desenfreada dos olhos, pois os olhares livres são que despertam em nós, de ordininário, as inclinações e paixões desregradas.

“Fiz um contrato com meus olhos de não cogitar sequer em uma virgem” (Jó 31, 1)

Mas por que diz ele — de não pensar sequer em uma virgem? Não parece que deveria dizer: Fiz um contrato com meus olhos de não olhar sequer? Não, ele tem toda a razão de falar assim, porque o pensamento está intimamente ligado ao olhar, não se podendo separar um do outro, e, para não ter maus pensamentos, propôs-se esse santo homem nunca olhar para uma virgem.

Santo Agostinho diz:

“Do olhar nasce o pensamento e do pensamento a concupiscência”

Se Eva não tivesse olhado para o fruto proibido, não teria pecado; ela, porém, achou gosto em contemplá-lo, parecendo-lhe bom e belo; apanhou-o então e fez-se culpada da desobediência.

Aqui vemos como o demônio nos tenta primeiro a olhar, depois a desejar e, finalmente, a consentir. Por isso nos assegura São Jerônimo que o demônio só necessita de nosso começo: dá-se por satisfeito se lhe abrimos a metade da porta, pois ele saberá conquistar a outra metade. Um olhar voluntário, lançado a uma pessoa de outro sexo, acende uma faísca infernal que precipita a alma na perdição.

“As primeiras setas que ferem as almas castas, diz São Bernardo (De mod. ben. viv., serm. 23), e não raro as matam, entram pelos olhos”

Por causa dos olhos caiu Davi, esse homem segundo o coração de Deus. Por causa dos olhos caiu Salomão, esse instrumento do Espírito Santo. Por causa dos olhos, quantas almas não se perderam eternamente?

Vigie, pois, cada um sobre seus olhos, se não quiser chorar uma vez com Jeremias: “Meus olhos me roubaram a vida” (Jer 3, 51); as afeições criminosas que penetraram em meu coração, por causa de meus olhares, lhe deram a morte. São Gregório diz (Mos. 1. 21, c. 2):

“Se não reprimires, os olhos, tornar-se-ão ganchos do inferno, que a força nos arrastarão e nos obrigarão, por assim dizer, a pecar contra a nossa vontade”

“Quem contempla objeto perigoso, ajunta o Santo, começa a querer o que antes não queria”

É também o que diz a Sagrada Escritura (Jdt 16, 11), quando assevera que a bela Judite escravizou a alma de Holofernes, apenas este a contemplou.

Sêneca diz que a cegueira é mui útil para a conservação da inocência. Seguindo esta máxima, um filósofo pagão arrancou-se os olhos para guardar a castidade, como nos refere Tertuliano. Isso, porém, não é licito a nós, cristãos; se queremos conservar a castidade, devemos, contudo, fazer-nos cegos por virtude, abstendo-nos de olhar para o que possa despertar em nós os maus pensamentos.

“Não contemples a beleza alheia; disso origina-se a concupiscência, que queima como o fogo” (Eclo 9, 8)

À vista seguem-se as representações pecaminosas, que acendem o fogo impuro.

São Francisco de Sales dizia:

“Quem não quiser que o inimigo penetre na fortaleza, deve conservar as portas fechadas”

Por essa razão foram os Santos tão cautos em seus olhares. Por temor de enxergarem inesperadamente qualquer objeto perigoso, conservavam os olhos quase sempre baixos, e se abstinham de olhar coisas inteiramente inocentes. São Bernardo, depois de um ano inteiro no noviciado, não sabia ainda se o teto de sua cela era plano ou abobadado. Na igreja do convento havia três janelas e ele não o sabia, porque, durante seu noviciado, conservara os olhos baixos. Evitavam os Santos, com cautela maior ainda, pôr os olhos em pessoas de outro sexo. São Hugo, Bispo, nunca olhava para o rosto das mulheres com quem linha de conversar. Santa Clara nunca olhava para a face de um homem. Aconteceu uma vez que, levantando os olhos para a hóstia sagrada, durante a elevação, deu com os olhos no rosto do sacerdote, com o que ficou profundamente aflita.

Julgue-se agora quão grande é a imprudência e temeridade dos que, não possuindo a virtude dum desses Santos, ousam passear suas vistas em todas as pessoas, não excetuando as de outro sexo, e querendo ainda ficar livres de tentações e do perigo de pecar. São Gregório diz (Dial. 1. 2, c. 2) que as tentações que levaram São Bento a revolver-se em espinhos provieram de um olhar imprudente sobre uma senhora. São Jerônimo, achando-se na gruta de Belém, onde continuamente orava e macerava seu corpo com as mais atrozes penitências, foi por longo tempo atormentado pela lembrança das damas que vira tempos antes em Roma. Como, pois, poderemos ficar preservados de tentações, quando nos expomos ao perigo, olhando e até filando complacentemente pessoas de outro sexo?

O que nos prejudica não é tanto o olhar casual como o premeditado, o mirar. Razão por que Santo Agostinho diz (Reg. ad serv. Dei, n. 6):

“Se vossos olhos casualmente caírem sobre uma pessoa, cuja vista vos pode ser prejudicial, guardai-vos, ao menos, de mirá-la”

E São Gregório diz:

“Não é lícito contemplar ou extasiar-se com a vista daquilo que não é lícito desejar, pois, ainda que expulsemos os maus pensamentos que costumam seguir o olhar voluntário, deixam sempre uma mancha na alma”

Tendo-se perguntado ao irmão Rogério, franciscano, dotado de uma pureza angélica, por que se mostrava tão reservado em seus olhares, quando tratava com mulheres, respondeu:

“Se o homem foge à ocasião, Deus o protege; se se expõe a ela, Nosso Senhor o abandona e facilmente cairá no pecado”

Suposto mesmo que a liberdade que se concede aos olhos não produzisse outros males, impediria sempre o recolhimento, da alma durante a oração; pois tudo o que vimos e nos impressionou, apresenta-se aos olhos de nossa alma e nos causa uma imensidade de distrações. Quem goza do recolhimento de espírito durante a oração, tome muito cuidado para não se ver privado dessa graça dando liberdade a seus olhos.

Está fora de dúvida que um cristão que vive sem recolhimento interior não pode praticar as virtudes cristãs da humildade, da paciência, da mortificação, como deveria. Guardemo-nos, por isso, de olhares curiosos, e só olhemos para os objetos que elevam para Deus o nosso espírito.

“Olhos baixos elevam o coração para o céu”, dizia São Bernardo

São Gregório Nazianzeno (Ep. ad Diocl.) escreve:

“Onde habita Cristo com Seu amor, reina aí a modéstia”

Com isso não quero, porém, dizer que nunca se deva levantar os olhos ou considerar coisa alguma; pelo contrário, é até bom, às vezes, olhar coisas que elevam nosso coração para Deus, como santas imagens, prados floridos, etc., já que a beleza dessa criatura nos atrai à contemplação do Criador.

Deve-se também notar que a modéstia dos olhos é necessária não só para nosso próprio bem, como para a edificação do próximo. Só Deus vê o nosso coração; os homens vêem apenas nossas obras externas e ou se edificam ou se escandalizam com elas. “Pelo rosto se conhece o homem”, diz a Escritura (Eclo 19, 26), isto é, pelo exterior se depreende o que é o homem interiormente. Todo o cristão, por isso, deve ser o que era São João Batista, conforme as palavras do Salvador (Jo 5, 35):

“Uma lâmpada que arde e alumia”

Interiormente deve arder em amor divino, exteriormente alumiar, pela modéstia, a todos os que o vêem. Também a nós se podem aplicar as palavras que São Paulo dirigiu a seus discípulos (1 Cor 4, 9):

“Somos o espetáculo dos anjos e dos homens”

“A vossa modéstia seja conhecida de todos os homens” (Fl 4, 5)

Pessoas devotas são observadas pelos anjos e pelos homens, e, por isso, sua modéstia deve ser notória a todos, do contrário, deverão dar rigorosas conta a Deus no dia de juízo. Observando a modéstia, edificamos sumamente os outros e os estimulamos à prática da virtude.

