Mês de Janeiro
Breve introdução sobre a Fé e o Apóstolo Patrono
Ego sum lux mundi; qui sequitur me, non ambulat in tenebris, sed hablit lumen vitae – Eu sou a luz do mundo; aquele que me segue não anda nas trevas, mas terá o lume da vida (Jo 8, 12)
Santa Teresa dizia que todos os pecados nascem de falta de fé. A Santa tinha razão, pois é impossível viver separado de Deus, quando tem continuamente diante dos olhos as verdades da fé, grandeza de Deus, amor que Ele nos tem, benefícios de que nos há cumulado, e especialmente a obra da Redenção, Paixão de Jesus Cristo e o dom do Santíssimo Sacramento; o mesmo acontece quando se medita muitas vezes na morte, no juízo, no inferno, na eternidade. Pelo que, importa muito avivar cada um em si com frequência o espírito de fé, lembrando-se das máximas eternas. Assim fizeram os Santos, por isso alcançaram a coroa da glória.
Agradece, portanto, incessantemente ao Senhor por ter-te iluminado com a luz da santa fé e feito nascer em um país católico. Que seria de ti se tivesses nascido no meio de pagãos ou de hereges? Mostrado, portanto, reconhecido a Deus por essa graça e, suplica-Lhe que aumente em ti a fé, te assista para que correspondas a um tão grande favor, qual o da vocação à verdadeira fé, pois aumentarás tua culpa no dia das contas, à medida que não viveres conforme a fé.
Quando uma tentação te assaltar, arma-te, para tua defesa, com as máximas da fé: considera a presença contínua de Deus por toda parte; a desgraça que causa o pecado; as contas que devemos dar a Deus no dia do juízo; o castigo eterno, resultado do pecado; a gratidão que devemos a Jesus Cristo, etc…
Apóstolo Patrono para o Mês de Janeiro: São Pedro e São Paulo.
Sumário
I. A sua natureza
II. Da natureza e do grande valor da Fé
III. Do Sacrifício do entendimento que a Fé exige
IV. Como é razoável essa submissão do entendimento
V. Da vida conforme aos preceitos da Fé
VI. A Fé e o Redentor
VII. A Prática da Fé
VIII. Máximas da Fé dignas de frequente ponderação
IX. Avisos práticos para o exercício de uma Fé viva
X. Orações para alcançar a Fé
I. Fé: a sua natureza
Por Pe. Oscar das Chagas C.SS.R.
Deus não podia dar aos seres que tirou do nada outro fim que Ele mesmo; toda criatura deve anunciar a glória do seu Criador.
Universa propter semetipsum operatus est Dominus – “O Senhor fez tudo, tendo em vista um fim” (Pr 16, 4)
Mas, pela bondade do céu, a criatura, glorificando o seu Criador, encontra na docilidade em seguir o impulso divino o seu próprio bem e repouso.
Nesse concerto universal das criaturas, Deus quer, todavia, ouvir o cântico dum louvor espontâneo e livre: Ele dá ao homem a razão. Por essa faculdade maravilhosa o homem descobrirá na criação a bondade radiante de Deus, e o seu coração, tomado de amor, prorromperá em hinos de ação de graças. Conhecer Deus em Suas obras, amá-lO e bendizê-lO: eis a felicidade natural do homem.
Mas, a respeito da Sua criatura privilegiada, Deus não se contenta com isso; mostrando-Se-lhe a descoberto e sem véu, quer comunicar-lhe a Sua própria felicidade e inebriá-la de inefáveis delícias. Essa ventura, porém, não lhe será concedida de uma vez; deve ser não somente um dom, mas também uma recompensa, que o homem merecerá com o socorro do céu. É uma ordem de coisas inteiramente nova, que nenhuma natureza criada pode pretender, pura manifestação da bondade e da munificência divina; é a ordem sobrenatural, a ordem da graça.
Para tender a essa felicidade, para prossegui-la e merecê-la, é mister que o homem a conheça; ora, de si mesmo não pode nem sequer conceber a ideia dela. Nele, todo o conhecimento começa pelos sentidos; escapa-lhe tudo quanto não toca os sentidos; nem sequer pode pensar em elevar-se ate à bondade iniciada. É necessário que lhe sejam manifestados tanto a felicidade que espera como os caminhos a seguir para chegar a esse Deus oculto, que se dignará descobrir-se a seus olhos maravilhados. Só Deus lhe pode abrir essas sublimes perspectivas. Ele, pois, virá instruir a humanidade; falar-lhe-á por Seus profetas e, sobretudo pelos lábios de Seu divino Filho encarnado. E esses divinos oráculos serão confiados à Igreja de Jesus Cristo, para serem, por ela, comunicados aos homens.
Para receber, enfim, esses ensinamentos sobrenaturais, a razão necessita de um socorro divino, que a eleve, a fortaleça e a disponha a aceitá-los. Essa disposição é a virtude da fé, que se define:
Uma virtude teológica infusa, que nos inclina a crer firmemente, por causa da veracidade divina, tudo o que Deus revelou e propõe à nossa crença pelo ministério da Sua Igreja.
Essa definição compreende:
1.° O objeto do material da fé: as verdades reveladas;
2.º O objeto formal da fé: a veracidade de Deus;
3.º O ato de fé: a adesão da inteligência às verdades reveladas.
Algumas observações sobre cada uma dessas três coisas.
O objeto material da fé ou as verdades a que aderimos pela fé: são as verdades reveladas por Deus e ensinadas pela Santa Igreja. Ora, todas essas verdades são necessárias ou úteis para nos conduzir ao nosso último fim, que é a posse de Deus. É por isso que São Paulo chama a fé Sperandarum substantia rerum, a substância das coisas que devemos esperar. É também por isso que se chama a fé uma segunda razão, uma razão divina acrescentada à razão natural. Não que a fé seja uma faculdade como a razão, mas porque desempenha, na ordem sobrenatural, o mesmo papel que a razão, na ordem natural. A razão é o archote que aclara a vida do homem; assim a fé é o facho que ilumina a vida do cristão; e do mesmo modo como quem espezinha a razão para seguir só os sentidos não age como homem, quem não é dirigido pelas luzes da fé não age como cristão.
O motivo formal da fé é a veracidade de Deus; rejeitar, pois, uma única verdade revelada basta para perder a fé; porque rejeitar uma verdade revelada é negar a veracidade de Deus. Se as verdades da fé nos fossem conhecidas por sua evidência intrínseca, a rejeição de uma não acarretaria a rejeição da outra, guardando cada uma a sua evidência própria; sendo, porém, a veracidade de Deus a única base da fé, quem nega essa veracidade, negando uma só verdade revelada, perde a fé.
Consistindo, enfim, na adesão às verdades reveladas, a fé está formalmente na inteligência. Quando dá o seu assentimento às verdades da fé, a inteligência, não obstante, não é constrangida a isso pela evidência dessas verdades. Com efeito, bem que a credibilidade dessas verdades seja firmada por poderosos e numerosos motivos, que provam à evidência serem elas ensinadas por aquele que é a própria verdade, podendo e devendo nós admiti-las sem nenhuma hesitação sem medo de erro, todavia permanecem obscuras e misteriosas em si mesmas. O assentimento da inteligência não é, pois, constrangido ou forçado, como o é por uma verdade da ordem natural, cuja evidência brilha aos nossos olhos; permanece livre e não se efetua, por conseguinte, senão pelo impulso da vontade.
Objeto da vontade é o bem, ao qual se inclina pelo amor. A alma que crê vê, pois, o seu bem no fato de aderir ao ensinamento divino. O ato de fé supõe, pois, na vontade, certo amor a Deus. Dizemos certo amor a Deus e não a caridade, porque esta não pode preceder a fé; ela a supõe, e depois lhe dá a sua última perfeição, unindo-a mais forte e estreitamente a Deus. Eis as palavras de Santo Tomás: Actus voluntatis praeexigitur ad fidem, non tamen actus voluntatis caritate informatus; sed talis actus praesupponit fidem, quia non potest voluntas perfecto amore in Deum tendere, nisi intellectus rectam habeat fidem circa ipsum.
