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A Comunhão

Uma criança recebendo a Santa Comunhão das mãos do Papa Emérito Bento XVI
Não leu o capítulo anterior? Leia agora mesmo: “O Sacrifício Eucarístico

1. Natureza e efeitos da Comunhão

Foi dito precedentemente que a Comunhão é o melhor modo de se participar da Santa Missa; por que?

Porque, por ela, entramos em união sacramental, espiritual, a mais íntima possível, com Jesus Cristo-Vítima. Ora, a participação à Missa, no seu mais profundo sentido, consiste precisamente numa união intensa com a Vítima do altar.

De fato, a comunhão, feita como deve ser feita, importa na mais íntima união com Cris¬to Vítima. Como deve ser feita, ela não consiste somente em receber distraidamente a hóstia. Consiste, sim, em recebê-la com disposições sobrenaturais de fé e de caridade e em dar-se também a Nosso Senhor numa entrega total. Só assim se efetua, de fato, uma comunhão, ou seja, união mútua de vida, de sentimentos e de amor.

Cristo instituiu um Sacrifício que reproduz e rememora o Sacrifício do Calvário e o instituiu para que dele participássemos em aprazível ceia. À semelhança dos sacrifícios mais solenes da antiguidade, em que os ofertantes participavam comendo a Vítima, assim quis o Senhor nos rejubilássemos à sua mesa sacrifical.

A Eucaristia é o Sacrifício de que devemos participar comendo a carne santíssima da Vítima. As palavras da sua instituição o declaram explicitamente:

“Tomai e comei. Isto é o meu Corpo, que será entregue por vós”. — “Tomai e bebei. Este é o cálice do Novo Testamento em meu Sangue que será derramado por vós” (Mt 26, 26 e 28; Mc 14, 22-24; Lc 22, 19-21)

O Corpo que é entregue (i. é., em imolação) designa o Sacrifício; igualmente, o Sangue que é derramado. As formas; “comei” e “bebei” designam a participação à Vítima do inefável Sacrifício.

Comungar é, portanto, fundamentalmente, participar da Vítima do Sacrifício Eucarístico. Daí se vê que não existe melhor modo de nos integrarmos plenamente no espírito da Sta. Missa do que comungando com fervor na Missa a que assistirmos.

Toda vez que comungamos, entramos em união com Jesus Vítima do Sacrifício Eucarístico? Mesmo comungando fora da Missa?

Exatamente. A Comunhão é sempre uma participação do Sacrifício místico de Nosso Senhor. Notemos que Ele instituiu este Sacramento sob a forma precisa de Sacrifício.

Ainda em separado da Missa a Comunhão tem relação íntima com a Missa: relação de origem e relação de fim.

A hóstia que comungamos só tem origem sob a forma sacrifical, na Missa. O fim a que se ordena a sua manducação é pôr o comungante em contato com a Vítima do altar.

Portanto, toda Comunhão nos une a Jesus Cristo que se fez Vítima por nós na Santa Missa, e nos torna participantes de algum modo aos frutos do Sacrifício.

E nem pareça estranha à doutrina da Igreja tal afirmação. Ela é formalmente ensinada por Pio XII na “Mediator Dei”, quer citando Bento XIV (Enc. “Certiores Effecti“) quer falando de própria autoridade.

Entretanto, não se infira daí que a Comunhão fora da Missa inclui por si só assistência à Missa. Entrar em união com Cristo Vítima não é o mesmo que assistir à Missa. Pode-se assistir à Missa e não entrar em nenhuma união com a Vítima dos altares, como fazem tantos cristãos relaxados… E pode o bom católico, sem assistir à Santa Missa, unir-se muito de coração à Vítima que nela se imola, comungando seja sacramentalmente, seja espiritualmente.

Que diferença existe entre Comungar «Sacramentalmente» e Comungar «Espiritualmente»?

Comungar “Sacramentalmente” é unir-se a Jesus Cristo pela recepção física do Sacramento do altar, à maneira de alimento. Comungar “Espiritualmente” é ativar em si o piedoso desejo de unir-se a Jesus Cristo presente no Santíssimo Sacramento.