É célebre o que se conta de São Francisco de Assis: Uma vez deixou ele o convento com um companheiro, dizendo que ia pregar; tendo dado uma volta pela cidade, com os olhos baixos, entrou novamente no convento. Mas quando farás o sermão? perguntou-lhe o companheiro. Já o fiz, respondeu-lhe o Santo, consistiu todo no resguardo dos olhos, do que demos exemplo ao povo.

Santo Ambrósio diz que a modéstia das pessoas virtuosas é uma exortação mui poderosa ao coração dos mundanos.

“Quão belo não seria se bastasse te apresentares em público para fazeres bem aos outros” (In ps. 118, s. 10)

De São Bernardino de Sena se conta que, mesmo antes de entrar para o convento, bastava a sua só presença para pôr fim às conversas livres de seus companheiros; mal o avistavam, diziam uns aos outros: Silêncio, Bernardino vem vindo, e então calavam-se ou começavam a falar de outras coisas. Santo Efrém, segundo o testemunho de São Gregório de Nissa, era tão modesto que já a sua vista excitava à devoção e não se podia vê-lo sem se sentir levado a se tornar melhor! Mais admirável ainda é o que nos refere Suvio, do santo sacerdote e mártir Luciano. Só por sua modéstia moveu muitos pagãos a abraçarem a santa fé. O imperador Maximiano, que fora disso informado, temendo sentir a sua influência e obrigado a converter-se, citou-o à sua presença, mas não quis vê-lo e sujeitou-o ao interrogatório, ocultando-o a suas vistas uma cortina estendida entre os dois.

Nosso ideal mais perfeito, quanto à modéstia, foi, porém, o divino Salvador mesmo, pois, como nota um célebre autor, os evangelistas dizem, várias vezes, que o Redentor levantou os olhos em certas ocasiões, dando a entender, com isso, que tinha ordinariamente os olhos baixos. Por isso exalta o Apóstolo a modéstia de seu divino Mestre, escrevendo a seus discípulos:

“Rogo-vos pela mansidão e modéstia de Cristo” (2 Cor 10, 1)

Concluo com as palavras de São Basílio a seus monges:

“Se quisermos que nossa alma tenha suas vistas sempre postas no céu, filhos queridos, conservemos nossos olhos sempre voltados para a terra”

De manhã, ao despertar, devemos já pedir, com o profeta:

“Afastai meus olhos, Senhor, para que não vejam a vaidade” (Sl 118, 37)

V. Da Guarda do Coração

A modéstia dos olhos pouco nos servirá se não vigiarmos sobre o nosso coração.

“Aplica-te com todo o cuidado possível à guarda de teu coração, diz o Sábio (Pr 4, 27), porque é dele que procede a vida”

É aqui o lugar apropriado para se dizer algumas palavras sobre as amizades e, primeiramente, sobre as santas, depois sobre as puramente naturais e, enfim, sobre as perigosas.

1) Descrevendo São Paulo a corrupção moral dos gentios, enumerava entre seus vícios a falta de sentimentos e de susceptibilidade para a amizade. A amizade, segundo Santo Tomás, é mesmo uma virtude. A perfeição não proíbe se entretenham amizades, diz São Francisco de Sales; exige somente que sejam santas e edificantes, a saber, só devem ser mantidas aquelas uniões espirituais por meio das quais duas, três ou mais pessoas comunicam entre si seus exercícios de devoção, seus desejos piedosos e sentimentos nobres, tornando-se como que um só coração e uma só alma para a glória de Deus e o bem espiritual próprio ou alheio. Com toda a razão podem tais almas exclamar:

“Vede quão bom e suave é habitarem os irmãos em união” (Sl 132, 1)

São Francisco de Sales diz mais que, em tal caso, o suave bálsamo da piedade destila de coração em coração, por meio dessas mútuas comunicações, e bem se pode dizer que Deus lança Sua bênção sobre tais amizades por toda a eternidade (Filotéia, parte 3, c. 19).

Tais amizades são recomendadas pela Escritura mesma em termos eloquentes:

“Nada se pode comparar com um amigo fiel e o valor do ouro e da prata não iguala a bondade de sua fidelidade” (Eclo 6, 10)

“Um amigo fiel é um remédio para a vida e a imortalidade, e os que temem o Senhor encontram um tal” (Idem)

Mas como podeis aconselhar as amizades particulares, dirá alguém, quando elas são tão rigorosamente condenadas por todos os ascetas? Respondo: As amizades particulares são proibidas unicamente nos claustros e com toda a razão, pois é imperiosamente necessário que todos os religiosos se amem mutuamente com amor fraterno, para que haja uma vida comum clausural. Ora, num claustro, as amizades particulares podem facilmente ocasionar perturbações dessa mútua caridade, dando ocasião a invejas, suspeitas e outras misérias humanas. São Basílio não hesitou em dizer que as amizades particulares em um convento são uma sementeira perpétua de invejas, de suspeitas, de desconfianças e inimizades. O mesmo acontece nas famílias em que o pai ou a mãe tem mais carinhos para um filho que para os outros. Os filhos de Jacó odiavam a seu irmão José, porque seu pai lhe dedicava um amor especial.

Não há, além disso, nenhum motivo de se alimentar tais amizades num estado religioso, pois, num convento, onde reinam a disciplina e a ordem, todos os membros tendem ao mesmo fim, à perfeição, e não é necessário travar amizades particulares para animar-se mutuamente ao serviço de Deus e ao trabalho do aperfeiçoamento próprio.

Os que, vivendo no mundo, desejam dedicar-se à prática da virtude verdadeira e sólida, precisam, pelo contrário, de se unir aos outros por uma amizade santa e edificante, para poderem, por meio dela, se animar, se auxiliar e se estimular ao bem. Há no mundo poucas pessoas que tendem à perfeição e muitas que não possuem o espírito de Deus e, por isso, é preciso que os bons, quanto possível, evitem os que podem, impedir seu adiantamento espiritual e travam amizade com os que os podem auxiliar na prática do bem.

2) Quanto às amizades puramente naturais, deve-se dizer que elas têm seu fundamento na nossa natureza, que nos compele a amar a nossos pais, nossos benfeitores e todos aqueles em quem vemos belas qualidades e com quem simpatizamos. Esta espécie de amizade é o laço da família e da sociedade, mas facilmente degenera em amizades falsas; por exemplo, se os pais, por um carinho demasiado, toleram as faltas de seus filhos, ou se um amigo ofende a Deus para agradar a seu amigo, etc. Quanto à essas amizades, devemos notar que só são agradáveis a Deus, se as santificarmos por meio da boa intenção; por exemplo, amando a nossos pais e amigos por amor de Deus.