E alhures, para explicar a existência da fé nos demônios, apesar da perversão total da sua vontade, o santo doutor diz ainda que, enquanto nos homens a fé, mesmo informe, supõe certo amor do bem, os demônios são de certo modo forçados a crer pela perspicácia natural da sua inteligência e pela força das provas em que a fé repousa. Deus se nos manifesta, de resto, ao mesmo tempo como verdade primária, fonte de toda a verdade, e como soberano Bem, fonte de toda felicidade. Manifesta-se à nossa inteligência precisamente para ganhar os nossos corações e cativar-lhes o amor. E do mesmo modo como fortalece a nossa inteligência pela virtude infusa da fé, permitindo-lhe receber esses conhecimentos sublimes; assim, pela caridade que difunde em nossas almas, comunicando-lhes o Espírito Santo, faz com que a nossa vontade se torne capaz de amá-lO sobre todas as coisas com um amor digno de Sua bondade infinita, amor idêntico àquele com que Ele se ama a Si próprio.
A fé prepara, pois, o caminho à caridade; e quando a alma, correspondendo ao apelo da fé, se une a Deus pela caridade, pode-se dizer em certo sentido que a fé atinge seu fim, que é precisamente levar a alma à caridade. Mas esta, a seu turno, quer uma fé mais viva e esclarecida. Sob o seu impulso, a alma adere mais fortemente aos ensinamentos divinos, procurando, junto de seu Pai celeste, sempre mais luz para chegar a um maior amor: animada assim pela caridade e por ela diretamente ordenada para o seu último fim, a fé possui sua perfeição.
A caridade, igualmente, não fica ociosa; guiada pelas luzes da fé, entrega-se à prática de todas as virtudes. Daí a palavra:
Fides per caritadem operat – “A fé que atua pelo amor” (Gl 5, 6)
Essa fé, que, guiando a caridade, se torna por ela de uma atividade sublime, é a fé formada ou perfeita, ou ainda a fé viva, porque, pela caridade, ela dirige e anima efetivamente toda a vida cristã. Se, ao contrário, a vontade se afasta mais ou menos de Deus, recusando-Lhe, senão todo o amor, ao menos o amor supremo que Lhe é devido, se o homem já não põe as suas ações em conformidade com a fé, a inteligência torna-se hesitante. Ela não rejeita precisamente a verdade, porque o mau querer da vontade não pode fazer-lhe ver o erro onde momento antes aderia à verdade; as noções que possuía não se esvaíram, os motivos de credibilidade conservam para ela toda a sua força. Deus, enfim e sobretudo, preparando a volta em Sua infinita misericórdia, continua a aclarar o caminho que pode reconduzir a Ele. Mas, não tendo já o mesmo concurso da vontade, enfraquece-se a adesão à fé; ainda mais, cessando de dirigir a conduta, como deveria fazer, ela é como um ser vivo caído em letargia, e fica como morta:
Fides sine operibus mortua est – “A fé sem obras é estéril” (Tg 2, 20)
É a fé informe do pobre pecador que perdeu a graça de Deus, mas que guarda a lembrança do Pai e ainda crê em Sua palavra. Tesouro bem precioso para esse infeliz, grande dom de Deus, archote salutar, que — pode-se esperar — dirigirá esse pródigo à casa paterna, seja fazendo brilhar a seus olhos as esplêndidas festas da volta, seja espantando-o pelo quadro dos castigos reservados à sua obstinação.
Resumindo: o ato de fé provém tanto da vontade como da inteligência; é perfeito, quando emitido sob o impulso da caridade; é imperfeito, e a fé se diz informe, quando não é imperado pela caridade.
Agora é fácil compreender as palavras de Santo Agostinho: Dicis: credo: fac quod dicis, et fides est; porque a fé verdadeira e perfeita é a que não contradiz às palavras pelas obras (Sermo 49). O mesmo doutor diz ainda:
“Com a caridade, a nossa fé é a de um cristão; sem a caridade, é a de um demônio” (De Civ. Dei 10)
Daí também a palavra de Santa Teresa, repetida por Santo Afonso:
“Todo pecado vem de alguma falta de fé; pois que o homem não pode pecar senão recusando obedecer à fé”
Ao contrário pode-se dizer igualmente de maneira geral que todo o bem começa em nós pela luz da fé e que a fé é a medida de toda a virtude. Quanto mais viva é a fé e impregnada da caridade, tanto mais se manifesta em obras de virtudes; tanto se terá de humildade, obediência, pobreza, quanto se tem de fé.
Do que acabamos de dizer resulta que a viveza da fé não depende só da força da inteligência, mas também e muito mais da caridade que está na vontade. Também Santo Afonso ensina que essas duas virtudes se fortalecem mutuamente. A fé, fazendo-nos conhecer a Deus, nô-lO faz amar, e quanto mais claramente nos manifesta a bondade e a beleza de Deus, tanto mais o nosso coração se inflama de caridade. Mas a caridade, por sua vez, fortalece a fé; primeiro, diz o santo doutor, porque, na medida em que alguém ama, crê no que diz a pessoa amada; depois, porque, quanto mais a vontade se volta para Deus pela caridade, tanto mais fervorosos são os atos de fé inspirados pela caridade ardente.
Vê-se, enfim, pelo que acabamos de dizer, que espécie de perfeição a fé pode adquirir, — em que sentido a fé pode ser mais perfeita num homem do que em outro, — e o que devemos fazer para desenvolver a fé.
Da parte da inteligência, a fé pode ser mais ou menos explícita, conforme se conhecem mais ou menos as particularidades das verdades da fé; pode ser mais ou menos luminosa, conforme essas verdades são mais ou menos penetradas pela inteligência.
Da parte da vontade, torna-se ela mais perfeita, conforme essa faculdade se inclina às verdades da fé com mais prontidão, devoção e confiança: o que depende do grau de caridade. Felizes aqueles que às vivas luzes unem essa prontidão, essa devoção e essa confiança na fé: essa virtude penetrará a sua vida e produzirá neles os mais felizes frutos.
Os principais meios de desenvolver a nossa fé são:
1.º A oração para obtermos de Deus esse atrativo sem o qual é impossível a fé. Peçamos com insistência a luz divina. Repitamos frequentemente ao divino Mestre a palavra do cego de nascença:
Domine, fac ut videam – “Senhor, fazei que eu veja”
E ainda:
Adauge nobis fidem – “Aumentai a nossa fé”
2.º Atos e atos enérgicos, porque a fé se desenvolve pelos atos. Não esqueçamos, sobretudo nas horas da tentação, o papel que a vontade exerce quanto à fé.
“Não depende eu crer ou não crer” dizem as almas mundanas e infiéis. — Não dependem cristãos? Por que então é que, pergunta Bourdaloue, o Salvador do mundo censurou aos seus discípulos serem os seus corações lentos e tardios em crer? O stulti et tardi ad credendum (Lc 24, 25). Por que é que se ofendeu com a Sua incredulidade quando lhes disse com indignação:
“Ó raça infiel e perversa, até quando deverei ficar convosco?” (Lc 9, 41)
Por que é que repreendeu a São Pedro a sua pouca fé?
“Homem de pouca fé, por que duvidaste?”
Se a fé não estivesse em nosso poder, todas essas proposições de Jesus Cristo seriam sem fundamento. Ele teria de suportar os Seus apóstolos incrédulos; não deveria condená-los pela imperfeição da sua fé, deveria remediar a incapacidade em que estavam de crer em Sua palavra, e não fazer-lhes exprobrações. Ora, não o ousaríamos lançar em rosto a Jesus, afirmando que Ele fez essas exprobrações sem fundamento.