Notemos que a Comunhão Espiritual encerra as disposições que se fazem mister para que a Comunhão Sacramental seja frutuosa.

De feito, esta — que é recepção física do sacramento — pode vir a ser até sacrílega se a alma não tiver as disposições espirituais indispensáveis.

Não será profícuo este Sacramento a quem não se dispuser para torná-lo fecundo. E esta disposição é o desejo de unir-se mais e mais a Cristo. Temos, assim, que a Comunhão Espiritual é disposição para a Comunhão Sacramental.

Sintetizando, podemos dizer: a Comunhão Sacramental nos une sacramentalmente a Cristo; a Comunhão Espiritual nos une a Ele espiritualmente; mas serão inaproveitados os frutos de uma união simplesmente sacramental para aquela alma que não logra a união espiritual perfeita.

Pode uma alma unir-se a Cristo sacramentalmente de maneira ineficaz? Como assim?

A alma pode unir-se a Cristo sacramentalmente não só de maneira ineficaz, mas até de maneira prejudicial.

Unir-se sacramentalmente a Cristo é unir-se-lhe pela recepção física da hóstia. Esta recepção física da hóstia une, necessariamente, a alma com a Pessoa de Jesus Cristo. E esta união com a Pessoa de Cristo (que é o efeito imediato deste Sacramento) produzirá na alma o aumento de graça santificante e outros maravilhosos efeitos supondo-se que a alma está em estado de graça e se dispôs espiritualmente à fecundidade da união com Cristo.

Não estando disposta espiritualmente, a união com Cristo é ineficaz; não se achando em estado de graça, a união com Cristo é antes profanação da “coisa sagrada”, redundando prejudicial à alma.

Usando de uma analogia perfeita: a Eucaristia é alimento. O alimento só aproveita ao ser vivo. E tanto mais o nutrirá quanto melhores suas disposições ao tomá-lo.

Mas quem recebe a hóstia indignamente se une à pessoa de Cristo?

Perfeitamente. A recepção da sagrada hóstia importa, necessariamente, na união real com Jesus Cristo. Estando Ele realmente presente sob as espécies sacramentais, quem recebe estas em si não pode deixar de se unir ao Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Cristo.

Entretanto, tal união, longe de ser benéfica ao sacrílego, torna-se-lhe veneno espiritual para a alma. Por isto São Paulo diz que “quem come e bebe indignamente este alimento, come e bebe a sua própria condenação”.

Como entender esta união de Cristo ao comungante, principalmente com respeito à Humanidade Santa de Cristo? Como pode Cristo estar dentro do próprio homem?

Não há de ser a imaginação, por mais fértil e engenhosa, que possa fornecer elementos para a compreensão do mistério da união eucarística.

Antes de tudo, lembremos o princípio geral que enunciamos precedentemente a respeito do modo de presença de Cristo na Eucaristia: Cristo está presente no Sacramento à maneira de substância, ou, se quisermos, a modo de espírito. É sua Humanidade, seu Corpo real, que aí está, porém glorioso, espiritualizado.

Para Cristo glorioso não existem óbices na matéria. Assim como Ele entrou no Cenáculo após a ressurreição estando fechadas as portas (João, 20, 26), assim também, ao descerem as sagradas espécies em nossas entranhas, a Sua verdadeira Pessoa, substancialmente presente sob estas espécies, sem que a matéria do nosso corpo lhe constitua empecilho, está em nós e se une à nossa alma e, por ela, a todo o nosso ser.

Como é que a alma está em nós e se irradia por todo o nosso corpo, vivificando-o? Pois bem: de igual maneira, a Humanidade Santa de Cristo como que invade e penetra por todos os poros o nosso ser, nos instantes em que se acham em nós as sagradas espécies.

Quanto tempo dura esta maravilhosa união de Cristo com o comungante?

Esta maravilhosa união perdura enquanto subsistirem incorruptas as sagradas espécies.