3) Por amizades perigosas entendem-se, em particular — as sensuais — isto é, aquelas que se baseiam sobre uma complacência sensual, sobre a fruição comum de prazeres sensuais, sobre certos dotes fúteis e vãos de espírito e coração. Essas amizades são já por si perigosas, mesmo que, no começo, nada tenham de inconveniente, e devemos guardar nosso coração desembaraçado, delas.

a) “Quem não evita relações perigosas, cai facilmente no abismo”, diz Santo Agostinho (Sermo 293). O triste exemplo de Salomão bastaria para nos encher de terror. Depois de ter sido amado tanto por Deus, servindo ao Espírito Santo de mão para escrever, travou relações com mulheres pagãs, já na sua velhice, e caiu tão profundamente que chegou a sacrificar aos deuses. Isso, porém, não nos deve estranhar, pois, será para admirar que alguém se queime, pergunta São Cipriano (De sing. cler.), permanecendo no meio das chamas?

Mas em nossas conversas, graças a Deus, não ocorre nada de mal, dirá alguém. Respondo: Todas as amizades que têm sua origem em afeições sensuais são, pelo menos, um grande impedimento à perfeição, mesmo que dessem ocasião a outras coisas. Elas, pelo menos, fazem-nos perder o espírito da oração e recolhimento interior; a alma que está presa por uma afeição natural achar-se-á corporalmente, talvez, na igreja, mas seu espírito estará se entretendo com o objeto de seu amor; perderá o amor aos Santíssimos Sacramentos, não será mais sincera para com seu confessor, temendo que ele a obrigue a romper com essa cadeia e, envergonhando-se de lhe descobrir sua afeição, não lhe dirá a causa de sua tibieza, e assim se agrava, de dia para dia, seu estado lastimoso. Ao ouvir que se fala mal da pessoa amada, se enfurece, defende-a calorosamente; descuida-se da obediência, pois, quando o confessor a exorta a renunciar a tal amizade, procura mil desculpas para não ter de obedecer.

Não é só grande a perda espiritual que se sofre com essas amizades, baseadas sobre certos dotes externos duma pessoa, principalmente se for doutro sexo; é também enorme o perigo que se corre de se perder eternamente. No começo, tais amizades parecem indiferentes, mas tornam-se pouco a pouco pecaminosas e, enfim, arrastam a alma ao pecado mortal.

“O homem e a mulher são como o fogo e a palha, diz São Jerônimo, e o demônio não cessa de soprar até irromper o incêndio” (Euseb. ad Dam., de morte Hier.)

Pessoas de diferente sexo abrasam-se por causa de grande familiaridade com a mesma facilidade como a palha atingida pelo fogo, e, em certo ponto, até com maior facilidade, porque o demônio emprega tudo quanto é apto para atiçar o fogo. Santa Teresa viu-se um dia transportada ao inferno, onde Deus lhe mostrou o lugar que lhe preparara, se não rompesse com um certo apego puramente natural a um seu parente.

b) Se sentires em teu coração, alma cristã, uma tal afeição para com alguém, não há outro remédio para te libertares dela que cortá-la resolutamente de uma vez para sempre, pois, se quiseres renunciá-la pouco a pouco, crê-me, nunca chegarás a desfazer-te dela. Essas cadeias são dificílimas de se romper e só o conseguirá quem as quebrar violentamente, duma só vez. E não venhas com a desculpa de que, até agora, nada ocorreu de inconveniente, pois deves saber que o demônio não começa com o pior, mas só pouco a pouco leva as almas imprudentes às bordas do precipício e, então, com um leve empurrão, precipita-as no abismo.

É uma máxima aceita por todos os mestres da vida espiritual de que, neste ponto, não há outro remédio que fugir e afastar-se da ocasião. São Filipe Néri costumava dizer que, nesse combate, só os  covardes saem vencedores, isto é, os que fogem da ocasião. Podemos resistir aos outros vícios ficando na ocasião, diz Santo Tomás (De mod. conf., c. 14), fazendo violência contra nós mesmos; só poderemos vencer, porém, o vicio contrário à pureza, fugindo da ocasião e renunciando às afeições perigosas.

Se sentires, porém, teu coração livre e desembaraçado de tais afeições, toma todo o cuidado possível para não te emaranhares em qualquer laço, como já se tem dado com outros em razão de sua negligência. Eis o conselho que te dá São Jerônimo (Ep. ad Eust.):

“Se, no trato com alguém, notares que alguma afeição desregrada se quer apoderar de teu coração, apressa-te em sufocá-la antes de se tornar um gigante. Enquanto o leão é ainda pequeno, pode ser facilmente trucidado; uma vez crescido, tornar-se-á mui difícil e humanamente impossível”

Coisa verdadeiramente lamentável e vergonhosa seria se permitisses que fizessem, em tua presença, gracejos indecentes. Não julgues que não pecas calando-te e simplesmente ouvindo tais gracejos; se não evitares o mais depressa possível a companhia de um homem tão insolente, já cooperaste com o pecado e te fizeste réu dele. Se receberes de alguém uma carta com palavras amorosas, rasga-a imediatamente ou lança-a no fogo e não lhe dês resposta. Se, por motivo grave, tiveres de responder, faze-o então em poucas e sérias palavras, e não dês a entender que notaste as tais palavras e muito menos que achaste nelas prazer.

c) Não repliques também que não há perigo, porque a pessoa de que se trata é piedosa. Santo Tomás de Aquino diz:

“Quanto mais santas são as pessoas pelas quais sentimos afeição particular, tanto mais devemos nos acautelar, porque o alto preço que fazemos de sua virtude mais nos excita ainda a amá-las” (De mod. conf. c. 14)

O Pe. Sertório Caputo, da Companhia de Jesus, diz:

“O demônio, a princípio, nos inspira o amor à virtude daquela pessoa, depois o amor à própria pessoa, e, finalmente, nos lança na perdição”

O doutor angélico faz notar que o demônio sabe perfeitamente esconder um tal perigo: no começo não dispara seta alguma que pareça envenenada, mas só tais que excitem a afeição, ocasionando leves ferimentos do coração; em seguida, quando o amor já está aceso, essas pessoas já se não tratam mais como anjos, mas como homens de carne e sangue: trocam repetidos olhares e palavras amorosas, desejam estar muitas vezes a sós, juntas e, por fim, a piedade espiritual degenera em amor carnal.

d) São Boaventura indica cinco sinais, dos quais se pode deduzir se a afeição que a alguém nos prende é pura ou não.

Primeiro, se se entretêm conversas inúteis; inúteis são todas as que levam muito tempo.

Segundo, se ocorrem olhares e louvores mútuos.

Terceiro, se se desculpam as faltas reciprocamente.

Quarto, se aparecem pequeninos ciúmes.

Quinto, se a separação de um causa certa inquietação.

Eu ajunto ainda: Se se sente grande prazer e gosto nas maneiras ou gentileza natural da pessoa amada, se se deseja que nossa afeição seja correspondida e se não gosta que outros observem, ouçam ou falem disso.

e) Mas, mesmo as pessoas que pretendem contrair matrimônio, estarão obrigadas a sufocar a inclinação ou simpatia recíproca, suposto mesmo que seja honesta? Me perguntará alguém. Se esses futuros esposos estiverem animados de tais sentimentos, que estejam prontos a empregar todos os cuidados para tornar remota a ocasião próxima do pecado e resolvidos a nunca ofender a Deus por causa de tal afeição, não precisarão romper com ela. A experiência, porém, ensina que os mais nobres sentimentos degeneram facilmente em paixão.

Por esses motivos os teólogos exigem muita cautela com essas pessoas. Sabendo quanto o coração humano é inclinado ao pecado e quão fraco quando dominado por uma paixão, só permitem tais relações entre os jovens quando estão em idade e tem vontade séria de se casar; além disso, que não sejam travadas sem consentimento dos pais, que não se prolonguem por muito tempo e só se namorem quando estiver próximo o casamento; também lhes interditam o trato a sós, longe das vistas dos pais, grande familiaridade e tudo o que possa manchar a pureza da alma, seja por pensamentos, olhares, palavras ou gestos.