“Depende, pois, absolutamente de vós ter fé e perseverar na fé” (Domin. cit por Bouchage)
“Nada mais precioso, diz por seu turno o padre Desurmont, do que ser tentado contra a fé, quando se resiste à tentação. O único método salutar, em semelhante caso, consiste em orar, em fazer energicamente, cegamente, resolutamente, atos vigorosos, sem arrazoar e examinar. É necessário lançar-se na fé com os olhos vendados, dizer: sim, sim, sim, sem se preocupar com objeções. Ser combatido e combater assim são marchar a passos de gigante na fidelidade perfeita”
Apliquemos, enfim, os nossos atos, sobretudo às verdades práticas, pedindo ao Senhor que delas nos penetre sempre mais. Credo, Domine, sed adjuva incredulitatem meam. Senhor creio tudo quanto me ensinais no Evangelho, creio que o sofrimento é um bem, que a cruz é um tesouro e a pobreza uma fonte de bênçãos; mas peço-Vos fortaleçais minha fé, que é tão fraca que se assemelha à incredulidade. Esforcemo-nos ao mesmo tempo para fazer que os nossos atos estejam de acordo com as nossas palavras. Depois de termos dito que com Jesus Cristo vemos na cruz um tesouro, não nos entreguemos, na primeira provação, à impaciência e à murmuração; submetamo-nos filialmente às disposições da Providência; quanto mais generosamente abraçarmos a cruz, tanto mais compreenderemos que ela é verdadeiramente um dom de Deus e mais provaremos as delícias que nela sempre acharam os amigos de Deus.
3.º A meditação, para penetrarmos sempre mais as verdades da fé, aprofundando-nos nelas, e para combatermos a ignorância, que é mais geral do que se crê.
4.º O culto da caridade. A alma fia-se tanto mais na palavra de Deus quanto mais O ama com ardor, e procura conhecê-lO com sempre maior perfeição, para amá-lO ainda mais.
II. Da natureza e do grande valor da Fé
Os escritos seguintes são de Santo Afonso Maria de Ligório.
A fé é uma virtude infusa por Deus em nossa alma, pela qual cremos tudo o que Ele revelou à Sua Igreja e que ela nos propõe a crer. São Paulo define a fé:
“A substância das coisas que devemos esperar e a demonstração das que não vemos” (Hb 11, 1)
A fé é de fato o fundamento da nossa esperança; sem ela seria impossível existir uma esperança, e também um argumento firme do que não vemos. Ela possui um lado escuro, outro claro: clara é ela quanto aos sinais que nos demonstram a certeza das verdades da fé; obscura quanto às próprias verdades da fé, que estão veladas aos nossos olhos.
As provas da verdade de nossa fé são tão claras que, segundo as palavras de Pico de Mirândola, não é só imprudência, mas mesmo loucura não querer aceitá-las.
“Os vossos testemunhos, Senhor, são mui dignos de fé” (SI 92, 5)
Por isso os incrédulos não têm desculpa recusando sujeitar seu entendimento aos ensinamentos da fé. “Quem não crer, já está condenado”, diz o divino Salvador. Doutro lado, quis Deus que as verdades mesmas da fé ficassem envoltas em mistérios para adquirirmos merecimentos por meio da fé. A fé é, pois, uma ciência que sobrepuja imensamente todas as outras ciências: “Vede quão grande é o Deus que vence toda a nossa ciência”, exclama Jó (36, 26).
A santa fé é para nós um tesouro de valor inestimável, pois nela possuímos, primeiramente, uma luz divina que nos serve de guia seguro no caminho do céu. O que percebemos por meio de nossos sentidos nos induz muitas vezes ao erro. As verdades da fé, porém, nos foram por Deus reveladas, o qual não pode enganar-se nem enganar-nos.
A fé nos oferece, em segundo lugar, um meio excelente de prestar a Deus nossa veneração. É conveniente e justo que sujeitemos a Deus não só nossa vontade, pelo amor, observando Seus mandamentos, mas também nosso entendimento, pela fé, crendo em Suas palavras. Se o homem acreditasse somente no que vê e compreende, não daria com isso honra a Deus. Ao passo que O honra de modo especial aceitando, como certas, coisas que não vê nem entende, só porque Deus as revelou.
A fé nos é uma fonte de merecimentos. Se das as verdades propostas à nossa fé fossem claras e evidentes, não poderíamos negar-lhe o nosso assentimento e, com isso, a aceitação dessas verdades não seria uma obra meritória, pois o mérito está justamente em anuir à doutrina proposta, não necessária, mas livremente. É o que exprime São Gregório nas seguintes palavras:
“A fé perde seu merecimento se a razão humana fornece os argumentos” (In evang. hom. 26)
O divino Salvador reputa bem-aventurados os que abraçam as verdades da fé sem as entender:
“Bem-aventurados os que não viram e creram” (Jo 20, 29)
A fé nos serve de defesa eficaz contra os inimigos de nossa salvação. São João diz:
“Esta é a vitória que vence o mundo: a vossa fé” (1 Jo 5, 4)
Deus Nosso Senhor criou-nos unicamente para trabalharmos na salvação de nossa alma e nos santificarmos.
“Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação” (1 Ts 4, 3)
Para este fim devem convergir todos os nossos atos. A fé é então que nos faz capazes de vencer todos os impedimentos que o mundo nos opõe na tendência a esse alvo, como seja o respeito humano, a concupiscência da carne ou as tentações do demônio. O demônio é muito forte e suas tentações bem próprias para nos incutirem terror. Quem possui, porém, a fé, triunfa de todos os assaltos. “O demônio- nos rodeia como um leão que ruge, procurando a quem devorar… resisti-lhe fortes na fé”, diz São Pedro (1 Pd 5, 8). No mesmo sentido escreveu São Paulo:
“Sobretudo abraçai o escudo da fé, com o qual podeis extinguir todos os dardos inflamados do maligno” (Ef 6, 16)
Como o escudo cobre o corpo contra os projetis do inimigo, assim a fé protege a alma contra os ataques do inferno. “Meu justo vive da fé”, diz o Senhor (Hb 11, 38), isto é, ele se conserva na vida da graça pelas máximas da fé. Tornando-se fraca a fé, também fracas se tornam as virtudes; perdida a fé, desaparecem também as virtudes. Por isso, logo que formos acometidos por uma tentação de orgulho, ou de concupiscência, ou de qualquer outra espécie, devemos nos armar sem demora com as máximas da fé, para nos defender, e voltar nossas vistas para a onipresença de Deus ou para as tristes consequências do pecado, ou para as contas que devemos dar no dia do juízo, ou para as penas eternas que aguardam o pecado, ou para as grandes obrigações que temos para com nosso divino Salvador. De modo especial devemos refletir nesta grande verdade da fé, que todo aquele que refletir a Deus, obterá a vitória.
“Eu invocarei o Senhor, louvando-o, e serei salvo de meus inimigos” (SI 17, 4)
A fé nos conserva a paz do coração no meio de todas as adversidades, porque nos dá a garantia de que, sofrendo com paciência as penas desta vida, alcançaremos certamente a salvação eterna. É o que leva a São Pedro a dizer:
“Se crerdes, gozareis de uma alegria inenarrável e alcançareis o fim de vossa fé, a salvação de vossas almas” (1 Pd 1,8)
Agradeçamos, portanto, do fundo de nossa alma a Deus por nos ter dado o precioso dom da santa fé. São Francisco de Sales dizia:
“Ó meu Deus, imensamente grandes são os benefícios com que me cumulastes; como, porém, poderei jamais agradecer-Vos suficientemente por terdes iluminado com a luz da santa fé?”