Já vimos precedentemente que a presença de Cristo na hóstia, porque é a modo de substância, se condiciona aos acidentes, sob os quais a substância existe; enquanto houver acidentes de pão (que denunciariam a substância própria se esta não se houvera mudado no Corpo de Cristo) sob eles continua presente a Santa Humanidade, e, portanto, enquanto eles persistem, perdura a maravilhosa união da alma com o Senhor.

Desmanchada as espécies sacramentais, cessa a união com Cristo?

Desmanchadas as espécies sacramentais, cessa a união sacramental, a presença física de Nosso Senhor. Se, porém, a alma comungou em estado de graça, continua a união mística, união sobrenatural, entre a alma e Jesus Cristo.

Pela graça estamos verdadeiramente unidos a Deus. Também unidos a Cristo. Esta união, entretanto, é diversa da união sacramental, como já explicámos no início desta obra (1). Não é união física, mas união espiritual somente. Dela nos fala Jesus Cristo como efeito perdurante da sagrada comunhão:

“Quem come a minha carne… permanece em mim e eu nele”

E depois:

“Como meu Pai que vive me enviou, e eu vivo pelo Pai, assim quem me come a mim também viverá por mim” (João, 6, 57)

Então, além da união sacramental com Cristo, a Comunhão produz aumento da união sobrenatural pela graça?

Precisamente. Aquele que já possui a graça, ou união sobrenatural com Cristo, ao comungar recebe aumento desta união, aumento que lhe advém do fato de se unir sacramentalmente a Cristo.

Há, pois, de modo geral, duplo efeito na recepção condigna da Eucaristia: a alma se une à pessoa mesma de Jesus Cristo, Autor da graça, e recebe acréscimo de graça santificante.

A graça que a Eucaristia nos traz é a mesma dos outros sacramentos?

Há que distinguir: todo sacramento confere uma graça que lhe é própria e que os outros não conferem e produz ainda a graça santificante, ou seu aumento.

Se todo Sacramento produzisse somente a graça santificante, ou seu acréscimo, não haveria motivo de serem sete os Sacramentos; bastaria um, que faria o mesmo efeito dos sete. É de supor-se, que cada um encerre uma graça que lhe é peculiar.

Na Eucaristia a graça especial é a união com Cristo e com o seu Corpo Místico, — dizem os teólogos.

De acordo com estes princípios, devemos dizer que a graça própria, peculiar, que a Eucaristia nos traz, não é a mesma dos demais Sacramentos.

O acréscimo de graça santificante produzido na recepção da Eucaristia é, sim, a mesma graça santificante dada ou acrescida nos outros Sacramentos. Mas, além deste acréscimo de graça santificante, e como título exigitivo dele, a Comunhão causa à alma uma graça peculiar, que só a Comunhão lhe pode causar: une-a com Cristo Jesus pessoalmente, e, por Ele, une-a sobrenaturalmente a todos os membros do Corpo Místico. É esta a graça sacramental própria da Eucaristia.

Por que e de que modo a recepção da Eucaristia une a alma também aos membros do Corpo Místico?

A graça sacramental própria deste Sacramento — repitâmo-lo — é a união com Cristo e, por Ele e nEle, com os membros de seu Corpo Místico. Ficará isto bem patente se considerarmos a índole peculiar da divina Eucaristia, que já observamos de início (2): ela é o Sacramento social da Igreja.

Cristo não quis instituir este adorável Sacramento para benefício exclusivo de cada indivíduo, como se deve dizer, por exemplo, a respeito da Penitência. A Penitência é para uso exclusivo de cada cristão que dela necessitar. A Eucaristia, ao contrário, é o Sacramento da unidade do Corpo Místico, observam os Santos Padres. Nosso Senhor quis instituí-la — ainda que beneficiando a cada um individualmente — para beneficiar a Igreja toda.

Por isto é este Sacramento confeccionado dentro do Sacrifício, ação cultual de toda a Igreja, ato oficial litúrgico da coletividade do Corpo Místico.