Do filho de Tobias podemos aprender como os jovens devem se preparar para o casamento. Na cidade de Ragés, na Média, vivia uma piedosa donzela, de nome Sara, filha de Raguel. Estava profundamente aflita porque sete rapazes, que sucessivamente a tinham desposado, haviam sido sufocados pelo demônio da impureza, Asmodeu, na primeira noite depois das núpcias. Ora, o anjo Rafael, que acompanhara o jovem Tobias em sua viagem a Ragés, aconselhou-o a pedir Sara em casamento. Ele, porém, a par do ocorrido com os outros homens, temia expor-se ao mesmo perigo. O anjo, porém, tranquilizou-o, dizendo:

“Ouve-me… o demônio só tem poder sobre aqueles que abraçam o estado conjugal excluindo a Deus de seus pensamentos, para satisfazerem unicamente a sua concupiscência, como o cavalo e a mula, que não têm entendimento. Tu, porém, quando receberes a Sara, entra com ela no teu quarto por três dias e três noites, guardando continência, e não te entregues a outra coisa que a oração, e então a receberás em matrimônio no temor do Senhor, levado mais pelo desejo de filhos que pela concupiscência, para que sejas abençoado e teus filhos sirvam e glorifiquem a Deus; então nada terás a temer do demônio”

O jovem Tobias seguiu esse conselho, e seu casamento foi muito abençoado por Deus.

Notemos igualmente as quatro exortações dadas a Sara por seus pais, ao se despedirem dela: primeiro, honra a teu sogro; segundo, ama a teu marido; terceiro, cuida em governar bem tua casa; quarto, porta-te em tudo irrepreensivelmente. Estes avisos devem servir de norma a todos os jovens que pretendem contrair matrimônio.

f) O que dissemos até aqui se refere ao trato com pessoas de diferente sexo. O amor desregrado pode existir também entre pessoas do mesmo sexo, principalmente se são ainda moços e existe entre eles uma familiaridade por demais íntima. A este respeito São Basílio diz o seguinte (Sermo de abd. rev.):

“Vós, que sois ainda jovens, evitai, a familiaridade com vossos iguais, pois, por meio dessas amizades, o demônio já arrastou a muitos para o inferno”

“Alguns começaram com uma afeição, na aparência santa, continua ele, mas pouco a pouco precipitou-os o demônio num lodaçal de vícios dos mais abomináveis”

Santa Ângela de Foligno se exprime de modo semelhante (Arnald. Vil., c. 04):

“Ainda que seja o amor a fonte de todo o bem, não deixa de ser igualmente a fonte de todo o mal. Não falo do amor impuro, que deve ser evitado em todo o caso, mas da inclinação, em si inocente, que facilmente pode degenerar em amor desordenado. O trato ou comércio mui assíduo com outro, com protestos de afeição, tem por consequência tornar, nocivo o amor, visto que ele prende estreitamente um coração ao outro, obscurecendo a afeição crescente cada vez mais a razão. Em pouco tempo só quererá um o que quer outro, e então não terá mais coragem de resistir ao outro quando for convidado ao mal, e, assim, se perderão ambos”

Por isso, os que se dedicam à educação da mocidade estão gravemente obrigados a ter os olhos abertos nesse ponto, e não precisam ter escrúpulos, suspeitando mal com algum motivo. Se notarem qualquer apego ou familiaridade entre dois jovens, intervenham imediatamente e conservem-nos rigorosamente separados um do outro.

g) Aqui na terra cada um de nós anda por caminhos escabrosos e em trevas, e se, por cima, ainda um anjo mau nos persegue e impele à perdição, a saber, um mau companheiro, que é pior que o mesmo demônio, como poderemos escapar ilesos? Já Platão dizia:

“Tomarás os mesmos modos daqueles com quem convives”

Segundo São João Crisóstomo, para se certificar dos hábitos de alguém, basta saber com quem ele anda, já que os amigos ou são ou fazem-se semelhantes uns aos outros. E isso por duas causas: primeiro, porque um se esforça por imitar o outro, para lhe ser agradável; segundo, porque o homem, como nota Sêneca, é inclinado a fazer o que vê os outros fazerem. Dos israelitas lemos:

“Eles se mesclaram com os gentios e aprenderam suas obras” (SI 105, 35)

Devemos, portanto, não só fugir do comércio com os devassos, diz o Sábio, mas também nos conservarmos longe de seus caminhos:

“Meu filho, não andes com eles e não ponhas o teu pé em seus caminhos” (Pr 1, 15)

Devemos evitar todo o trato com eles, suas conversas, ou presentes, com os quais procuram nos enredar em suas malhas.

“Meu filho, se os pecadores te atraírem com seus afagos, não condescendas com eles” (Pr 1,10)

“Cairá uma ave talvez no laço armado na. terra sem o chamariz?” (Am 3, 5)

O demônio serve-se dos maus amigos como de chamarizes, segundo Jeremias, para prender as almas em suas redes de pecado.

“Meus inimigos, sem motivo, prenderam-me como se prende uma ave na caça” (Jr 3, 52)

Ele diz — sem motivo — porque, perguntando-se a um tal sedutor por que aliciou sua pobre vítima ao pecado, responderá: não havia motivo; eu só queria que ela fizesse como eu. É essa exatamente a astúcia do demônio, diz Santo Efrém:

“Capturada uma alma em sua rede, serve-se dela como de uma armadilha ou negaça para prender a outra” (De rect. viv. rat., c. 22)

Fujamos, pois, a toda a familiaridade com tais escorpiões infernais como se foge da peste. Digo. Fujamos à familiaridade, isto é, não travemos amizade com homens viciosos, evitando tomar parte em sua mesa ou banquetes ou entretendo relações mais íntimas com eles. É impossível evitar todo o comércio com eles, pois então deveríamos sair deste mundo, segundo o Apóstolo (1 Cor 5, 10). Contudo, é bem possível evitar um trato mais familiar, seguindo o conselho do mesmo Apóstolo:

“Eu vos escrevi que não tenhais comunicação com eles… com um tal não deveis nem sequer comer”

Disse ainda: Fujamos de tais escorpiões, pois o profeta Ezequiel designa assim os sedutores:

“Pervertedores estão contigo e habitas com escorpiões” (Ez 2, 6)

Não ousarias, alma cristã, habitar com escorpiões, e certamente te afastarias com toda a pressa de sua proximidade. Pois assim deves evitar os amigos que dão escândalo e envenenam tua alma com maus exemplos e conversas perversas. Quanto mais estreitamente estão ligados a nós, tanto mais perniciosos se tornam.

“Os inimigos do homem são os seus domésticos” (Mt 10, 36)

Na Sagrada Escritura se diz:

“Quem se compadecerá de um encantador mordido pela serpente e de todos os que se aproximam de animais ferozes? Assim também quem se compadecerá daquele que se torna companheiro de um homem iníquo?” (Eclo 12, 13)

Se um tal homem, por motivo do perigo a que se expõe, cai em pecado e se precipita na condenação eterna, ninguém, nem Deus, nem os homens, terá compaixão dele, pois já foi advertido do perigo.

VI. Da Virgindade

São Cipriano (De disc. et hab. virg.) denomina “a mais nobre porção da Igreja de Cristo” a multidão de virgens que se consagram ao amor de seu divino Esposo. Vários outros Santos Padres, como Santo Efrém, Santo Ambrósio, Santo Agostinho, São Jerônimo, São Crisóstomo escreveram livros inteiros em louvor da virgindade.