E, novamente:
“A sublimidade de nossa fé é tão grande, que desejaria de boa mente dar minha vida por ela. Ao menos quero conservar em meu coração inflamado de devoção este tão precioso dom que o Senhor me fez”
Santa Teresa achava tal consolação no pensamento de pertencer à Igreja Católica, que não se cansava de repetir, na hora da morte:
“Enfim, eu sou uma filha da Santa Igreja. Enfim, eu sou uma filha da Santa Igreja”
Agradeçamos também nós continuamente ao Senhor esta tão grande graça e recordemo-nos sempre das palavras do salmista:
“Ele não fez o mesmo benefício a todas as nações” (SI 147, 20)
III. Do Sacrifício do entendimento que a Fé exige
Deus Nosso Senhor quer que usemos de nosso entendimento para conhecermos com certeza que foi Ele quem falou; não, porém, para entendermos o que nos propõe a crer. A razão, por assim dizer, nos toma pela mão e nos conduz ao santuário da fé, permanecendo, contudo, nos umbrais do mesmo. Logo que nos convencermos que a doutrina, cuja aceitação se exige de nós, provém na realidade de Deus, devemos submeter nosso entendimento e ter por verdade tudo o que nos é proposto a crer, mesmo que nada entendamos. É esta a humilde simplicidade das crianças de que fala São Pedro:
“Como meninos recém-nascidos… candidamente desejai o leite para que cresçais por meio dele para vossa salvação” (1 Pd 2, 2)
Os mistérios da fé não estão em contradição com a nossa razão, excedendo, contudo, o seu alcance ou compreensão. Não devemos por isso perscrutá-los para averiguar sua exatidão, pois que poderia acontecer como àqueles espíritos orgulhosos que, tentando penetrá-los, viram seu fraco entendimento emaranhar-se em uma multidão de dúvidas, das quais só com muita dificuldade conseguiram libertar-se. “A fé não é para os orgulhosos, mas para os humildes” (Serm. 115, n. 2), diz Santo Agostinho. Quem é verdadeiramente humilde não achará dificuldade em crer. Santa Teresa diz:
“O demônio nunca conseguiu tentar-me de forma alguma contra a fé; quer-me até parecer que mais fácil me é dar o meu assentimento às verdades da fé que, em si, são mais incompreensíveis”
Se alguém, pois, for tentado pelo inimigo contra uma verdade da fé, não olhe para as dificuldades que o demônio apresenta, mas faça um ato de fé e proteste diante de Deus que está pronto a dar a sua vida pela santa fé. Como narra São Luís, rei de França, um sábio teólogo foi um dia atacado por fortes tentações contra a presença real de Jesus no Santíssimo Sacramento. Ele recorreu ao Bispo de Paris, descobriu-Ihe suas dúvidas e pediu-lhe com lágrimas que o ajudasse. O Bispo perguntou-lhe unicamente se renunciaria sua fé por qualquer coisa do mundo. Protestou o teólogo com lágrimas que por nada deste mundo sacrificaria a sua fé. Tranquilizou-o então o Bispo e mostrou-lhe o grande fruto que lhe adviria daquelas tentações.
Achando-se uma vez doente, São Francisco de Sales foi agitado por fortes dúvidas quanto à sagrada Eucaristia. Não entrou, porém, em discussão alguma com o demônio a esse respeito e venceu-as pela simples invocação do Santíssimo Nome de Jesus. Em tais tentações o entendimento deve dar-se por vencido, sujeitar-se à doutrina da Igreja e combater o demônio com suas próprias armas, dizendo: Estou pronto n dar mil vezes minha vida pela santa fé. Se assim procedermos, aquilo com que o demônio pretende perder-nos, tornar-se-á para nós uma fonte de merecimentos. Dirijamo-nos, portanto, muitas vezes ao divino Salvador, repetindo aquela súplica dos apóstolos:
“Senhor, aumenta-nos a fé” (Lc 17, 5)
IV. Como é razoável essa submissão do entendimento
Do que se disse é fácil deduzir que devemos obrigar nosso entendimento a aceitar as verdades da fé que excedem a sua compreensão, “reduzindo-o à sujeição… em obséquio a Cristo” (2 Cor 10, 5), como diz São Paulo. Isso, contudo, não impede que consideremos as razões que demonstram a veracidade de nossa santa religião; pelo contrário, Deus quer mesmo que usemos de nossa inteligência natural para nos convencermos da racionabilidade de nossa fé, e assim, ajudados pela graça de Deus, tenhamos por certo tudo o que a Igreja nos propõe a crer e lhe ofereçamos um obséquio racional (Rom 12, 1).
A credibilidade de nossa santa religião está provada, como acima se notou, por argumentos tão claros que todo o que não perdeu seu bom senso deverá abraçá-la necessariamente. Só alguns aqui apontaremos :
1) Em primeiro lugar, falam em favor da verdade de nossa fé as profecias que foram escritas nos santos livros muitos séculos antes e que se realizaram à risca depois. Por exemplo, a morte de nosso divino Salvador fora predita por diversos profetas e descrita exatamente não só quanto ao tempo como também quanto às circunstâncias que a acompanharam. Fora também profetizado que os judeus, em castigo de seu deicídio, seriam expulsos de seu templo e pátria e, obstinados em seu pecado, seriam espalhados no mundo universo; essa profecia vemos realizada ao pé da letra. Fora profetizado que, depois da morte do Redentor, o culto dos deuses cederia lugar ao culto do Deus verdadeiro, o que de fato se deu por meio dos apóstolos, que, não obstante sua falta de instrução e meios humanos e todos os impedimentos imagináveis, conseguiram conquistar o mundo para a fé do verdadeiro Deus.
2) Em segundo lugar, prova-se a verdade de nossa santa fé pelos milagres que, para confirmá-la, operaram o Salvador e os santos da Igreja Católica; os milagres sobrepujam a virtude da natureza; só o poder de Deus, ao qual toda a criação está sujeita, os pode operar. Donde se vê claramente que uma religião que puder apresentar verdadeiros milagres em confirmação da sua doutrina, deverá ser divina, pois Deus de forma alguma poderá favorecer uma falsa religião com a operação de milagres. Nem os judeus, nem os pagãos, nem os maometanos, nem os hereges poderão nomear um único milagre que tenha sido operado em favor de sua doutrina.
Para enganar o povo, recorreram a certas ilusões, que apresentaram como milagre; porém, dentro em pouco tempo se descobriu o engano. Inumeráveis, pelo contrário, são os milagres que Nosso Senhor operou no decurso dos séculos, por meio de seus servos, na Igreja Católica. Nela realizou-se a palavra do divino Salvador:
“Aquele que crer em mim, também fará as obras que faço e outras ainda maiores” (Jo 14, 12)
Não negamos que nos primeiros séculos do cristianismo houve mais milagres que em nossos dias; contudo, em tempo algum faltaram milagres na Igreja, porque foram sempre necessários para a conversão dos pagãos. Assim, São Francisco Xavier, São Luís Bertrand e outros grandes missionários operaram numerosos milagres nas índias.
Se alguém ousasse rejeitar os fatos notáveis que os anais da História Eclesiástica e a biografia dos santos nos relatam, perguntar-lhe-ia por que razão recusa crer em um São Basílio, São Jerônimo, São Gregório e tantos outros escritores eclesiásticos, quando dá inteiro crédito a um Suetônio ou Plínio? De resto, aprouve ao Senhor conservar na Igreja constantemente alguns milagres, para mostrar quão fútil é a incredulidade dos ímpios. Faço aqui menção só do insigne milagre com o sangue de São Januário, em Nápoles. Esse sangue, que geralmente se encontra em estado sólido, liquefaz-se várias vezes no ano ao se aproximar da cabeça do mesmo santo, fato de que cada um pode certificar-se com os próprios olhos. Os incrédulos em vão procuraram uma solução científica ou natural para explicar este milagre: até hoje não conseguiram dá-la.
3) Uma terceira prova da verdade de nossa fé é a fortaleza dos mártires, prova essa ainda mais brilhante que a dos milagres. Quinze imperadores romanos empregaram durante muitos anos todas as suas forças para exterminar a religião cristã. Sob o império de Diocleciano, que declarou a nona perseguição, foram trucidados, em um só mês, 17 mil cristãos, sem contar os milhares e milhares que foram desterrados. Segundo o cômputo de Genebrardo, o número dos mártires que perderam a vida, nas dez grandes perseguições, se eleva a 11 milhões, de modo que, distribuindo-os para cada dia do ano, teremos 30 mil mártires para cada dia.
Apesar de martirizarem a estes confessores de Cristo de toda a maneira imaginável, dilacerando-os com unhas de ferro, queimando-os em grelhas incandescentes, aplicando tochas ardentes a seus corpos, atormentando-os com outros horrores, o número dos que estavam prontos a morrer por sua fé não diminuía, antes crescia cada vez mais. Tibério, governador da Palestina, escreveu ao imperador Trajano que se ofereciam tantos cristãos ao martírio que era impossível supliciar a todos. Trajano publicou então um edito que mandava deixar em paz os cristãos.
