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A Cruz, Salvação e Consolação do Cristão

Meditação para a Terça-feira da Paixão. A Cruz, Salvação e Consolação do Cristão

Meditação para a Terça-feira da Paixão

SUMARIO

Meditaremos quanto devemos amar a cruz:

1.º Porque é a nossa salvação;

2.° Porque é a nossa consolação nas penalidades da vida.

— Tomaremos depois a resolução:

1.° De nos conservarmos habitualmente pelo pensamento ao pé da cruz durante estes santos dias e de a beijarmos muitas vezes;

2.° De recorrermos à cruz em todas as nossas tribulações.

O nosso ramalhete espiritual será a palavra de São Paulo:

“Estou encravado com Cristo na cruz” – Christo confixus sum cruci (Gl 2, 19)

Meditação para o Dia

Prostremo-nos junto de Jesus Crucificado; beijemos com amor os Seus sagrados pés. É aí que a alma cristã acha com abundância a salvação para a eternidade e a consolação para a vida presente, isto é, a felicidade do céu e a felicidade da terra. Prestemos a Jesus Crucificado adoração, amor, ações de graças e benção.

PRIMEIRO PONTO

Devemos amar a Cruz, porque é a nossa Salvação

Há duas espécies de cruzes; a cruz de Jesus Cristo, em que Ele morreu, e a nossa cruz pessoal, que consiste nas nossas penalidades quotidianas. Ora estas duas espécies de cruz merecem todo o nosso amor porque são a causa e o instrumento da nossa salvação!

1.° A cruz de Jesus Cristo: pois que sem ela, filhos da ira e escravos do demônio por nosso nascimento, estávamos para sempre perdidos; e por ela Jesus Cristo derribou as potestades infernais, lhes arrancou das mãos, diz São Paulo (1), o decreto que nos condenava, aboliu-o com o Seu sangue e encravou-o na cruz, a fim de que nenhuma mão possa retomá-lo. Prendeu à Sua cruz, como ao Seu carro de triunfo, as potestades inimigas; despojou-as e arrastou-as cativas: de sorte que hoje salva-se quem quer. A cruz faz correr em toda a Igreja, pelos Sacramentos, pelo Santo Sacrifício, pelos santos pensamentos e piedosos movimentos, todas as graças de que ela é a fonte e o inexaurível oceano; oferece a todos perdão para o passado, valor para o presente, confiança para o futuro. Não é isto bastante para merecer todo o nosso amor?

2.º Devemos amar a nossa cruz pessoal, porque a de Jesus Cristo elevou-a à insigne honra de ser o meio mais eficaz de perfeição e o penhor da nossa eterna esperança. A paciência, que sofre a cruz, diz São Tiago, é a perfeição, é uma perfeição sólida porque foi provada no crisol (2). É, segundo São Paulo, a consumação da fé (3). É o penhor e a alegria da esperança. Por uma momentânea e leve tribulação, um peso imenso de glória (4). Depois da prova, a corôa da vida (5). É uma das bem-aventuranças proclamadas por Jesus Cristo:

“Bem-aventurados os que padecem” – Beati qui patiuntur (Mt 5, 10)

É uma graça especial, que Deus envia aos Seus melhores amigos; ela põe-os na estrada real do céu. Basta uma pouca de fé nas palavras do Salvador para se apreciar uma boa cruz mais que todas as riquezas, uma boa afronta cristãmente suportada mais que todas as honras, as humilhações mais que todas as corôas, a ignomínia mais que todos os aplausos, o vitupério mais que todos os louvores. Por isso o Evangelho nos diz: Aceitai os trabalhos da vida não somente com paciência, mas também com alegria (6). E São Tiago acrescenta:

“Aceitai-as com toda a espécie de alegria, isto é, com a alegria do pobre, que recebe imensas riquezas, com a alegria do homem do povo, que recebe urna corôa, com a alegria do lavrador, que colhe uma rica messe, com a alegria do negociante, que tem um grande lucro, com a alegria do general, que alcança uma grande vitória” – Omne gaudium existimate… cum in tentationes varias incideris (Tg 1, 2)

Assim têm pensado todos os santos: São Paulo, quando dizia: «Eu exubero de gozo em toda a tribulação» (7); e Santo André quando, vendo a cruz, soltava este grito de amor:

«Ó boa cruz, sê bem-vinda, assim como és bem desejada!» – O bona crux… diu, desiderata, sollicite amata, sine intermissione quaesita

São estes os nossos sentimentos?

SEGUNDO PONTO

Devemos amar a Cruz, porque é a nossa Consolação nas Penalidades da Vida

Um pagão tinha adivinhado esta verdade que, aceitando de boa vontade as tribulações, se suavizavam (8). Antes dele, o Espírito Santo havia dito:

“Não entristecerá, ao justo coisa alguma, seja o que for o que lhe acontecer” – Non cintristabit justum quidquid ei acciderit (Pr 12, 21)

Que será então sob a lei nova, em que Jesus Cristo Crucificado se apresenta à alma aflita para lhe dizer: Pobre alma, consola-te; eu compadeço-me das tuas dores; sei o que o padecimento custa à natureza. Passei como tu pela prova; e se para te consolar precisas de um amigo que conheça o que é padecer, eu possuo no mais alto grau este carácter do verdadeiro consolador. Em outro tempo, um grande monarca e os seus ministros aprisionados na guerra, foram estendidos por um cruel vencedor sobre brasas. O ministro soltava altos gritos: E eu, lhe diz o monarca, estou sobre um leito de rosas? Posso dizer-te o mesmo, ó alma aflita! Vê a minha cabeça coroada de espinhos, todo o meu corpo dilacerado, toda a minha pessoa votada à ignomínia: sofri tudo isto por amor de ti; não quererias sofrer infinitamente menos por amor de mim? Quando eu esgotei o cálice, recusarias provar ao menos algumas gotas dele? Ânimo! Tem paciência: reinarás um dia comigo; vem para o trono pelo mesmo caminho. Une-te a mim, que sou o teu Deus, e padece por amor de mim (9).

Obrigado, meu Deus, por este precioso bálsamo, que derramais nas minhas feridas. Ah! Vós sois efetivamente o consolador da alma aflita. Ó santo crucifixo! Eu tomo-te com ambas as mãos, chego-te ao meu coração e aos meus lábios, e sinto-me consolado.

Resoluções e ramalhete espiritual como acima

Referências:

(1) Delens quod adversas nos erat chirographum decreti, quod erat contrarium nobis, et ipsum tulit de medio, affligens illud cruci; et expolians principutus et potestates, traduxit confidentur, palam triumphans illos in semetipso (Col 2, 14ss)

(2) Patientia opus perfectum habet (Tg 1, 4)

(3) Vobis donatum est pro Christo, non solum ut in eum credalis, sed etiam pro illo patiamini (Fl 1, 29)

(4) Momentaneum et leve tribulationis nostrae, supra modum in sublimitate aeternum gloriae pondus operatur (2Cor 4, 17)

(5) Beatus vir qui suffert tentationem: quoniam, cum probatus fuerit, accipiet coronam vitae, quam repromisit Deus diligentibus se (Tg 1, 22)

(6) Gaudete et exultate (Mt 1, 12)

(7) Superabundo gaudio in omni tribulatione (2Cor 7, 4)

(8) Fit levius patientia quidquid corrigere est nefas (Horat.)

(9) Conjungere Deo, et sustine (Eclo 2, 3)

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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo II, p. 189-193)