Não é minha intenção expor aqui todos os méritos e vantagens que adquirem as pessoas que consagraram a Deus sua virgindade. Aqui farei, simplesmente, seguir uma pequena instrução para os que levam uma vida virginal sem terem emitido o voto de castidade.

As almas virgens são extraordinariamente belas aos olhos de Deus:

“Serão como os anjos de Deus no céu” (Mt 22, 30)

Barônio conta que na morte de uma virgem, chamada Geórgia, uma multidão de pombos adejavam em redor da casa e, quando seu cadáver foi transportado à igreja, pousaram no teto, exatamente em cima do lugar em que se achava o ataúde, e daí não se retiraram até ser enterrada a piedosa virgem (An. 480). Essas pombas certamente eram anjos, que queriam prestar as últimas honras àquele corpo virginal.

As almas virginais, que renunciaram ao casamento para se dedicarem exclusivamente ao amor de Jesus Cristo, tornam-se esposas do Filho de Deus. Nos Santos Evangelhos Jesus Cristo é chamado Pai, Mestre, Pastor das almas; referindo-se às virgens, porém, dá-lhe o nome de Esposo:

“Elas saíram a receber o esposo e a esposa” (Mt 25, 1)

Por isso tinha razão Santa Inês, respondendo, segundo Santo Ambrósio, aos que lhe ofereciam a mão do filho do prefeito de Roma:

“Ofereceis-me um esposo? Já encontrei um muito melhor” (De virg., 1. 1)

Semelhante resposta deu Santa Domitila, sobrinha do imperador Domiciano, aos que queriam persuadi-la a casar-se com Aureliano:

“Dizei-me, a quem deveria escolher por esposo uma jovem que se visse requestada por um monarca e por um camponês? Para casar-me com Aureliano, tenho de renunciar ao rei do céu. Ora, isso seria uma loucura inominável, que nunca praticarei”

E, firme nessa resolução, deixou-se queimar viva, para poder permanecer fiel a Jesus Cristo, a quem consagrara sua virgindade, pois foi a esse tormento que a condenara seu bárbaro amante.

Quem poderá imaginar a glória que Deus reserva a suas castas esposas lá no céu? Os teólogos são de opinião que no céu existe uma glória especial reservada às virgens, uma coroa ou alegria particular, de que estão privados os outros Santos.

Mas, dir-me-á uma ou outra jovem: Ora, casando-me, também poderei santificar-me. Não receberás a resposta de minha boca, mas da de São Paulo, que te dirá também a diferença que existe entre as virgens e as casadas:

“A mulher virgem pensa nas coisas que são do Senhor, para que seja santa no corpo e no espirito. Mas a que é casada, pensa nas coisas que são do mundo, como agradar ao marido. Em verdade, digo isso para vosso proveito… para vos exortar ao que convém e vos facilita a orar ao Senhor sem embaraço” (1 Cor 7, 34)

Deve-se, pois, notar que as casadas, sem dúvida alguma, podem ser santas segundo o espírito, ao passo que as virgens, que amam a Deus, o são de corpo e espírito. Tome-se também em consideração estas palavras:

“O que facilita servir a Deus sem impedimento”

Quantos impedimentos não encontram as casadas na sua tendência à santidade; e esses obstáculos são tanto maiores, quanto mais elevada a sua condição.

Para nos fazermos santos temos de empregar os meios e, antes de tudo, nos consagrar à oração mental, receber a miúdo os Santíssimos Sacramentos e pensar sem interrupção em Deus. Ora, quando uma senhora casada achará tempo para cuidar naquilo que é do Senhor? Ela se ocupará com as coisas deste mundo, diz São Paulo, cuidará em agradar a seu marido, olhará para as necessidades de sua família, para o seu sustento e vestes, vigiará a educação de seus filhos, atenderá aos parentes e amigos, pensará continuamente nos seus afazeres; seu coração ficará assim dividido entre seus filhos, seu marido e Deus. Como encontrar tempo para se entregar a longas orações mentais, para receber muitas vezes a comunhão, se nem lhe resta tempo para cuidar de todas as obrigações de sua casa e estado? O marido quer ser atendido, os filhos gritam e choram, querendo mil coisas diversas. Como meditar entre tantos cuidados e perturbações? Muitas mães de família nem mesmo aos domingos podem ir à igreja. É verdade, ela pode conservar a sua boa vontade, mas sempre lhe será custoso cuidar, como convém, do que é do Senhor. Não há dúvida também que pode adquirir muitos merecimentos em razão de tais provações, entregando-se à vontade de Deus que, em tais condições, nada mais quer que um sacrifício perene de resignação e paciência; mas, no meio de tantas distrações e tribulações, é quase impossível, é mesmo heroísmo, praticar a virtude da paciência e conformidade sem o exercício da oração e a recepção dos Sacramentos… Mas, prouvera a Deus que as senhoras casadas nada mais tivessem a deplorar que a falta de tempo necessário para seus exercícios de piedade.

A má conduta do marido, os desgostos causados pelos filhos, os negócios da casa, as molestas atenções que se devem à sogra e aos cunhados, as suspeitas, as inquietações de consciência quanto à vida conjugal e educação dos filhos, tudo isso origina um mar de tribulações, no qual passam sua vida entre suspiros e lágrimas. E felizes se conseguirem salvar sua alma e alcançarem de Deus a graça de não deixarem o inferno desta vida para se precipitarem no inferno eterno. Esta é a bela sorte das jovens que se consagram ao mundo.

Mas, entre tantas mulheres casadas, não haverá uma só que se santifique? Sim, existem também santas casadas. Porém, quais são estas? As que se santificam pelo martírio, que sofrem tudo por amor de Deus, com uma paciência que nada abala. Mas quantas se elevarão a tal perfeição? Ah! Mui poucas. E se encontrares uma tal, verás que deplora amargamente ter escolhido o partido do mundo, tendo podido, com tanta facilidade, consagrar-se a Jesus Cristo.

Verdadeiramente felizes são aquelas virgens que se consagram por inteiro e exclusivamente a seu divino Salvador. Essas estão livres dos perigos em que se acham as casadas. Seu coração está desembaraçado do apego aos filhos e maridos, aos bens transitórios, ao luxo vão ou a outras coisas do mundo.

E quando as mulheres casadas se vêem obrigadas a empregar , muitos cuidados e grandes somas com seu traje para aparecer ao mundo à altura de sua posição e agradar a seus maridos, a virgem que se consagrou a Jesus Cristo se contenta com um vestido simples e desataviado, pois, do contrário, daria escândalo, vestindo-se com esquisitice. Todos os seus pensamentos e cuidados tendem a agradar a Jesus, a quem dedicou seu corpo, sua alma, seu amor todo. Assim, possui ela mais liberdade de espírito para pensar em Deus e mais tempo para se entregar à oração e receber os Sacramentos.

Se não te sentes chamada, alma cristã, ao estado conjugal, nem ao religioso, mas desejas fazer-te santa no mundo, como verdadeira esposa de Jesus Cristo, toma a peito os seguintes conselhos: Para a santificação não é bastante conservar uma virgem ilibada a sua pureza e trazer o nome de esposa de Jesus Cristo; é preciso também praticar as virtudes de uma esposa de Jesus. No Evangelho é o reino dos céus comparado a umas virgens. Mas que virgens? Às virgens prudentes e não às loucas. Aquelas foram introduzidas na sala das núpcias; a estas foi a porta fechada e ouviram do esposo: Não deixeis de ser virgens, mas eu não vos conheço como esposas minhas.

