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Boa e Má Consciência

Boa e Má Consciência, Tesouros de Cornélio à Lápide

O que é uma boa consciência?

Um boa consciência, diz Hugo de São Vítor, é aquela que sendo doce para todo o mundo, não fere a ninguém, usa castamente da amizade, é paciente para os inimigos, benfeitora para todos, e faz tanto bem quanto lhe é possível. Uma boa consciência é aquela à qual Deus não imputa pecados, porque os evita; nem imputa- lhe os pecados dos demais, porque não os aprova; nem os da negligência, porque falou e agiu quando era necessário; nem os do orgulho, porque permaneceu na humildade e na unidade (Lib. III de Anim., c. IX).

A boa consciência é aquela que é reta, que obedece às leis de Deus e às da Igreja, e que se vale das luzes da razão para esclarecer-se.

A boa consciência é a que vigia para não cair, e imediatamente levanta-se de suas quedas. A boa consciência é o homem inteiro, porque o homem não é nada, ou melhor, ele é um flagelo, um monstro, quando não tem uma boa consciência.

A boa consciência é a imagem de Deus na terra.

Poder e força de uma boa consciência

Não ter nada que lançar-se na cara, não ter que se envergonhar de nenhuma falta, é ser mais forte que um muro de bronze, diz Horácio:

Hic murtus, aheneus esto.
Nil conscire sibi, nulla pallescere culpa[1] .

Todo padecimento é ligeiro, não é nada, quando se tem uma consciência reta e pura, diz o mártir São Tibúrcio (In ejus vita).

A boa consciência nada receia, nada teme, e pode dizer com o poeta:

Je crains Dieu, cher Abner,
et n’ai point d’autre crainte[2].

Por mais que o corpo cause-lhe fadiga com suas exigências e com o aguilhão da concupiscência; por mais que o mundo solicite-a e ameace-a; por mais que o demônio tente-a e procure assustá-la, a boa consciência está tranquila, firme e inquebrantável.

Na hora da morte, a boa consciência está plena de esperança; manifesta-se… apresenta-se sem turbação ao juízo de Deus. O mundo dá voltas e mais voltas, chora e ri, passa e desaparece, sem que a boa consciência se comova, nem se manche. Pode-se dar tomento ao corpo, pode-se desgarrá-lo a golpes, destroçá-lo, cravá-lo em uma cruz, e até queimá-lo, porém a boa consciência resiste a todas estas provas.

Excelência e prêmio da boa consciência

Que coisa há mais preciosa, escreve São Bernardo ao Papa Eugênio, que coisa há mais tranquila, e que dê mais segurança que uma boa consciência? Ela não teme a perda dos bens; não retrocede ante as afrontas, nem sob torturas; a morte, longe de assustá-la, torna-a mais orgulhosa: Quid ditius, quid in terra quietius et securis bona conscientia? Damna rerum non metuit, nom verborum contumélias, non corporis cruciatus quae et ipsa morte magis erigitur quam deprimitur (Lib. I, de Consid.).

A boa consciência, diz Hugo de São Vitor, é um campo de bênçãos, um jardim de delícias, um tabernáculo de ouro, a alegria dos anjos, a arca da aliança, um tesouro real, o trono de Deus, a moral do Espírito Santo, o livro selado e cerrado que ficará aberto no dia do Juízo (Lib. III. de Anim., c. XI).

Qual é o bem supremo? Uma consciência que nada tenha que lançar-se no rosto, diz Antônio: Quaenam summa boni? Meus quae sibi conscia recti (Laert.).

Não é nem a extensão do poder, diz São João Crisóstomo, nem a abundância das riquezas, nem a grandeza da potestade, nem a força do corpo, e nenhuma outra coisa, o que nos dá a tranquilidade do ânimo e a alegria, senão a boa consciência… Com efeito: ainda que possuísse todos os demais bens, aquele que tem a consciência de haver cometido um mal, é o mais desgraçado, o mais miserável de todos os homens[3]. A boa consciência é como um festim contínuo, dizem os Provérbios: Secur a mens quase juge convivum (Pr 16, 15).

Felicidade que uma boa consciência alcança

A notoriedade das boas obras que se fizeram, diz Santo Agostinho, inspira esperança a uma boa consciência; porque esta vê-se naturalmente inclinada a esperar, e está plena de confiança; assim como uma má consciência está plena de desespero[4].

Que manjar seria mais agradável, diz Santo Ambrósio, que a manifestação de uma boa consciência e a felicidade reservada à alma inocente?[5]

Ter consciência de que se quis o bem é o maior consolo que se possa experimentar no meio dos tormentos da vida, diz Cícero[6].