Por isto ainda é ele um Sacramento permanente; enquanto os mais existem só no instante em que são conferidos, a presença física do Corpo de Cristo, que é essencial a este Sacramento, não existe só no instante da Consagração, mas permanece e é conservada para toda a Igreja.

De igual maneira quis também Jesus Cristo que este Sacramento não só nos unisse a Ele, Cabeça, mas a todos os membros, sobrenaturalmente, por uma graça que lhe é toda particular. Assim, este Sacramento é, na verdade, o Sacramento da união do Corpo Místico, segundo aquela palavra de São Paulo aos Coríntios:

“Nós somos um só Corpo, nós todos que participamos de um só pão” (I Cor 10, 17)

O “porque” deste efeito peculiar da Eucaristia está na vontade de Nosso Senhor que para isto a instituiu; o “como” desta união está no fato de a Eucaristia nos dar pessoalmente Jesus Cristo, Cabeça, que é a fonte da vida circulante em todos os membros.

Além destes efeitos, produz outros ainda a recepção da Eucaristia?

Sim. Além da união com Cristo e com o Corpo Místico, a Eucaristia produz na alma todos aqueles efeitos que ela deve produzir como alimento espiritual, como memorial da Paixão de Cristo e como penhor da imortalidade futura, segundo as palavras de Nosso Senhor.

É o que a Santa Igreja ensina em sua liturgia rezando, após a Comunhão distribuída fora da Missa:

“Ó sagrado convívio, em que se toma por alimento a Cristo! Recolhe-se aí a memória de sua Paixão, enche-se-nos a alma de graça, e dá-se-nos o penhor da glória futura!”

1. A Eucaristia é alimento. Cristo a instituiu sob esta forma:

“Tomai e comei!”…

Logo, deve alimentar, robustecer, aumentar a vida. Não a vida material, pois se trata de alimento espiritual. A Eucaristia fortifica e aumenta a vida espiritual, que é Cristo mesmo:

Ego sum resurrectio et vita” (João 2, 25)

Noutras palavras: aumenta a graça — vida sobrenatural da alma.

Como alimento também, a Eucaristia comunica forças para a resistência às paixões. Principalmente às paixões da carne. A Eucaristia é o grande antídoto da impureza, já assegurara, veementemente, Leão XIII. (Enc. “Mirae caritatis“).

Que se acerquem da mesa sagrada os jovens assediados pelo demônio da sensualidade e aí, no contato sacramental com a carne santíssima de Nosso Senhor, receberão de certo a forca invencível deste “trigo dos eleitos” e deste “vinho que faz germinar virgens”, segundo a palavra da Escritura — (Zc 9, 17).

2. A Eucaristia é o memorial da Paixão. Não somente no instante da Missa, em que se reproduz misticamente o Sacrifício do Calvário, mas ainda fora dela, o divino Sacramento tem relação íntima com a Paixão de Cristo:

“Todas as vezes que comerdes deste pão… anunciareis a morte do Senhor até que Ele venha de novo” — diz São Paulo (I Cor 11, 26)

Ora, a Paixão de Cristo tem como fruto a nossa reconciliação com Deus. Aplaca-lhe a justa ira causada pelos nossos pecados. Assim, cada vez que comungamos, (se o fazemos bem dispostos), reconcilia-se Deus conosco e se dispõe a nos conceder maiores favores.

Ora, reconciliar-nos é perdoar-nos. A Eucaristia perdoa, portanto, nossos pecados cotidianos. Não perdoa, ordinariamente, os pecados mortais, pois para perdoar estes foi instituído o Sacramento da Penitência. Mas a Eucaristia perdoa os pecados veniais. E, anormalmente, se o homem em pecado mortal recebesse o Sacramento da Eucaristia estando de boa fé, a união com Cristo importaria na remissão da culpa mortal.