“As verdadeiras esposas de Jesus seguem a seu esposo para onde quer que ele vá” (Ap 14, 4)

Que quer dizer seguir o esposo? Santo Agostinho explica que é prender-se a Ele de corpo e alma (De s. virg. c. 7). Depois de Lhe haveres sacrificado teu corpo, deves ainda consagrar-Lhe todo o teu coração, de tal forma que só te ocupes em amá-lO. Para isso deves empregar os meios necessários para pertenceres exclusivamente a Ele.

O primeiro é a oração mental, a que te deves dedicar com todo o zelo.

Não julgues que, para isso, é necessário se recolher a um convento ou passar todo o dia na igreja. Não há dúvida que em uma casa de família há barulho e perturbações de pessoas que entram e saem; mas quem tem boa vontade encontra sempre jeito e tempo para fazer suas orações, por exemplo, de manhã, antes de se levantarem as pessoas da casa; de noite, depois de se haverem recolhido. Também não se requer que se esteja sempre de joelhos; podem-se recitar as orações durante o trabalho ou no caminho; basta elevar o espírito a Deus, pensar na paixão de Cristo ou meditar sobre qualquer outro assunto devoto.

O segundo meio é a recepção assídua dos Santíssimos Sacramentos da Penitência e Eucaristia.

Quanto à confissão, deve-se escolher um diretor de consciência e seguir as suas determinações, do contrário, nunca se caminhará com segurança. Quanto à comunhão, não é muita coisa se for recebida só por obediência; não, deve-se ter desejo dela e pedi-la. Esse divino pão quer ser desejado e que se tenha fome dele. A comunhão é que faz que as esposas de Jesus permaneçam fiéis a seu divino Esposo, já que a Ele devem em especial a conservação de sua pureza. Este divino sacramento conserva na alma toda a espécie de virtudes, sendo, porém, seu efeito principal conservar ilibado o lírio da virgindade, dando-lhe, por isso, o profeta o nome de “frumento dos escolhidos e vinho gerador de virgens” (Zc 9, 17).

O terceiro meio é o recolhimento e a vigilância.

O divino Esposo compara sua esposa com um lírio entre os espinhos (Ct 2, 2). Uma donzela que quer viver na sociedade, entre divertimentos e distrações mundanas, não poderá permanecer fiel a Jesus Cristo; deve, pelo contrário, estar sempre circundada dos espinhos da abstinência e mortificações, guardar, em especial no trato com os homens, a maior reserva, e rigorosa modéstia dos olhos, e palavras e, mesmo, se necessário, mostrar-se austera e descortês.

Os espinhos são que protegem os lírios, isto é, as virgens; sem eles perdesse-lo em pouco tempo. O Senhor compara a beleza de sua esposa com a da pomba (Ct 1, 9). Por quê? Porque a pomba, por instinto natural, evita a companhia de outros pássaros. Assim, uma virgem é bela aos olhos de Jesus, se leva uma vida retirada e se esconde, quanto possível, aos olhos do mundo. São Jerônimo diz que o esposo das almas é cioso (Ep. ad Eust.). Desgosta-se muito, por isso, de uma virgem que, depois de se haver consagrado a Seu amor, gosta de mostrar-se e procura agradar aos homens.

Pessoas verdadeiramente virtuosas preferem desfigurar-se a si mesmas,a tornar-se objeto de amor criminoso. Se, por desgraça, acontecer tornar-se uma virgem vítima de uma violência qualquer, sem culpa sua, não deve inquietar-se com isso, já que sua pureza não fica alterada. Foi o que Santa Lúcia deu a entender ao tirano que a ameaçava de entregá-la ao lupanar:

“Se eu for desonrada contra minha vontade, receberei uma coroa dupla”

Com razão se diz:

Não o sentimento, mas o consentimento fere a alma

Além disso, podemos ficar convencidos que uma virgem modesta e reservada saberá também fazer-se respeitar.

O quarto meio é a mortificação dos sentidos.

Uma virgem que quer conservar-se pura, diz São Basílio, deve ser casta na língua, falando sempre com decoro e, se for necessário tratar com homens, só dizer o indispensável; casta nos ouvidos, evitando ouvir conversas mundanas; casta nos olhos, conservando-os fechados ou, ao menos, baixos na companhia de homens; casta no tato, usando do máximo cuidado quanto aos outros e quanto a si própria; casta principalmente no espírito, esforçando-se por resistir aos maus pensamentos, recorrendo a Jesus e Maria.

Para conseguir isso é preciso que ela mortifique seu corpo com jejuns e outras penitencias; mas só com a permissão de seu confessor deve praticar essas mortificações corporais para que não se lhe tornem perniciosas em vez de úteis, excitando-lhe o orgulho. Jesus Cristo é um “esposo de sangue” (Ex 4, 26), que desposou nossa alma na ara da cruz, e, por amor dela, derramou até a última gota de sangue. Por esse motivo, suas esposas suportam angústias, doenças, dores, maus tratos e injúrias, não só com paciência, mas até com alegria. Assim deve-se entender o texto da Escritura, que diz:

“As virgens seguem o Cordeiro para onde quer que ele vá” (Ap 14, 4)

Elas seguem jubilosas e cantando a Jesus, seu divino Esposo, mesmo no meio dos opróbrios e penas, a exemplo de milhares de virgens que foram ao encontro da morte e das torturas, cheias de alegria.

Finalmente, deves recomendar-te instantemente a Maria, a Rainha das virgens, se quiseres perseverar no teu propósito de virgindade perpétua. Ela é que prepara e conclui a união das almas com seu divino Filho; ela que alcança para essas almas escolhidas a graça da perseverança, pois, sem a sua assistência, todas tornar-se-iam infiéis.

Vós, que ledes estas linhas — dirijo-me àquelas que se sentem chamadas pelo divino Esposo a renunciar ao Matrimônio — vós, que quereis pertencer a Jesus Cristo, não vos obrigueis desde logo por um voto, nem façais, logo no começo, o voto de castidade perpétua; fazei esse voto quando Deus vo-lo inspirar e o confessor vo-lo permitir. Aconselho-vos, porém, que agradeçais, por simples ato, que não impõe nenhuma obrigação, a Jesus Cristo vos ter chamado a Seu especial amor e vos ofereçais ao Senhor como uma coisa que lhe é consagrada e própria para todo o sempre. E, por isso, dizei-Lhe assim:

Ó meu Jesus, meu Deus e Salvador, que por mim morrestes, perdoai-me se também eu ouso chamar-Vos meu esposo. Ouso porque vejo que Vos agrada chamar-me a essa honra. Essa graça é tão grande, que não vo-la posso agradecer suficientemente. Eu merecia estar agora ardendo no inferno, porém, em vez de me castigar, escolheis-me para esposa Vossa. Pois bem, meu divino Salvador, eu renuncio ao mundo, eu renuncio a tudo por amor de Vós e a Vós me entrego inteira e irrevogavelmente. De hoje em diante sereis meu único bem, meu único amor. Vejo que quereis possuir meu coração inteiro: ei-lo, entrego-o sem restrição. Aceitai meu sacrifício e não me repulseis como eu merecia. Esquecei-Vos de todas as ofensas que Vos tenho feito até hoje: detesto-as de todo o coração. Ah! Tivesse eu morrido antes de Vos haver ofendido! Perdoai-me em Vosso amor e concedei-me a graça de Vos permanecer fiel e nunca mais Vos abandonar. Vós, ó meu esposo, Vos entregastes todo a mim; eis-me aqui, eu também quero dar-me todo a Vós. Ó Maria, minha Rainha e minha Mãe, prendei meu coração ao coração de Jesus Cristo, ligai-me tão fortemente a Ele, que nunca mais possa desprender-me de vosso divino Filho

VII. A Pureza do Redentor

Por Pe. Oscar das Chagas C.SS.R.

