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Amor a Jesus e à Congregação (Julho, 1774)

16ª Carta Circular de Santo Afonso: Amor a Jesus e à Congregação (Julho, 1774)

Aos Padres e Irmãos da Congregação do Santíssimo Redentor

Nota: Comovente exortação ao amor de Jesus, à observância regular e à perseverança. A todos procura encorajar com uma profecia sobre o futuro da Congregação.

(Arienzo), 29 de julho de 1774.

Vivam Jesus, Maria e José!

Amadíssimos Irmãos em Jesus Cristo.

A coisa principal que vos recomendo, meus caros Irmãos, é o amor a Jesus Cristo. Somos obrigados a amá-lO muito. Para este fim é que ele, desde toda a eternidade, nos escolheu e chamou a esta Congregação: sim, para amá-lO e fazê-lO amar dos outros. E que maior honra e fineza nos podia fazer Jesus Cristo do que tirar-nos do meio do mundo, a fim de atrair-nos ao Seu amor? E a que mais devemos atender nesta vida, após a qual passaremos à eternidade, do que amá-lO e fazê-lO amado de tantas almas, que, todos os anos e continuamente, por nosso intermédio, deixam o pecado e voltam ao estado de graça? Quando nossos missionários chegam a algum lugar, em geral, a maior parte dos habitantes está na inimizade de Deus e privada de Seu santo amor. Mas, apenas cinco ou seis dias depois, muitos, como que despertados de um sono profundo, ao ouvirem as exortações à penitência, as instruções e sermões, tocados da misericórdia divina, começam a chorar seus pecados e sentem grande desejo de unir-se com Deus. E então, vendo aberto o caminho do perdão, começam a detestar a vida que levavam, a ver uma nova luz, a sentir uma nova paz, e pensam em confessar-se para extirpar da alma aquelas paixões que os retinham afastados de Deus. E eis que, se antes lhes parecia demasiado longa a missa de um quarto de hora, muito enfadonha a recitação do terço e insuportável uma prática de meia hora; depois, ouvem com prazer uma segunda e terceira missas, e ficam sentidos quando termina um sermão de hora e meia ou duas horas. E de quem se serve Nosso Senhor, senão de nós, para operar essas transformações tão admiráveis, e fazer que os corações se comprazam naquilo que antes desdenhavam? De sorte que terminada a missão, ficarão naquele lugar amando a Deus duas ou três mil pessoas, que, antes, eram suas inimigas e nem sequer pensavam em recuperar a sua graça.

Ora, se Deus assim nos honra, escolhendo-nos para promover a Sua glória e fazê-lO amado dos outros — honra que não tem nenhum monarca da terra — quanto não devemos agradecer-Lhe e amá-lO mais que os outros! Esforce-se quem quiser por conquistar o nome de homem elegante e talentoso; nós, porém, procuremos crescer dia a dia no amor a Jesus Cristo, buscando ocasiões de comprazer-Lhe e oferecer-Lhe alguma mortificação ou algum outro exercício que Lhe seja agradável.

Se quisermos garantir-nos o amor de Jesus Cristo coloquemo-nos sempre no último lugar e fujamos do desejo de aparecer. Quanto mais a alma se oculta às criaturas, tanto mais se une a Jesus Cristo. Muito ingrato se mostra para com Jesus aquele que o ama com reserva, e deixa de fazer uma vida de mais estreita união com Deus, quando o poderia fazer.

Irmãos meus, na hora da morte, à luz da vela mortuária veremos as graças que Nosso Senhor nos fez, conservando-nos a bela vocação que nos deu.

Digo a verdade: sinto grande compaixão ao pensar nos Irmãos, que, estando entre nós, viviam em paz, sujeitos à obediência, unidos com Deus e satisfeitos com tudo que lhes acontecia, e agora estão no meio do mundo cheios de confusão desassossego. É verdade que têm liberdade de ir aonde querem e fazer o que querem; mas tudo que fazem é sem regra, sem espírito e sem sossego. Lembrar-se-ão de quando em quando de fazer meditação; mas, apresentando-se-lhes aos olhos a infidelidade que usaram com Deus e a ingratidão de terem abandonado a vocação, grandes serão suas aflições; e daí provém que, para não sentirem a dor de tais remorsos, com frequência omitem a meditação, aumentando cada vez mais sua tibieza e inquietação.

A desgraça deles não começou por faltas graves, mas por pequenas infidelidades. Servindo-se delas, o demônio pouco a pouco os levou a abandonar a vocação. Digo e repito: compadeço-me deles do fundo da alma, pois tenho por certo que toda a sua vida é confusão e desassossego; e, se angustiada é a sua vida, mais angustiada será sua morte.

Poucos anos faz, tive de esforçar-me por confortar um deles, o qual, pensando na vocação perdida, estava perturbado do cérebro, delirava e dizia estar desesperada e não poder salvar-se porque voluntariamente perdera a vocação.

A sua desgraça deve mover-nos a empregar todos os meios para não perdermos nossa vocação; e o primeiro meio é fugir das faltas leves especialmente contra as regras. Quem não faz caso das regras, não faz caso do amor a Jesus Cristo. A experiência tem demonstrado que, quem comete uma falta contra a Regra a olhos abertos, mormente se a falta é repetida, logo se sente árido e frio no amor divino.

Sabeis que o meio mais eficaz para suportar as coisas adversas é amar muito a Jesus Cristo; mas, para obter esse amor, é preciso pedi-lo com instância. Amar a Jesus Cristo é a maior obra que podemos fazer nesta terra; é uma obra, um dom que não podemos conseguir por nós mesmos, mas dEle nos há de vir; e Ele está pronto a concedê-lo a quem lhO pede; por isso, se nos falta, é por nosso descuido que falta. É esse o motivo por que os Santos cuidaram de orar sempre, tendo sido esse o seu maior empenho.