A boa consciência desembaraça-nos de todas as inquietudes da vida, diz Plutarco (Moral.).

Perguntaram a Bias qual era a coisa que nada temia. É a boa consciência, respondeu (Ita Maxim. XXIV).

Perguntaram a Periandro qual era a maior e mais perfeita coisa encerrada na menor e mais vil das coisas: É a boa consciência no corpo de um homem, respondeu.

Quem são os que vivem felizes? perguntavam a Sócrates. São, respondeu ele, aqueles que conservam sua consciência isenta de toda mancha (Anton. in Meliss.).

A manifestação de uma boa vida e a recordação do bem que não foi omitido, constituem a felicidade do homem, diz Cícero (In Cat. Maj.).

Não há tormento comparável ao que cofre uma consciência criminosa; teme a Deus. Onde, pois, achará consolos? Onde buscará repouso? A boa consciência, pelo contrário, faz nascer a tranquilidade, a paz, o regozijo e a alegria.

Quando a alma, diz São João Crisóstomo, não está atormentada por nenhum remorso, goza de uma dita tão grande, que a palavra é impotente para expressá-lo. Comparado com a felicidade que dá boa consciência, tudo quanto há de mais agradável e consolador que existe na terra, não passa de amargura e tristezas (Homil. ad pop.).

A boa consciência é um festim diário; os convidados são as virtudes que a mantém.

Que pode temer o justo? Sabe que sua pureza de consciência atrai-lhe a proteção e amor de Deus. sua alma está tranquila, em calma, serena, plena de confiança, de satisfação e de valor, porque se apoia em Deus.

Ninguém pode entristecer aquele cuja alegria é Jesus Cristo, diz Santo Agostinho (Sentent. XC).

Cada dia que vê brilhar uma boa consciência é um dia de festa. A paz da alma faz feliz a vida, diz Santo Ambrósio (Lib. II offic., c. I).

Não se pode despojar a ninguém da manifestação de sua consciência; por toda parte, este leva consigo a alegria de haver operado bem. Do mesmo modo, mostram-se a inquietude e os alarmes de uma má consciência.

Ninguém, diz Salviano, é desgraçado porque os outros lhe julguem tal, somente somos desgraçados por nós mesmos. Eis aqui porque aquele que tem a felicidade de possuir uma boa consciência é feliz, ainda quando todos os homens o julgassem de outro modo (De Prov. Dei).

Ninguém faz-nos tão feliz como a tranquilidade da consciência, diz Santo Agostinho: Tranquillitate conscientiae nihil excogitari potest beatius (Lib. XXI de Civit.).

Toda a nossa glória consiste no testemunho que nos dá nossa consciência, diz São Paulo: Gloria mostra haec est, testimonium conscientiae nostrae (2 Cor 1, 12).

Desgraças que nos atrai uma má consciência e quais desordens produz

Conservai a boa consciência, diz São Paulo a Timóteo; por havê-la repelido de si, alguns vieram a naufragar na fé: Habens bonam conscientizam, quam quidam repelentes, circa fidem naufragaverunt (1 Tm 1, 19).

A má consciência é o manancial de todas as heresias, da corrupção do espírito e do coração, e de todos os crimes.

Alguns tem a consciência cauterizada de crimes, acrescenta São Paulo: Cauteriatam habentium suam conscientizam (1 Tm 4, 2). A consciência cauterizada, que é uma consciência profundamente corrompida e endurecida, perdeu o sentimento do bem e do mal.

Em outro tempo, reinava a consciência; a ciência tomou seu posto. Em breve, ambas desapareceram, e nós nos tornamos seres estúpidos e perversos.

Qualquer que seja o erro é perigoso; porém, aquele que influi sobre a consciência, regra de todos os costumes morais, é o mais pernicioso de todos. Tende cuidado, disse Jesus Cristo, que a luz que há em vós não se converta em trevas: Vide ne lumen quod in te est, tenebrae sint (Lc 11, 35).

O olho de nossa alma é a consciência; mas quando esta vista padece e sofre, todos os atos da vida se ressentem de sua enfermidade; da mesma maneira, quando está enferma a consciência, tudo é desordem na alma, porque:

  1. Não há excessos aos quais não nos entreguemos;
  2. Comete-se o mal atrevidamente e sem remorsos; e
  3. Este estado não tem remédio.