Com humildade e amor contemplemos agora, por um instante, o ideal de toda a pureza e de toda a santidade: nosso Senhor Jesus Cristo.

Como podemos, ó Jesus, com os nossos lábios manchados, falar da vossa pureza infinita? E como, miseráveis criaturas que somos, ousamos erguer os nossos olhos para o Deus de toda a santidade? Mas os hebreus sentiram alívio em Suas chagas, olhando para a serpente de bronze; assim, contemplando-Vos e aproximando-nos de Vós, poderemos purificar as nossas almas de tantas manchas que as cobrem.

Jesus é a pureza essencial. Suspeitar, imaginar nEle a menor mancha, a sombra de mácula, seria uma blasfêmia. Em Sua santa humanidade reinava a paz mais perfeita na ordem mais absoluta. Plenamente submissa à divina sabedoria que a aclarava e dirigia, a razão exercia, sem a menor resistência, o Seu domínio sobre a carne e as potências inferiores. E na mais perfeita harmonia, todos os movimentos do Seu coração respondiam ao impulso do Espírito Santo como o instrumento mais dócil na mão do artista que dele tira os mais melodiosos sons.

Mas a pureza não é só a ausência de toda mancha e de toda sombra, é o brilho da virtude e da graça e como que a irradiação de Deus sobre a alma que lhe está unida. Só Deus pode exaltar dignamente a pureza de seu dileto Filho, que é o esplendor da Sua glória e a figura da Sua substância. E se a beleza duma alma unida a Deus é tão grande que bastaria, no dizer dos Santos, para arrebatar-nos eternamente, como poderíamos expressar a beleza, da alma de Jesus Cristo substancialmente unida ao Deus de toda a santidade, que derrama nela, com a plenitude da graça, o esplendor supremo de todas as virtudes?

Jesus Cristo é a pureza essencial: sente, pois, o mais vivo horror de todos os pecados, sobretudo da sujidade do vício vergonhoso. O Seu coração é sempre cheio de compaixão para o pobre pecador, mas é no meio das almas puras que encontra as suas delícias: Qui pascitur inter lilia. O Seu precursor é virgem e purificado de toda falta já antes do seu nascimento; a sua Mãe é a Virgem das virgens, preservada por um privilégio único até da sombra do pecado; o Seu pai nutrício é virgem; e no céu o Seu cortejo privilegiado é composto de virgens. É às almas puras que Ele se comunica e revela toda a Sua beleza: Beati mundo corde: para elas toda a Sua predileção e todos os Seus favores. E como o lírio, que difunde o seu suave perfume, Jesus derrama, sobre as almas que gozam a Sua intimidade, o perfume e o gosto da pureza. Em nosso pobre coração levamos um foco de concupiscência que acende em nós os ardores impuros; o Coração de Jesus, ao contrário, como um foco de inocência e pureza, cuja suave irradiação tempera os ardores maus e, purificando as almas, as ilumina com os esplendores da caridade.

Embora deixasse que O acusassem de comilão e beberrão, não permitiu tivessem a menor suspeita a respeito da Sua pureza infinita. E quando em Seus discursos invetiva com força contra o orgulho, a cobiça, o ódio e outras paixões más, parecem temer manchar os Seus lábios e pronúncia poucas palavras contra o vício, do qual dirá mais tarde o apóstolo que não se deve nem proferir-lhe o nome entre os cristãos.

Também neste particular o Salvador será o nosso modelo e nos dará os mais belos exemplos de reserva e de modéstia. Os apóstolos observaram um dia, com espanto, que Ele se entretinha com uma mulher: prova manifesta de que o não fazia de ordinário. Outra vez o Evangelho salienta o fato de que o Salvador ergueu os olhos para o jovem que O interrogava, donde se pode concluir que Ele conservava habitualmente baixo os olhos. Quando os fariseus Lhe levam a mulher adúltera, querendo lapidá-la, Jesus, que, censurando a falta, queria salvar a culpada, contenta-Se com responder-lhes:

“Quem de vós estiver sem pecado lance a primeira pedra”

Todos se retiraram, uns após os outros; Jesus, achando-se só com ela, diz-lhe uma palavra de misericórdia e, animando-a a fugir do mal no futuro, despediu-a imediatamente. Depois deSua ressurreição, enfim, apareceu a Madalena; precipitando-Se, esta quer Lhe beijar os pés. Mas Jesus a detém, dizendo-lhe: Noli me tangere, nondum enim ascendi ad Patrem meum. Ah, se imitássemos sempre a reserva do nosso divino Mestre, quantas faltas seriam evitadas e quantos perigos, suprimidos!

Jesus se vê, entretanto, coberto desses pecados dos quais sente tamanho horror; em Sua infinita bondade carrega-se deles. Quer arrancar-nos aos golpes da divina justiça, oferecendo a seu Pai as reparações que Lhe são devidas. O Pai celeste aceita essa substituição e, diz a Escritura, coloca todas as nossas iniquidades sobre os ombros de seu Filho: Posuit Dominus in eo iniquitatem omnium nostrum.

Que objeto de confusão para Jesus! Deixou-nos entrever alguma coisa em Sua dolorosa agonia. No jardim de Getsêmani, sob o peso da vergonha, cai por terra, não ousando, por assim dizer, levantar os olhos para seu Pai. E com que fervor, com que generosidade expia em Sua carne tão pura os pecados que temos cometido! Mas se Jesus, a inocência essencial, padece tão cruelmente por nossas faltas, como é que nós, culpados, temos tão pouco a peito purificar-nos delas e afastar das nossas cabeças os golpes da cólera divina?

VIII. A Prática da Castidade ou da Santa Pureza

Por Pe. Oscar das Chagas C.SS.R.

Recordando-se que toda tibieza e especialmente toda negligência voluntária, contrária à perfeita modéstia, pode conduzir às mais lamentáveis catástrofes, a alma de boa vontade, implorando com fervor o auxílio divino, examinar-se-á seriamente e indagarão lealmente quais são as suas disposições a respeito da pureza de coração.

Procura ela sincera e eficazmente a pureza perfeita resolvida a nada negligenciar para evitar as menores falta e a não permitir nela nem a menor mancha? Ou tem ela consentido em qualquer pacto mais ou menos explícito com tal pecado, do qual não se tem procurado libertar?

Especialmente quanto à castidade, procura a extinção da concupiscência por uma vida dura e mortificada? Ou luta com moleza por um resto de apego ao mal e por quaisquer desordens dos sentidos, do coração ou da imaginação, mais ou menos voluntárias, senão diretamente ao menos in causa? Não provoca ou favorece os assaltos dos espíritos impuros por um gênero de vida demasiado fácil, por demasiada liberdade nas relações, nas leituras, nas conversações, nos olhares, nas afeições, etc.?

Faz penitências em seus desfalecimentos? Ou procura adormecer numa falsa segurança? Ou estagnar-se sem receios numa tibieza mais ou menos grosseira?…

O religioso, depositando toda a sua confiança em Deus e resolvido a não recusar-Lhe nem esforços nem sacrifícios, pôr-se-á generosamente em atividade e procurará com energia a pureza perfeita.

