Meditação para o Domingo
1. O tempo depois da vinda de Jesus Cristo não é mais tempo de temor, mas de amor, como predisse o profeta: “O teu tempo, o tempo dos que amam” (Ez 16,8), já que um Deus veio para morrer por nós: ‘‘Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós” (Ef 5,2). Na lei antiga, antes de o Verbo se encarnar, podia o homem duvidar, assim direi, se Deus o amava com ternura; depois, porém, de vê-lo morrer por nós exangue e desprezado sobre um patíbulo infame, não podemos mais duvidar que ele nos ama com toda a ternura. E quem poderá chegar a compreender o excesso do amor do Filho de Deus para conosco, querendo pagara pena devida aos pecados?
“Em verdade ele tomou sobre si as nossas fraquezas e sobrecarregou-se com as nossas dores. Foi ferido por causa de nossas iniqüidades e quebrantado por nossos crimes” (Is 53,4-5).
Tudo isso foi resultado do grande amor que nos tem.
“Ele nos amou e nos lavou no seu sangue” (Ap 1,5).
Para nos lavar da sordidez de nossos pecados, quis ele esvair- se em sangue para com ele nos preparar um banho de salvação. Ó misericórdia, ó amor infinito de um Deus!
Ah, meu Redentor, muito fizestes para que vos amasse e mui ingrato seria se não vos amasse com todo o coração. Meu Jesus, eu vos desprezei porque vivi até agora esquecido do vosso amor: vós, porém, não vos esquecestes de mim. Eu voltei-vos as costas e vós correstes após mim; eu vos ofendi e vós tantas vezes me perdoastes; eu tornei a ofender-vos e vós tornastes a perdoar-me. Ó Senhor, por aquele afeto com que me amastes sobre a cruz, ligai-me estreitamente a vós com as suaves cadeias de vosso amor; ligai-me, porém, de tal maneira que eu não possa mais separar-me de vós. Eu vos amo, ó sumo Bem, e quero amar-vos sempre no futuro.
2. O que mais nos deve inflamar a amar Jesus Cristo não é tanto a sua morte, nem as dores e as ignomínias sofridas por nós, como o fim que ele tinha em vista, padecendo por nós tantas e tão grandes penas, isto é, patentear-nos o seu amor e conquistar os nossos corações.
“Nisso conhecemos a caridade de Deus, que ele sacrificou sua vida por nós” (1Jo 3,16).
Não era absolutamente necessário que Jesus sofresse tanto e morresse por nós: seria suficiente derramar uma só gota de seu sangue ou uma só lágrima em nosso favor: essa gota de sangue ou lágrima derramada por um Homem-Deus bastaria para salvar mil mundos; ele quis, porém, derramar todo o seu sangue, quis sacrificar sua vida num mar de dores e desprezos para nos fazer compreender o grande amor que nos tem e para nos obrigar a amá-lo.
“A caridade de Cristo nos impele” (2Cor 5,14).
São Paulo não diz a paixão, a morte, mas o amor de Jesus Cristo nos força a amá-lo.
“Por todos morreu Cristo, para que os que vivem já não vivam para si, mas só para aquele que morreu por eles” (2Cor 5,15).
Vós, pois, ó meu Jesus, morrestes por nós, para que nós todos vivêssemos só para vós e vosso amor! Mas, meu pobre Senhor, permiti que assim vos chame, vós sois tão amável, que chegastes a padecer tanto para ser amado pelos homens; quantos, porém, vos amam? Vejo-os todos interessados em amar, uns as riquezas, outros as honras, estes os prazeres, aqueles os parentes, alguns os amigos, outros até os animais, mas mui poucos os que vos amam verdadeiramente a vós que sois digno de todo o amor. Sim, quão poucos, ó Deus! Entre esses poucos desejo eu estar, apesar de vos ter ofendido pelo passado, amando a lama coo os outros; agora, porém, eu vos amo sobre todas as coisas. Ó meu Jesus, as penas que por mim sofrestes obrigam-me a amar-vos; o que, porém, mais me prende a vós e me arrebata por vós é ver o amor que me demonstrares, padecendo tanto para ser por mim amado. Sim, ó meu Senhor amabilíssimo, vós vos destes por amor todo a mim; eu por amor me dou todo a vós. Vós morrestes por meu amor e eu por vosso amor quero morrer quando e como vos aprouver. Permiti que eu vos ame e ajudai-me com vossa graça e fazê-lo dignamente.
3. Não há coisa que possa acender mais em nós o fogo do amor divino que a consideração da paixão de Jesus Cristo. São Boaventura diz que as chagas de Jesus Cristo, por serem chagas de amor, são dardos que ferem os corações mais duros e chamas que abrasam os ânimos mais gelados. Uma alma que crê e pensa na paixão do Senhor não poderá ofendê-lo e deixar de amá-lo e mesmo de elanguescer de amor, vendo um Deus quase fora de si por amor de nós. “Vimos a Sabedoria como que enlouquecida pelo excesso de amor”, e diz São Lourenço Justiniano. Por isso os pagãos, segundo o Apóstolo, ouvindo a pregação da paixão de um Deus crucificado, julgavam-na uma loucura.
“Nós pregamos Cristo crucificado, que é para os judeus um escândalo e para os pagãos uma loucura” (1Cor 1,23).
Como é possível, perguntavam, que um Deus onipotente e felicíssimo, como esse que se nos prega, tenha querido morrer por suas criaturas?
Ah, Deus amante apaixonado dos homens, como é possível que uma bondade tão grande e um amor tão forte seja tão mal correspondido pelos homens? Costuma-se dizer que amor com amor se paga: mas o vosso amor com que amor poderá ser pago? Seria necessário que um outro Deus morresse por vós para compensar o amor que nos testemunhastes morrendo por nós. Ó cruz, ó chagas, ó morte de Jesus, vós muito me constrangeis a amá-lo. Ó Deus eterno e infinitamente amável, eu vos amo, eu quero viver só para vós, só para vos agradar. Dizei-me o que quereis de mim, que eu quero fazer tudo. Maria, minha esperança, rogai a Jesus por mim.
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