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Contentamento

Capítulo 1. Contentamento - Livro Rumo à Felicidade, de Fulton Sheen
O CONTENTAMENTO não é uma virtude inata. É adquirido com grande decisão e diligência no domínio dos desejos desordenados; por isso, é uma arte que tem poucos discípulos. Porque há milhões de almas descontentes no mundo atual, poderá ser-lhes proveitoso analisar as quatro principais causas de descontentamento, e sugerir os meios de contentamento.

A principal causa de descontentamento é o egoísmo, ou amor-próprio, que coloca o eu acima de tudo, como o centro do mundo, ao derredor do qual toda a gente deve girar. A segunda causa de descontentamento é a inveja, que nos faz considerar as riquezas e os talentos alheios, como se nos tivessem sido roubados. A terceira causa é a cobiça, ou o desejo desordenado de ter mais, para compensar o vazio do nosso coração. A quarta causa de descontentamento é o ciúme, que, umas vezes, é ocasionado pela melancolia e tristeza e, outras, pelo ódio àqueles que possuem o que para nós cobiçamos.

Pensar que o contentamento procede de alguma coisa de fora de nós e não de uma qualidade da alma, é um dos maiores enganos. Havia um rapaz, outrora, que só queria uma pequena bola de mármore; quando teve essa bola, queria uma bola de borracha; depois só queria um pião; a seguir, só queria um papagaio; e quando teve a bolinha, a bola, o pião e o papagaio ainda não era feliz. Tentar fazer feliz um descontente é o mesmo que tentar encher uma peneira de água. Por mais água que dentro dela derrameis, ela esvai-se e nunca conseguireis encher a peneira.
O contentamento não está também na mudança de lugar. Alguns julgam que, se estivessem numa parte diferente da Terra, gozariam de maior paz de alma. Uma dourada num aquário e um canário numa gaiola principiaram, num dia quente, a conversar. O peixe dizia:

— «Quem me dera poder balançar-me como o canário; como ele morar lá em cima, naquela gaiola!»

Por sua vez, o canário dizia:

«Oh! Como deve ser agradável estar metido na água fresca, onde o peixe está»

Subitamente, ouviu-se uma voz que dizia:

«Canário, mergulha na água! Peixe, trepa para a gaiola!»

Imediatamente, trocaram de lugar, mas nem um, nem outro foi feliz, porque, originariamente, Deus tinha destinado a cada um o lugar que, segundo a sua natureza, mais lhe convinha.

A condição do nosso contentamento é conter-se, é reconhecer limites. É provável que esteja em paz tudo o que está dentro de limites. Um dos lugares mais tranquilos do mundo é um jardim murado. Ficou-se isolado do mundo e, através dos portões daquele, pode olhar-se sobre este, com a poesia que dá a distância, e sonhar-se com os seus encantos. Assim, se a alma do homem se confinar aos seus limites (quer dizer, se não for avarenta, nem ambiciosa, nem trapaceira, nem egoísta), também estará cercada por um tranquilo e alegre contentamento. O homem contente, limitado e manietado embora pelas circunstâncias, faz dos próprios limites o remédio da sua inquietação. Se um jardim tem um ou três acres, ou se tem ou não tem um muro não é a questão; a questão está em que vivamos dentro dos seus limites, grandes ou pequenos, para que possamos ter um espírito tranquilo e um coração feliz.

O contentamento procede, por conseguinte, em parte, da fé — isto é, da finalidade consciente da vida e da convicção de que os sofrimentos, sejam quais forem, nos advêm da mão de um Pai Amoroso. Em segundo lugar, para haver contentamento, necessário se torna ter uma boa consciência. Sendo infeliz o nosso interior, por fracassos morais e por culpas não expiadas, nada do exterior pode, então, dar tranquilidade ao espírito. O terceiro e último requisito é a mortificação dos desejos e a limitação dos prazeres. Os maiores lutos vêm ordinariamente dos maiores amores. Pelo contentamento é realçado o prazer e suavizado o sofrimento. Mais leves se tornam os males, se forem, pacientemente, suportados; contudo, os maiores benefícios podem ser envenenados pela insatisfação. Sem o nosso contributo voluntário, já as misérias da vida são bem profundas e extensas.

O contentamento com a nossa condição terrena não é incompatível com a ânsia de perfeição. Ao pobre mais pobre o Cristianismo não recomenda que esteja apenas contente, mas «que seja diligente nos negócios».

O contentamento que se deve gozar refere-se ao momento presente.

Se for pobre, hoje, um homem, a fé ordena-lhe que, nesse mesmo dia, esteja satisfeito ; mas a libertação da sua pobreza pode ser-lhe vantajosa amanhã, e, por isso, o pobre trabalha por aumentar a sua prosperidade. Pode não ser bem sucedido ; se a pobreza perdurar um dia mais, resigna-se e recomeça, então, até atingir o triunfo. Deste modo, o contentamento é relativo ao nosso estado presente e, em relação às exigências plenas da nossa natureza, de maneira nenhuma absoluto. Ainda que não tenha mesmo nada, o homem contente nunca é pobre. Ao passo que, por muito que tenha, o homem descontente nunca é rico.

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(SHEEN, Dom Fulton. Rumo à Felicidade – WAY TO HAPPINESS. Tradução de Dr. A. J. Alves das Neves, pároco de São Pedro da Cova. Livraria Figueirinhas, Porto, 1956, p. 3-6)