Na oração a alma se penetrará de convicções fortes sobre a excelência da pureza, considerará a estima por essa virtude, o prestígio que ela dá ao cristão, as graças que atrai sobre os trabalhos do apostolado na ação católica.

Contemplará também com tristeza a devastação horrível do vício que, rebaixando a alma, aniquila os seus trabalhos no apostolado. Estudará diante de Deus os perigos que ameaçam a santa virtude, e as sábias precauções a tomar para salvaguardá-la e pô-la ao abrigo dos golpes desses temíveis inimigos. Multiplicará os atos que purificam a alma e a unem a Deus, isto é, especialmente os atos de contrição e caridade. Sobretudo instará junto de Deus, pedindo perdão das faltas passadas, as luzes e a força necessária para travar generosamente e sem desfalecimentos o bom combate. Decidir-se-á, enfim, cada dia, a lutar sem consideração, sem paz nem tréguas e sem nenhum compromisso com o inimigo. Comprazer-se-á em renovar de todo o coração os compromissos que tomou diante do Senhor.

Invocação

Jesus, quereis que eu Vos ame e seja Vosso apóstolo; mas, para unir-me intimamente a Vós e para ser um apóstolo segundo o Vosso coração, deveria ter a pureza dos anjos. Que posso eu sem Vós? Sou um composto de lama e de pecado. Ajudai-me, pois, com a Vossa graça; ajudai-me a amar-Vos, a amar as almas e a praticar para Vós e para as almas a pureza perfeita

Ato de amor

Sim, meu Deus amo-Vos de todo o meu coração e sobre todas as coisas, é por amor de Vós consagro-me e devoto-me à obra da Redenção

Amor da pureza

Por amor de Vós também, e para ser Vosso apóstolo fiel e por Vós abençoado, quero em mim a pureza perfeita

Voto

Renovo o meu voto de castidade; renuncio a todos os prazeres contrários à pureza perfeita. Só em Vós quero procurar a alegria e o repouso do meu coração; renuncio a toda afeição que não seja para Vós e do Vosso agrado; para Vos ser fiel e permanecer puro, quero: evitar com diligência todas as ocasiões perigosas; por uma prece contínua atrair sobre a minha alma o socorro da Vossa graça; por uma mortificação generosa domar o meu coração, a minha imaginação e os meus sentidos para que tudo em mim seja, numa pureza perfeita, submisso à lei do Vosso amor. Maria, minha Mãe, valei-me, purificai-me, santificai-me

Durante o dia, recolhida na presença de Deus, renovará de tempo em tempo esses atos com súplicas ardentes a Jesus e Maria. Por frequentes comunhões espirituais ela se unirá sempre mais a Jesus, suplicando-Lhe extinga nela todo o ardor pecaminoso e Lhe comunique a sua pureza perfeita.

Severa para si mesma, esforçar-se-á pela vigilância rigorosa do coração, da imaginação, dos sentidos e sobretudo pela perfeita modéstia dos olhos, não só para evitar toda falta voluntária, mas também para prevenir ou reprimir imediatamente toda impressão má, por leve e involuntária que seja.

Mas fixará sobretudo a sua atenção e os seus esforços sobre os pontos fracos descobertos no exame. Se o perigo lhe vem mormente do coração e das afeições, reprimirá suas tendências para as criaturas, importar-se-á a renúncia e a separação, e multiplicará os atos de devotamento a Jesus Cristo, protestando não querer senão a Ele.

Se é o descuido, a vida cômoda, o amor das comodidades, a curiosidade, procurará combater o mal em seus diferentes aspectos, não hesitando em chegar o ferro e o fogo a todas essas chagas.

Em todos os seus trabalhos terá cuidado de purificar sempre as suas intenções, procurando somente a Deus em todas as coisas.

Por uma penitência generosa e impregnada de confiança e amor, enfim, purificar-se-á sempre mais das faltas passadas e dos desfalecimentos que cada dia escapam à fragilidade humana.

IX. Orações para alcançar a Virtude do Mês

Eis, por fim, algumas orações de Santo Afonso para crescermos na Pobreza de Espírito e no Desapego.

Oração para obter a Pureza do Coração

Ó Redentor do mundo, única esperança minha, pelos méritos da Vossa Paixão, livrai-me de todo o afeto impuro e de tudo quanto possa pôr obstáculo ao amor que Vos devo. Dai-me a graça de viver inteiramente despido dos desejos mundanos, e aspirar unicamente a possuir-Vos, bem supremo, único digno de ser amado. Pelas Vossas chagas sagradas, curai as enfermidades da minha alma, e dai-me a força de ter separado do meu coração todo o sentimento estranho ao Vosso amor; a Vós são devidos todos os meus afetos. Jesus, meu amor, Sois Vós a minha esperança. Ó doces palavras! Ó doce consolação! Jesus, meu amor, Vós Sois a minha esperança.

Oração para impetrar a Pureza do Corpo

Adorável Salvador meu, para expiar as nossas ofensas e especialmente os pecados, impuros, quisestes que a Vossa carne virginal fosse horrorosamente dilacerada. Ah! Meu divino Senhor flagelado por mim, agradeço-Vos tanto amor, e deploro haver contribuído para os Vossos sofrimentos com os meus pecados. Detesto, ó meu Jesus, todos esses criminosos prazeres que Vos foram causa de tantas dores. Ai! Há quantos, anos devia eu estar ardendo no inferno! Mas por que, Senhor, me haveis esperado até hoje com tanta paciência? Tanto tempo me tendes suportado, para que um dia, vencido por todos esses testemunhos da Vossa ternura, e deixando o pecado, tomasse a decisão de Vos amar. Amadíssimo Redentor meu, não quero mais resistir ao Vosso amor: resolvido estou a amar-Vos no futuro quanto em mim couber. Mas conheceis a minha fraqueza, Senhor, sabeis quantas vezes Vos fui infiel! Vinde, pois, e com as Vossas próprias mãos extingui os apetites terrenos, que me impedem de ser todo Vosso; recordai-me muitas vezes o amor em que ardeis por mim e a obrigação que tenho de Vos amar; ponho em Vós todas as minhas esperanças, ó meu Deus, meu amor, meu tudo!

Oração a Maria

Ó Maria, columba puríssima, quantas almas ardem no inferno por causa da impureza! Fazei, minha Soberana, que, nas tentações, tenha eu sempre o cuidado de recorrer a vós e invocar-vos, dizendo: “Maria, Maria, socorrei-me”

Oração do Pe. Zucchi

Ofereço-me todo a vós, ó minha Mãe e Soberana minha; e para vos dar prova de que me tendes à vossa devoção, consagro-vos hoje os meus olhos, os meus ouvidos, a minha boca, o meu coração, enfim todo o meu ser. Pois vos pertenço, ó boa Mãe, guardai-me, defendei-me como bem e propriedade vossa.

Aspiração a Maria nas Tentações

Ó minha Soberana, ó minha Mãe, lembrai-vos de que vos pertenço. Guardai-me, defendei-me como possessão e propriedade vossa.

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(OMER C.SS.R., Padre Saint. Escola da Perfeição Cristã para Seculares e Religiosos: Obra compilada dos escritos de Santo Afonso Maria de Ligório, Doutor da Igreja. Editora Vozes, 1955, p. 186-204)

(AZEVEDO C.SS.R., Padre Oscar das Chagas. As Doze Virtudes para cada Mês do Ano. Editora Vozes, p. 102-118)

(OMER C.SS.R., Padre Saint. As Mais Belas Orações de Santo Afonso: Edição atualizada e acrescida de novos exercícios e orações. Editora Vozes, 1961, p. 303-305)