Estou certo de que Jesus Cristo contempla com olhos muito amorosos, e como a pupila de Seus olhos, a nossa pequena Corporação. E a experiência ensina que, apesar de tantas perseguições, Ele não cessa de ajudar-nos a promover cada vez mais a Sua glória em tantos lugares, multiplicando também as Suas graças. Eu não o verei, porque minha morte está próxima; tenho, porém, confiança firme que a nossa pequena grei crescerá sempre, não em riquezas e honras, mas em obras da glória de Deus, contribuindo para que Jesus Cristo seja mais conhecido e mais amado.

Há de vir um dia em que — como esperamos — estaremos todos reunidos naquela casa eterna, para não mais nos separarmos; e lá nos acharemos reunidos a milhares e milhares de pessoas, que antes não amavam a Deus; mas, depois, levadas por nós a recuperar a sua graça, amá-lO-ão eternamente e tornarão eternas a nossa glória e a nossa alegria. Este só pensamento não nos deveria impelir a amar cada vez mais a Jesus Cristo e fazê-lO amado dos outros?

Abençoo a todos, e a cada um em particular, em nome da Santíssima Trindade; e rogo a Jesus Cristo que, por Seus merecimentos, faça crescer no Seu divino amor a todos os que vivem e hão de viver na Congregação, para que todos, inflamados no céu como serafins, possamos eternamente louvar a Deus e cantar as Suas divinas misericórdias.

Não deixemos jamais de recomendar-nos à divina Mãe, uma vez que o Senhor nos dá a honra e o prazer de publicar por toda a parte as Suas glórias: isto muito me consola e me dá grande esperança de que esta boa Mãe não deixará de ter um cuidado especialíssimo de cada um de nós, e de obter-nos a graça de tornar-nos santos.

Vou terminar, mas não quisera jamais acabar, tamanho é o desejo que tenho de ver-vos todos enamorados de Jesus Cristo e promovendo a Sua glória, especialmente nos tempos infelizes, em que Jesus Cristo é tão pouco amado no mundo. Não sinto temor da pobreza, nem da enfermidade, nem das perseguições; só me aflige o temor de que um dia algum de vós, seduzido por alguma paixão, tenha de deixar a casa de Deus e voltar para o mundo, como tem acontecido a tantos, que outrora pertenciam à Congregação, e agora estão fora dela, e vivem sem sossego; ainda que alguns deles se salvem, contudo certamente verão perdida aquela coroa que Deus lhes daria no céu, se tivessem perseverado na vocação.

Por isso, Irmãos meus diletíssimos, rezemos sempre a Jesus Cristo e a Maria, nossa Mãe, a fim de que Deus, por Sua misericórdia, nos conceda a todos a graça da perseverança.

Queira cada um recomendar-me a Jesus Cristo de modo especial e pedir para mim uma boa morte, pela qual dia a dia estou esperando. Eu, embora miserável como sou, cada dia rezo várias vezes por todos e cada um de vós; e salvando-me, como espero, no céu não deixarei de fazê-lo melhor do que o faço agora. Recomendo de novo, em particular e antes de mais nada, os exercícios de comunidade e as três meditações diárias. Quem tem pouco amor à oração, ama pouco a Deus; e, faltando a oração, falta o fervor, faltam os bons desejos e a força de ir avante. Recomendo a leitura espiritual, companheira inseparável da oração. Recomendo o ofício divino, que se deve recitar com as devidas pausas e sem misturar um versículo com o outro.

Recomendo o amor à pobreza: considerai que em todas as nossas casas se vive quase por milagre, visto que, como sabeis, elas não possuem rendas suficientes. As poucas rendas existentes, mal chegam para subministrar uma porção mínima a cada um e, às vezes, nem chega a tanto. Por isso é preciso que cada um se contente com o pouco que recebe de Deus por pura esmola. É um prodígio ver como, cada dia, ainda há pão para todos.

Agora recomendo o silêncio: onde não há silêncio, não há recolhimento; e onde não há recolhimento, só há desordem e pecado. Um dos maiores bens que a Congregação nos proporciona, é o benefício do silêncio; e quem perturba o silêncio, causa dano a si e aos outros.

Depois, recomendo a obediência aos Superiores nas missões. A obediência mantém a boa ordem nas missões. Embora alguma coisa ordenada pelo Superior pudesse ser talvez mais adequada, todavia, quando se obedece com pontualidade e sem murmurações, tudo corre bem: Deus dá a Sua graça, e a missão produz muito fruto.

Finalmente, acautele-se cada um de causar desgosto a seus Irmãos com palavras e gracejos que possam ofender a caridade. Acautele-se, igualmente, de exercer qualquer ofício na missão, que não lhe tenha sido marcado pelo Superior, independente de rogos do súdito. Como pode Deus concorrer para o êxito do exercício que alguém pretende fazer de própria cabeça? Quem isso pretende, merece não sair mais para as missões. E este castigo será dado também àqueles que temerariamente se intrometem em algum ofício que não lhes foi confiado. O bom êxito de nossas missões deve-se a esta submissão. Entretanto, com suma desolação, ouvi dizer que neste ponto tem havido irregularidades. Mas agora basta; espero não mais ter de ouvir tais coisas. Abençoo a todos e a cada um em particular.

Irmão Afonso Maria

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(LIGÓRIO. Santo Afonso de. Cartas Circulares. Oficinas Gráficas Santuário de Aparecida, 1964, p. 95-105)