Causas da má consciência

Se seguíssemos a Lei de Deus, se fizéssemos dela nossa regra de conduta, a consciência seria reta e iluminada, porque a Lei de Deus não permite que se faça o mal: Lex Domini immaculata (Sl 18, 8). Porém, se a interpretamos segundo nossos desígnios, traduzimo-la segundo o capricho de nossas paixões.

Fazendo-nos uma consciência segundo nosso capricho, eludimos a Lei de Deus, ou melhor, pisoteamo-La, desprezamo-La…

Moldamo-nos uma consciência complacente: tudo o que queremos, torna-se “bom”, diz Santo Agostinho, tudo aquilo que ela aprecia, torna-se “santo”: Quodcumque volumus, bonum est; et quodcuqueplacet, santum est (Serm.).

O que temos de fazer para adquirir uma boa consciência?

Para adquirir uma boa consciência, é necessário:

  1. consultar a Lei de Deus e segui-La[7];
  2. detestar o pecado, segundo o conselho do próprio Sêneca. Ainda quando soubesses, diz aquele filósofo pagão, que os homens hão de ignorar, e Deus haverá de perdoar o mal que pudesses cometer, não queiras pecar, por causa da torpeza do pecado considerado em si mesmo: Etiamsi scirem homines ignoraturus, et Deum ignosciturum, tamen peccare nollem, ob peccati turpitudinem (Anton. in Meliss.);
  3. Santo Agostinho assinala, nos seguintes termos, o terceiro meio para alcançar o fim de que tratamos: Adquire-se, diz ele, uma boa consciência com uma vida boa: Per bonam vitam bona conscientia comparatur (De Morib.). Uma vida cristã, pura e santa prova uma boa consciência; uma vida desregrada, criminosa e escandalosa, engendra uma consciência má. Mas quando já está corrompida a consciência, os costumes acabam por depravar-se e a consciência endurece. Então, tudo está perdido para o tempo e para a eternidade;
  4. O quarto meio para adquirir uma boa consciência está indicado nos seguintes versos de Pitágoras: Não façais nada vergonhoso diante de vossos amigos, nem na presença de testemunhas, nem quando vos acheis inteiramente solitários; respeitai-vos, sobretudo, a vós mesmos:

Nec, quidquam coram sociis, aut testibus, aut te
Solo, turpe geras; summus pudor ipse tibi sis.
(Anton. in Meliss.); e

  1. Quinto e excelente meio: considerar os tormentos e os castigos que leva consigo uma má consciência. A má consciência é uma espada que atravessa o coração… é um abismo no qual ruge uma tempestade. O pecador está sempre pleno de turbação, de temor e de remorsos; ele passa sua vida na amargura e nos trabalhos, mesmo quando parece que navega em alegria, na abundância e nas delícias.

A vida do homem sem consciência é um sonho; quando abre os olhos, seu repouso passou, seu prazer desvaneceu-se. Vós não vedes senão os festins a que ele assiste, as alegrias que ele saboreia. Examinai melhor sua consciência e os tormentos que nela se originam…

A consciência é uma testemunha, um juiz, um verdugo.

O verme roedor da consciência não morre, diz Jesus Cristo: Vermis eorum non moritur (Mc 9, 47).

Não, diz Santo Agostinho, não há aflição comparável à que causa uma má consciência. Todo aquele que peca está mal consigo mesmo; está atormentado e perseguido por seus remorsos; chega a ser o castigo e o verdugo de si mesmo. Fugimos de um inimigo, porém, como fugiremos de nós mesmos? Não há padecimento igual aos que se impõem uma má consciência; porque estando o pecador mal com Deus, em nenhuma parte acha consolo (Sentent.).


Referências:

[1] Horatio, Lib. I, epist. I.

[2]  Querido Abner, só temo a Deus, a ninguém mais.

[3]    Animi trainquilitatem, et laetitiam, non principatus magnitudo, non poecuniarum copia, non potentia tumor, non corporis fotitudo, nec quid aliud, sedparit conscientia bona. Sicut et qui sibi male conscius est, ut omnium bona possideat, omnium est miserrimus (Homil. I, in Epist. ad Rom.).

[4] Ipsa claritas bone operantes dat operae bonae conscientiae; spem enim gerit bona conscientia; quomodo mala conscientia tota in desesperatione est, sic bona conscientia tota in spe (Homil. in Johann.).

[5] Quis cibus suavior quam is quem animas bene sibi conscii, et mens innocentia epulatur? (In Psalm. XLV).

[6] Conscientia rectae voluntatis, máxima est consolatio rerum incommodarum (Ad Torquat.).

[7]   Meditar a Lei de Deus.

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