Agora pergunto: Se não fosse verdadeira essa fé professada pelos mártires e até hoje pela Santa Igreja, e se Deus não os tivesse assistido, como poderiam suportar aqueles horrendos tormentos e submeter-se a uma morte tão cruel? — Que mártires, porém, podem apresentar as seitas separadas da Igreja Católica? Possuem elas talvez um São Lourenço que, enquanto era assadona grelha, transbordava de alegria, oferecendo por gracejo ao tirano em pasto seus membros assados pelo fogo? Possuem talvez um São Marcos ou Marcelino, cujos pés foram transpassados com cravos e que responderam ao juiz que os aconselhava a renunciarem à fé para verem-se livres de tal tormento:
Falas em tormento e nós nunca sentimos tão grande alegria como agora que padecemos por Jesus Cristo!
Possuem talvez um São Processo ou Martiniano, cujos corpos foram queimados com chapas de ferro em brasa e dilacerados com pentes de ferro e que, apesar disso, cantaram sem interrupção os louvores de Deus e exprimiram um desejo ardente de morrer por Jesus Cristo?
A estes mártires da antiguidade se associaram como gloriosos êmulos inumeráveis homens e mulheres dos últimos tempos, que ofereceram sua vida pela fé, entre os mais horrorosos tormentos que a ferocidade humana podia imaginar. Quantos não morreram no século XVI, no Japão? Entre os fatos memoráveis da horrenda perseguição havida nesse país, contam-se os seguintes:
— Uma mulher, chamada Mônica, que desejava ardentemente o martírio, exerceu-se de antemão na tolerância de todas as penas que os carrascos lhe poderiam infligir. Tomou uma vez nas mãos um ferro em brasa e, ao indagar-lhe a irmã: Mônica, que fazes? respondeu: Preparo-me para o martírio. Já combati contra a fome, e venci; agora experimento o fogo, para que possa suportar os tormentos do mesmo se um dia tiver de sofrer os seus horrores.
— Uma outra mulher disse a suas companheiras: Estou firmemente resolvida a dar a minha vida pela santa fé. Se, porém, me virdes tremer em presença da morte, arrastai-me então a força diante dos carrascos, para que possa participar também da vossa coroa.
— Um menino, chamado. Antônio, respondeu a seus pais, que, com lágrimas, queriam induzi-lo a renunciar à fé: Deixai de me atormentar com as vossas palavras e queixas, que estou mesmo resolvido a morrer por amor de Jesus Cristo. E, pendente da cruz, a exemplo de seu divino Mestre, entoou o salmo: Louvai, meninos, o Senhor, cantando-o até ao Glória Patri, morrendo em seguida, para ir terminá-lo no céu.
— Um outro menino disse a seu pai: Prefiro sofrer a morte às mãos do carrasco, e, mesmo, por tuas próprias, que faltar com a obediência a Deus; eu não quero lançar-me no inferno para agradar aos homens.
— Um criado disse a seu senhor: Eu sei quanto vale o céu, e já que o martírio é o caminho que mais diretamente a ele conduz, escolho-o com alegria, e faço tão pouco caso de minha vida como do pó que calco aos pés.
— Uma mulher, chamada Úrsula, tendo visto morrer mártires seu marido e dois de seus filhos, exclamou, com lágrimas nos olhos: Agradeço-vos, meu Deus, porque me julgastes digna de oferecer-vos este sacrifício. Concedei-me também a coroa que orna os meus. Agora só tenho esta inocente filhinha que trago nos braços; eu vo-la ofereço com minha própria pessoa; recebei benignamente este último sacrifício que Vos ofereço. Dizendo isto, apertou a filha ao coração e, com um só golpe, caíram as cabeças da mãe e da filha.
— Uma outra mãe repetia sem cessar a seu filho, que com ela eslava amarrado na cruz: Coragem, meu filho, estamos no caminho do céu. Repete sempre: Jesus! Maria!
— Um fidalgo, de nome Simeão, exclamou: Que felicidade a minha de poder morrer por meu Salvador! Como mereci eu esta graça!
— Uma menina de oito anos, cega, apegou-se fortemente às saias de sua mãe, para poder morrer com ela juntamente na fogueira.
— Um pequeno de cinco anos foi despertado do sono para ser conduzido à morte. Sem mostrar a mínima inquietação, vestiu a sua melhor roupinha e foi levado pelos carrascos ao patíbulo. Lá chegado, ele mesmo ofereceu seu pescoço ao carrasco. Este, porém, à vista do menino, ficou tão comovido que não pôde desempenhar seu encargo. Veio um outro, que só depois de vários golpes tirou-lhe o fio da vida.
Estes fatos lodos foram comprovados por inimigos declarados da nossa Santa Igreja.
4) Em quarto lugar, a verdade de nossa santa fé é provada, do modo mais evidente, por ter ela permanecido “imutável”, desde o tempo dos apóstolos até ao presente dia. Os apóstolos e seus sucessores cuidaram seriamente em conservar sempre em toda a sua pureza original a doutrina do divino Salvador. O próprio Senhor recomendou-lhes isso, dizendo:
“Ide pelo mundo universo e ensinai a todas as gentes… ensinando-as a observar todas as coisas que eu vos tenho mandado” (Mt 28, 19)
Por isso São João admoesta os fiéis:
“O que ouvistes desde o princípio permaneça entre vós” (1 Jo 2, 24)
E o apóstolo São Judas escreve:
“Eu vos rogo instantemente que defendais zelosamente a fé que vos foi uma vez pregada” (Jd 3)
Semelhante é o conselho que São Paulo dá aos efésios: “Sede solícitos em guardar a unidade do espírito” (Ef 4, 3), e aos coríntios: “Rogo-vos… que não haja entre vós cismas, antes sejais perfeitos em um mesmo sentir e em um mesmo julgar” (1 Cor 1, 10). Estas admoestações foram seguidas à risca pelos pastores da Igreja em todo o tempo; eles deixaram, como diz Santo Agostinho (Cont. Jul. 1. 2, c. 10), como uma herança a seus filhos o que seus pais lhes comunicaram e conservaram o que encontraram na Igreja.
Por isso a Igreja Católica permaneceu a mesma em todos os tempos; a doutrina que ela hoje prega, como a presença de Jesus no Santíssimo Sacramento, a invocação dos Santos, a veneração das relíquias, a existência do purgatório, é a mesma que foi crida nos primeiros tempos de sua existência.
As diversas seitas, porém, que se separaram da Igreja Católica, nunca permaneceram firmes em suas doutrinas. Leia-se, por exemplo, a história das variações que se deram nas igrejas protestantes, escrita por Bossuet. O mesmo orgulho que levou o fundador dessas seitas a negar a obediência à Igreja verdadeira, desviou delas seus próprios adeptos e criou novos sistemas. Por esta razão é de suma importância para nós ter diante dos olhos a história das heresias. Essa consideração nos apresenta a nossa fé na mais esplêndida luz, visto que ela permaneceu em todos os tempos a mesma e imutável e alimenta em nós o espírito de submissão à Santa Igreja, estimulando-nos também a agradecer a Deus ter-nos feito nascer na religião católica.
V. Da vida conforme aos preceitos da Fé
Para se salvar não basta que se tenha por certo tudo o que ensina a fé, é preciso também conformar o nosso modo de viver aos preceitos da fé. Pico de Mirândola escreve:
Certamente é uma grande loucura não querer crer no Evangelho, porém é ainda maior loucura crer no Evangelho e viver-se como se não se cresse nele (Ep. ad Xep.)
Os incrédulos procedem em verdade mui desarrazoadamente fechando os olhos para não verem o precipício para o qual se dirigem; porém muito maior é a insensatez dos fiéis que, percebendo o precipício, nele se lançam de olhos abertos.
