Skip to content Skip to footer

Do segundo fruto da segunda palavra

Capítulo VI. Do segundo fruto da segunda palavra
É outro fruto da mesma segunda palavra a o conhecimento do poder da graça de Deus, e da fraqueza da vontade humana, do qual poderemos aprender que nada há tão proveitoso como ter muita confiança no auxílio de Deus e desconfiar muito das próprias forças.

Deseja saber qual é o poder da Sua divina graça? Põe os olhos no bom ladrão. Tinha ele sido um notável pecador, e neste malíssimo estado tinha permanecido até o suplício da Cruz, isto é, pouco menos do que até a morte; e, no perigo iminente de condenação eterna, não havia ao menos uma pessoa que o aconselhasse, ou o socorresse; pois, apesar de estar tão próximo do Salvador, contudo estava ouvindo os Pontífices e os Fariseus que afirmavam que Ele era um revolucionário, e um ambicioso, que pretendia assenhorear-se de um reino, que não era Seu; estava ouvindo ao outro ladrão, seu companheiro, os mesmos impropérios que ele dirigia a Cristo, não havia ninguém, que a favor de Cristo dissesse nenhuma palavra, e nem Ele mesmo refutava aquelas blasfêmias e injúrias, e, não obstante isto, quando aquele ladrão parecia de todo abandonado para a sua salvação, muito próximo das penas eternas, e o mais distante, que era possível, da eterna bem-aventurança, instantaneamente iluminado e convertido pela divina graça, confessa que Cristo é inocente, é Rei da vida futura, e, como pregador repreende o seu companheiro, exorta-o a penitência, e diante de todos se encomenda devota e humildemente a Cristo. Finalmente opera-se nele tal mudança, que, o que lhe restava de castigo na Cruz, se lhe converteu em pena de purgatório, e imediatamente depois da sua morte entrou no gozo do seu Senhor. Disto ficamos sabendo, que ninguém deve perder a esperança de se salvar, quando este, que foi trabalhar na vinha quase à duodécima hora, recebeu paga igual à daqueles que foram para o trabalho na hora primeira.

Pelo contrário o outro ladrão, para se provar a fraqueza humana, não se aproveitou nem da tão notável caridade de Cristo, que tão afetuosamente orava pelos Seus algozes, nem do seu próprio suplício, nem admoestação e exemplo do seu cúmplice, nem das trevas extraordinárias, nem do fendimento das pedras, nem do exemplo daqueles, que, depois de Cristo expirar, se arrependiam. Tudo isto aconteceu depois do arrependimento do bom ladrão (Lc 23), para ficarmos sabendo, que este sem aqueles auxílios pôde converter-se; e, que o outro, com todos eles, ou não pôde ou não quis.

Mas, perguntarás tu, porque inspirou Deus a um a graça da conversão, e não a inspirou ao outro? Respondo que a graça suficiente não faltou a nenhum deles; e, que, se um deles se perdeu se perdeu por sua culpa; e, que se o outro se converteu, se converteu pela graça de Deus, cooperando, porém o livre arbítrio. Mas porque não deu Deus a ambos a graça eficaz, a que nenhum coração resiste apesar da sua dureza? Replicarás tu. Isso é dos segredos de Deus, os quais nós devemos admirar, sem pretendermos inquiri-lo, bastando-nos saber, que Ele não falta à justiça, como diz o Apóstolo (Rm 9) e, que os seus juízos podem ser ocultos, mas nunca injustos, como diz o Doutor Santo Agostinho (1). O que mais nos interessa é aprendermos de tais exemplos a não diferirmos a conversação para o fim da vida; pois se a um aconteceu achar a graça de Deus na sua última hora, a outro sucedeu encontrar o seu julgamento. Se alguém, ler a historia, ou observar o que todos os dias estão acontecendo, saberá, que mui raros tem sido os que felizmente deste Mundo partiram, tendo passado toda a sua vida em perdição; e, que, pelo contrário, muitos tem sido, os que de uma vida tíbia tem sido arrebatados para as penas eternas; assim como também, que bem pequeno é o numero dos que tendo vivido bem e santamente, tenham acabado mal; e, que, pelo contrário, muitos se contam, que depois de uma vida santa e piedosa dela passaram para a Bem-aventurança. Demasiada é sem dúvida a audácia e cegueira daqueles, que num objeto de tanta importância, pois é ou da vida sempiterna ou de sempiternos suplícios, se atrevem a conservarem-se, mesmo um só dia, em pecado mortal, quando a cada momento pode acontecer, que partamos desta vida, depois da qual já não pode haver arrependimento, nem no Inferno redenção nenhuma.


Referências:

(1) Ep. 105

Voltar para o Índice de As Sete Palavras de Cristo na Cruz, de São Roberto Belarmino

(BELARMINO, Cardeal São Roberto. As Sete Palavras de Cristo na Cruz. Antiga Livraria Chadron, Porto, 1886, p. 77-81)

Leave a comment

0.0/5