“Ó meus irmãos, que adianta se alguém diz ter a fé e não tem as obras? Talvez a fé só o poderá salvar?” (Tg 2, 14)
Muitos cristãos creem que há um Deus justo, que os há de julgar; que um céu ou um inferno eterno os espera, e, contudo, vivem como se não houvesse nem um Deus, nem um juízo, nem um céu, nem um inferno. Muitos creem que o divino Salvador nasceu por seu amor em um estábulo, que viveu 30 anos em uma pobre casinha, adquirindo o sustento com o trabalho de Suas mãos; e que, finalmente, morreu em uma cruz, consumido de dores, e, apesar de tudo isso, não O amam; chegam mesmo a ofendê-lO com inúmeros pecados. A estes todos São Bernardo dirige a seguinte recomendação (In Cant. 24, 8):
“Mostrai por vossas obras que tendes fé”
O cristão deve mostrar por sua vida virtuosa que tem fé. Os pecadores que conhecem as verdades da fé, mas não vivem conforme seus preceitos, o muito que têm é uma fé mui fraca, pois se cressem firmemente que a graça de Deus é o sumo bem, e o pecado, que no-la rouba, o sumo mal, mudariam necessariamente de vida. São Bernardo diz que quem confessa a Deus com a boca e o nega com suas ações, consagra sua língua a Jesus Cristo e entrega a sua alma ao demônio. Segundo São Tiago (2, 17), a fé que não se externa em obras é uma fé morta. Quando em um homem não se nota mais nenhuma ação vital: não se move mais, não fala mais, não respira, nesse caso não se lhe dá mais o nome de vivo, mas de morto. Da mesma forma deve ser considerada morta a fé que não produz mais obras da vida eterna.
Há muitos cristãos que de boa vontade abraçam os ensinos da fé que ficam na alçada do entendimento, mas não querem de forma alguma aceitar as verdades que se relacionam com a vontade. E, afinal, são estas tão certas como aquelas, já que todas elas nos são propostas pelo mesmo Evangelho. Assim como cremos no dogma da Santíssima Trindade, da Encarnação do Verbo divino e outros mistérios, devemos também aceitar os princípios estabelecidos por Jesus Cristo para as nossas ações. São Paulo escreveu a seus discípulos:
“Examinai a vós mesmos para conhecerdes se tendes fé” (2 Cor 13, 2)
O divino Salvador disse uma vez:
“Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus” (Mt 5, 3)
Ora, quem não se resigna com sua pobreza e queixa-se das disposições da Providência, não pode propriamente ser chamado “fiel”, “crente”, pois quem crê de coração não procura sua riqueza e felicidade nos miseráveis bens deste mundo, mas exclusivamente na graça de Deus e na vida eterna.
Quando ofereceram a São Clemente Romano ouro, prata, pedras preciosas para que renegasse a Cristo, deu o santo um grande suspiro e deplorou amargamente o quererem roubar-lhe seu Deus por um preço tão miserável. — O divino Salvador disse igualmente:
“Bem-aventurados os pacíficos. Bem-aventurados os que choram. Bem-aventurados os que padecem perseguição por amor da justiça”
Isso quer dizer: Bem-aventurados os que perdoam as injúrias. Bem-aventurados os que pacientemente suportam as enfermidades, perdas de bens e outras adversidades. Bem-aventurados os que sofrem perseguição por fugirem do pecado ou procurarem a glória de Deus. Ora, quem julga que se desonra perdoando, que só cuida em levar uma vida agradável, não se abnegando em matéria alguma, quem lastima os que renunciam às alegrias terrenas e crucificam sua carne, quem por respeito humano deixa os exercícios de piedade, negligencia os Santíssimos Sacramentos, distraindo-se com a vida de teatros e bailes, — não pode arrogar-se o nome de cristão.
É aqui o lugar de corrigir uma opinião falsa. Muitos pensam que uma vida segundo os preceitos da fé é uma vida triste e privada de toda a alegria. O demônio lhes pinta a nossa santa religião como uma tirania que impõe a seus filhos toda a espécie de penas e fadigas, obrigando-os continuamente à abnegação própria e vedando-lhes toda a espécie de satisfação de seus desejos. Não negamos que a vida conforme a prescrição da fé oferece poucos atrativos aos que querem obedecer unicamente a seus apetites sensuais.
“Os que são de Cristo, crucificam sua carne com seus vícios e concupiscência”, diz o Apóstolo (Gl 5, 24)
A lei de Jesus Cristo exige que combatamos nossas inclinações, amemos nossos inimigos, mortifiquemos nosso corpo, suportemos com paciência as adversidades e ponhamos toda a nossa esperança na vida futura. Por isso, porém, não é triste a vida do verdadeiro cristão. A religião de Jesus Cristo convida-nos, por assim dizer, dizendo:
“Vinde e uni-vos a mim; conduzir-vos-ei por um caminho que, considerado com os olhos corporais, parece áspero, mas que se tornará delicioso e agradável a todo aquele que tem boa vontade”
Buscais alegrias e delícias? Pois bem! Dizei-me antes que alegria preferis, a que apenas libada desaparece, deixando o coração repleto de amargura, ou a que vos pode saciar e satisfazer por toda a eternidade? Buscais honras? Entendido! Mas, que preferis? Uma honra vã, que se esvai como a fumaça, ou uma honra verdadeira, que vos glorificará uma vez à vista de todo o mundo? Perguntai aos que levam uma vida conforme às máximas do Evangelho, se a renúncia aos bens deste mundo os entristece! Visitai o santo eremita Paulo, em sua gruta, São Francisco de Assis no monte Alverne, Santa Maria Madalena de Pazzi em seu claustro, e perguntai-lhes se acham falta das alegrias terrenas. A uma voz vos responderão: Não, de forma alguma; só queremos a Deus e nada mais.
Se alguém afirmar que a vida conforme aos preceitos da fé é, apesar de tudo, penosa e contrária à natureza, respondo-lhe: Realmente, ela é contrária à natureza, mas à natureza corrompida; ela é de fato penosa, mas só para os que se abandonam às próprios forças. Quem confia em Deus e a Ele recorre, acha fácil e agradável a observância da lei de Jesus: “Provai e vede quão suave é o Senhor”, diz o salmista (SI 33, 9), e o próprio Jesus: “Meu jugo é suave e minha carga leve” (At 11, 30).
Prouvera a Deus que saboreassem uma vez a doçura de uma vida conforme aos ensinamentos da fé os que recuam diante de suas supostas dificuldades e tristezas: indubitavelmente mudariam de opinião e tê-la-iam em grande apreço.
VI. A Fé e o Redentor
Os escritos a seguir são do Pe. Oscar das Chagas C.SS.R.
Jesus Cristo não tinha nem podia ter a fé; não tinha de aceitar pelo testemunho alheio aquilo de que Ele próprio era testemunho. O que nós devemos crer, Ele o via com toda a clareza pela visão beatífica, que gozava constantemente a Sua alma substancialmente unida ao verbo de Deus. Quem, pois, poderia dizer-nos, senão Ele só, as clarezas maravilhosas de que a Sua alma estava iluminada! Deus perscruta os corações e os rins e vê sem véu os pensamentos dos homens; mas quem poderia penetrar os pensamentos do Homem-Deus? Aprouve-Lhe comunicar-nos alguns raios de luz divina, cujo brilho mitigou por compaixão para com nossos fracos olhos; e, instruindo-nos, disse:
Adhuc multa habeo dicere vobis; sed non potestis portare modo – “teria muitas outras coisas a ensinar-vos, que são, por enquanto, muito acima de vossas forças” (Jo 16, 12)
Jesus contemplava constantemente a essência divina, cuja presença bem-aventurada não perdeu um só instante. Em Deus, verdade primária, via toda a verdade e julgava tudo segundo Deus e dirigia a Deus toda a Sua conduta.
“Nada posso fazer de mim mesmo, dizia ele, julgo segundo o que ouço; e o meu juízo é justo, porque não procuro a minha vontade, mas a daquele que me enviou” (Jo 5, 30)
Em Deus vê o nada das riquezas e o perigo em que lançam os que as procuram, e exclama:
“Que adianta ao homem ganhar o universo, se vier a perder a sua alma?” (Mt 16, 26)
“Bem-aventurados os pobres de espírito” (Mt 16, 3), e por isso Ele será o primeiro dos pobres, Ele, que é o Rei dos reis.
Em Deus vê a excelência dos sofrimentos, como eles nos desapegam da terra e nos elevam a Deus, e exclama:
“Bem-aventurados os que choram , bem-aventurados os que sofrem perseguições por amor da justiça e para dar-nos o exemplo ele será o homem das dores e passará sua vida na perseguição e nos opróbrios”
Ele contempla a bondade de Deus que vela com a mais terna solicitude sobre Suas criaturas, e diz-nos:
“Por que vos atormentais a respeito do vosso sustento e das necessidades da vida? O vosso Pai celeste não sabe, acaso, o que necessitais e seria pior para vós do que para os pássaros do céu? Procurai antes de tudo o reino de Deus e a sua justiça e o resto vos será dado de acréscimo” (Mt 6)
Abandonando-se à Providência, Ele esperava de Seu Pai o alimento de cada dia e não tinha onde repousar a cabeça.
Seria bom acompanhar assim a nosso Senhor em todo o Evangelho; mas cada qual pode provar, à sua vontade, os ensinamentos do Salvador e reencontrá-los nos exemplos que Ele nos deu. O que acabamos de dizer basta para mostrar como nosso Senhor é o modelo que nos devemos esforçar por reproduzir em nós pelo exercício da fé. Por uma fé sempre mais viva penetrar-nos-emos de Seu espírito e de Seus divinos pensamentos, para depois traduzi-los em nossa conduta, copiando os Seus exemplos e virtudes.
VII. A Prática da Fé
Temos visto o fim a atingir, o ideal a realizar: como chegar lá praticamente? O cristão deve, pela fé, participar do espírito de Jesus Cristo, pensar como Jesus, para viver e agir como Jesus. Como dirigirá ele os esforços que o aproximarão do seu modelo?
É, sobretudo na oração e pela oração que ele deve, com o socorro da graça divina, menos pela reflexão do que por atos de fé firme e por súplicas ardentes, atrair os pensamentos, as luzes do seu divino modelo. Aplique-se, pois, particularmente durante este mês, em qualquer assunto que meditar, a multiplicar os atos de fé e a dar-lhes toda a perfeição possível.
Às vezes esses atos abrangerão em geral toda a doutrina revelada:
“Meu Deus, creio firmemente tudo o que crê e ensina a santa Igreja, porque Vós, que Sois a verdade infalível, lho revelastes. Sinto-me feliz, meu Deus, por submeter-Vos a minha razão; porque Vos amo, sei que me amais e que para meu bem é que Vos dignastes instruir-me”
Outras vezes esses atos terão por objeto algum ensino particular do Salvador, alguma verdade particular, que no momento será mais útil para reavivar a fé, por exemplo, numa provação ou tentação. Repitamos então:
“Sim, meu Deus creio em Vossa palavra; creio, mas socorrei a minha incredulidade; creio, mas dai-me uma fé mais viva, mais esclarecida, mais prática; fazei, meu Deus, que conforme a minha vida à minha fé”
Esse exercício da oração produzirá, porém, pouco fruto — e, aliás, não perduraria muito tempo — se a alma não tiver cuidado de estender sua influência salutar para o dia inteiro. Conservando-se, pois, pelo recolhimento unido a Deus e particularmente a Jesus Cristo, seja presente em toda parte como Deus, seja habitando mais especialmente no Santíssimo Sacramento, ela renovará de tempo em tempo, rapidamente, porém com fervor, o ato interior da sua oração.
Os outros exercícios de piedade os fará igualmente com uma fé mais viva, uma união a Deus mais perfeita e com o fim de obter um aumento de fé.
A alma de boa vontade esforçar-se-á, além disso, para sobrenaturalizar toda a sua vida, dando a cada uma de suas ações um motivo de fé, perguntando-se, por exemplo, antes de cada ação principal:
Que exige de mim Jesus Cristo neste momento? Que quer Ele que eu faça? E em que espírito o quer que eu o faça?
Examinar-se-á, enfim, lealmente para ver o que em sua vida é menos conforme a fé ou mais em oposição à fé, ao espírito de Jesus Cristo. Por exemplo: Não procedeu ela em tal circunstância por espírito natural? Vê ela nessa provação a mão de Deus?… E então, dirigindo desse lado os seus esforços, multiplicará nesse ponto os seus atos de fé, implorando de Deus a luz e a força de agir em conformidade com a fé.
VII. Máximas da Fé dignas de frequente ponderação
Santo Afonso separou-nos diversas citações das Sagradas Escrituras e frases dos Santos com o intuito de avivarmos sempre a nossa fé. Tomemo-las sempre conosco no decorrer deste mês e por toda a vida!
Frases da Bíblia sobre a Fé
— “Que aproveita ao homem ganhar o inundo inteiro, se vier a perder a sua alma?” (Mt 16, 26).
— “Em todas as tuas obras recorda-te de teus novíssimos, e não pecarás jamais” (Ecle 7, 40).
— “Os sofrimentos da vida presente, não têm proporção alguma com a glória futura que se manifestará em nós” (Rm 8, 18).
— “As tribulações tão curtas e tão ligeiras da vida presente produzem em nós um peso eterno de uma sublime e incomparável glória” (2 Cor 4, 17).
— “O reino dos céus padece força, e os que fazem violência são os que o conquistam” (At 11, 12}.
— “A sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus” (1 Cor 3, 19).
— “Quem quiser salvar sua alma, perdê-la-á; mas o que quer perder a sua alma, por amor de mim, salvá-la-á” (Mt 16, 25).
— “Quem quiser vir após mim, abnegue-se a si mesmo e tome a sua cruz e siga-me” (Lc 9, 23).
— “Os que são de Cristo, crucificaram sua carne com seus vícios e concupiscências” (Gl 5, 24).
— “Quem ama pai e mãe mais do que a mim, não é digno de mim” (Mt 10, 37).
— “Se procurasse ainda agradar aos homens, não seria servo de Cristo” (Gl 1,10).
— “Perdoai, e ser-vos-á perdoado” (Lc 4, 57).
— “Quem perseverar até ao fim, será salvo” (Mt 10, 22).
— “Nenhum que põe a mão no arado e olha para trás é apto para o reino de Deus” (Lc 9, 62).
Frases de Santos sobre a Fé
— Um momento do tempo é tão precioso como o próprio Deus (São Bernardino de Sena)
— Só és tanto quanto vales aos olhos de Deus (São Francisco de Assis)
— Quem perseverar na oração, será por Deus conduzido ao porto de salvação, apesar de sua miséria própria (Santa Teresa)
— Quem faz pouco caso da oração, não precisa de um demônio para lançá-lo no inferno; precipitar-se-á nele por si mesmo (Santa Teresa)
— Nunca se perdeu uma pessoa verdadeiramente obediente (São Francisco de Sales)
— Quem obedece ao confessor, não dará contas a Deus de suas ações (São Filipe Néri)
— Quem não procura salvar sua alma, é um louco (São Filipe Néri)
— No combate contra a carne, vencem os medrosos, que fogem da ocasião (São Filipe Néri)
— Quem procura bens terrenos, nunca levará uma vida agradável a Deus (São Filipe Néri)
— Quem toma sobre si a sua cruz, não a sente; só percebe o seu peso quem, constrangido, a arrasta (Santa Teresa)
— Quem se propõe a tudo sofrer por amor de Deus, nada mais sofre (Santa Teresa)
— As adversidades suportadas por Deus são as mais belas pérolas na coroa dos bem-aventurados.
— Quem confia em Deus, poderá tudo.
— Todos os padecimentos tornar-se-ão em consolações para os que amam a Deus.
— A cruz é o navio que te conduzirá ao porto da salvação.
— Quem ama os bens deste mundo, torna-se escravo deles; quem os despreza, senhor, porque quem nada deseja, tudo possui.
— Quem não deseja senão o que Deus quer, está sempre satisfeito, porque tem sempre o que deseja.
— Quem possuir o mundo inteiro sem Deus, nada possui; quem possui a Deus, tudo possui, ainda que nada tenha deste mundo.
— O pecado é o único mal verdadeiro. O amor-próprio é o maior inimigo que podemos ter.
— Todos os bens do mundo não satisfazem o coração do homem; só Deus o preenche.
— Só Deus é fiel; o mundo é um traidor, que promete e não cumpre com sua palavra.
— Só Deus nos ama em verdade: os homens, quase sem exceção, nos amam por interesse pessoal.
— Para se salvar é necessário que se viva segundo as máximas do Evangelho e não conforme os princípios do mundo.
— Quem não conforma sua vontade com a de Jesus Cristo, não se poderá salvar.
— Quem pede, alcança tudo.
— Tudo o que Deus quer é bom.
— Quem começa a praticar o bem, mas desiste antes da morte, não se salvará.
VIII. Avisos práticos para o exercício de uma Fé viva
Santo Afonso nos ensina como elevar a nossa Fé nas mais diversificadas situações do cotidiano. Peçamos-lhe a graça de bem praticá-las!
— Quando vires uma imagem do Crucificado, dize: É, pois, verdade, meu Deus, que morrestes por amor de mim.
— Quando vires uma ovelha levada ao matadouro, recorda-te, com São Francisco, do inocente Jesus, conduzido da mesma forma à morte.
— Quando vires cordas, espinhos, cravos, põe diante dos olhos tudo o que Jesus sofreu durante sua paixão.
— Quando vires serras, martelos, machados, plainas, considera como Jesus, em Sua mocidade, trabalhava como carpinteiro na oficina de Nazaré.
— Quando vires uma gruta, manjedoura ou palha, pondera como o Menino Jesus, por amor de ti, nasceu em uma gruta e foi colocado em uma manjedoura, sobre palhas.
— Quando atravessares uma região deserta, lembra-te dos desertos que atravessou o Menino Jesus em Sua fugida para o Egito.
— Quando vires altares, cálices, paramentos sagrados, ou, nos campos, as espigas de trigo e os cachos de uva, reflete no grande amor que nos mostrou Jesus, instituindo o Santíssimo Sacramento do altar.
— Quando contemplares o céu estrelado, pensa que uma vez possuirás a Deus, nessas regiões, se O amares aqui na terra.
— Quando te alegrares com a vista de jardins recamados de flores, de paisagens magníficas, ou de soberbas praias do mar, pensa que Deus preparou para os que O amam delícias muito maiores.
— Quando vires o mar bonançoso ou irado, vê nele a imagem de uma alma que se acha no estado de graça ou desgraça de Deus.
— Quando ouvires roncar o trovão e tremeres de pavor, representa-te como os ímpios tremerão uma vez, ao escutarem os trovões da justiça divina.
— Quando vires um criminoso tremer diante de um juiz, pensa no terror que se apoderará do pecador, ao aparecer diante de Jesus Cristo.
— Quando vires uma daquelas fornalhas em que o bronze mais duro se torna líquido pela veemência do fogo, pondera que por teus pecados merecerias ser queimado eternamente nas chamas do inferno.
— Quando encontrares uma árvore seca, representa-te o triste estado de uma alma que vive separada de Deus e que para mais nada serve que para ser consumida pelo fogo do inferno.
— Quando vires um soberbo túmulo, dize contigo: Se este homem estiver condenado, que lhe aproveita esse magnífico mausoléu?
— Quando vires um relógio, como sempre caminha sem voltar para trás, pensa que tua vida se aproxima cada vez mais do termo.
— Quando encontrares um cortejo fúnebre, pondera que um dia também serás assim levado para o túmulo.
— Quando te achares em teu quarto, ou te deitares, pensa que Jesus Cristo, talvez nesse mesmo lugar, te há de julgar um dia.
IX. Orações para alcançar a Fé
Eis, por fim, algumas orações de Santo Afonso para crescermos na fé.
Ato de Fé
Creio, ó meu Deus, em todas as verdades de fé que a Igreja me propõe para crer, porque Vós, verdade infalível, lhas revelastes. Creio principalmente que Sois meu Deus, Criador e Senhor de todas as coisas, e que, durante a eternidade, recompensais os justos com o paraíso e punis os pecadores com o inferno. Creio que Sois um na substância e trino em pessoas, Pai, Filho e Espírito Santo, três pessoas divinas, mas um só Deus. Creio que Deus Filho, a segunda pessoa da Santíssima Trindade, para nos salvar e resgatar dos nossos pecados, Se fez homem, tomando o nome de Jesus Cristo, e morreu na cruz. Creio que a Santíssima Virgem Maria foi concebida sem pecado, é verdadeiramente Mãe de Deus, e Virgem antes do parto, no parto e depois do parto. Creio que Jesus Cristo, no terceiro dia depois da Sua morte, ressuscitou pela Sua própria virtude, e, depois de quarenta dias, subiu ao céu, onde está sentado à direita do Seu Pai eterno, quero dizer, Lhe é igual em majestade e glória. Creio que Jesus Cristo, no último dia, quando todos os homens ressuscitarem, virá julgá-los. Creio que a Igreja Católica Romana é a única verdadeira Igreja, fora da qual ninguém se salvará. Creio na autoridade suprema do Pontífice romano, representante visível de Jesus Cristo na terra. Creio na Comunhão dos Santos, isto é, que todo o fiel em estado de graça participa dos merecimentos de todos os justos. Creio nos sete sacramentos, pelos quais a graça de Jesus Cristo nos é comunicada, e especialmente no sacramento do Batismo, que lava a alma e a livra do pecado, infundindo-lhe a graça de Deus; no sacramento da Penitência pelo qual os pecados são perdoados aos que se chegam a ele arrependidos; e no sacramento da Eucaristia, no qual se recebem realmente o Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo. Creio nos dez mandamentos do Decálogo. Creio, enfim, em tudo o que crê a Santa Igreja. Graças Vos dou, ó meu Deus, por me terdes feito cristão, e protesto querer viver e morrer nesta santa fé.
Ato de Fé – mais curto
Ó meu Deus, creio tudo o que a Igreja me manda crer, porque Vós Sois o que lho revelastes. Não pretendo compreender os mistérios: eles estão acima da minha inteligência; para mim basta que os tenhais revelado. Peço-vos, Senhor, aumentar a minha fé.
Ato de Fé Amorosa
Amadíssimo Redentor meu, ó vida da minha alma, creio que Sois o único bem digno de ser amado. Creio que Sois o mais fiel amigo da minha alma, porque só Vós quisestes, pelo meu amor, morrer consumido de dores. Creio que, nesta vida e na outra, não há felicidade igual a de Vos amar e fazer a Vossa vontade. Sim, firmemente creio estas verdades, e, porque as creio e quero ser todo Vosso e a Vós só possuir, renuncio tudo o que Vos pode desagradar. Pelos merecimentos da Vossa Paixão, ajudai-me e tornai-me tal qual Vós o quereis. Ó verdade infalível, em Vós creio. Ó misericórdia infinita, em Vós espero. Ó bondade infinita, eu Vos amo. Ó amor infinito, que Vos destes todo a mim na Vossa Paixão e no Sacramento do altar, hoje me dou todo a Vós.
Oração para agradecer a Deus o Dom da Fé
Ó Salvador do mundo, graças Vos dou no meu nome e no de todos os fiéis, meus irmãos, por nos terdes chamado e admitido a vivermos na verdadeira fé que ensina a Santa Igreja Católica Romana. “Deus boníssimo, dir-vos-ei com São Francisco de Sales, grandes e numerosos são os benefícios com que me haveis infinitamente obrigado e por eles Vos dou as mais cordiais ações de graças; mas como Vos poderei agradecer suficientemente o me terdes esclarecido com as luzes da santa fé? Tremo, Senhor, comparando a minha ingratidão com tão grande benefício”. Ó meu Senhor, eu Vos dou quantas graças posso por este grande dom, e fazei conheçam todos os homens a beleza da Vossa santa fé. A tendei-me.
Oração a Maria
Ó Mãe de Deus, aumentai nossa fé.
Voltar para o Índice do livro As Doze Virtudes para cada mês do Ano
(OMER C.SS.R., Padre Saint. Escola da Perfeição Cristã para Seculares e Religiosos: Obra compilada dos escritos de Santo Afonso Maria de Ligório, Doutor da Igreja. Editora Vozes, 1955, p. 107-118)
(AZEVEDO C.SS.R., Padre Oscar das Chagas. As Doze Virtudes para cada Mês do Ano. Editora Vozes, p. 5-17)
(OMER C.SS.R., Padre Saint. As Mais Belas Orações de Santo Afonso: Edição atualizada e acrescida de novos exercícios e orações. Editora Vozes, 1961, p. 293-296)
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Leo
Hoje, dia 15 do mês 1 de 2021, eu começo esses exercícios. Que Deus nos ajude a nos manter perseverantes.