3. A Eucaristia é penhor da imortalidade futura e da própria ressurreição. Foi Cristo quem disse nas promessas deste divino alimento:

“Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia” (João, 6, 54)

A carne gloriosa de Cristo, em contato sacramental com a nossa miserável carne, deixa-lhe o germe da ressurreição futura. Este germe é a promessa formal do Senhor e a graça divina, que é a mesma vida do Céu a transformar-se um dia em glória que não terá fim.

De todos estes estupendos efeitos da Sagrada Comunhão deduzimos quão útil seja receber com frequência, e até cotidianamente, a Nosso Senhor neste Sacramento…

Mais bebe da fonte quem dela, sedento, mais vezes se abeira. Assim, mais se inebriará da vida do Céu quem mais frequentemente se achegar, bem disposto, à mesa divina que encerra o pão da imortalidade.

2. Necessidade da Comunhão e disposições para ela

É realmente necessário comungar?

Jesus Cristo já respondeu a esta pergunta antes de instituir o divino Sacramento. Eis o que Ele disse:

“Em verdade, em verdade vos digo, se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós mesmos” (João 6, 53)

O Senhor não podia ter nem afirmação mais clara nem ameaça mais terrível.

Já sabemos o sentido da palavra vida, de que aí se fala. É a vida da graça e a vida da glória. Vida sobrenatural, portanto. E, antes, Jesus dissera que ia dar como alimento “não um manjar perecedor”, mas, sim, um “manjar que dura para a vida eterna” (João 6, 27).

A conclusão é, pois, inelutável: é necessário comungar para se alcançar a vida eterna no Céu.

Esta necessidade é absoluta? Se é absoluta, que dizer das crianças batizadas que morrem sem comunhão? E não houve mártires que não chegaram a comungar?

Esta necessidade não é absoluta. Condiciona-se às circunstâncias de possibilidade física e moral de receber o alimento divino. Onde há impossibilidade física, o desejo supre a recepção da Eucaristia, como supre a recepção do próprio Batismo. É o caso dos mártires. Onde há impossibilidade moral, cessa toda obrigação de receber o alimento divino.

Existe impossibilidade moral de nutrir-se da Eucaristia em todo homem que não é capaz, na ordem moral, de assimilá-la. Ela é um alimento destinado a sustentar a vida sobrenatural; por isto mesmo supõe no sujeito que ele seja capaz de atos conscientes, que lhe possam aumentar esta vida e obstá-la de perder-se.

Ora, a criança — como aliás todo homem que não frui do uso da razão — não é capaz de atos conscientes. Não pode, portanto, cooperar com a graça. Não será capaz do ato fundamental da fé na Eucaristia, que se requer para assimilação frutuosa deste alimento espiritual.

Assim sendo, a criança se acha na impossibilidade moral de nutrir-se da Eucaristia; logo, dispensada de toda obrigação de recebê-la (3).

Não faltam teólogos que dizem: o batismo encerra o desejo implícito da Eucaristia, porque para ela se ordena. Consequentemente, a Igreja que supre a fé para o Batismo da criança, supre-lhe o desejo para a Comunhão. Destarte, também as crianças mortas antes da primeira Comunhão cumpriram “in voto”, por meio da Igreja, o preceito da Eucaristia.

Mas Cristo disse: «se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes seu sangue não tereis a vida em vós mesmos». Logo, não basta «comer sua carne»; é preciso «beber seu sangue». Entretanto, a própria Igreja nos dá somente a hóstia, que encerra o corpo de Cristo.

Inegavelmente, não basta comer a carne do Filho do Homem, e é preciso, também, beber seu sangue. Mas a Hóstia que nos é apresentada contém Jesus Cristo todo: Corpo e Sangue, Alma e Divindade.

Tanto na Hóstia como no Cálice consagrado está Cristo integral, e não Cristo em partes.

Se há símbolos distintos — pão e vinho — para o Corpo e Sangue, isto não acontece a não ser no instante do Sacrifício, em que urge a presença de Cristo no altar sob forma que exprima a imolação; e esta se dá quando são consagrados separadamente, em virtude das palavras sacerdotais, Corpo e Sangue sob signos diversos.

Eis por que, na conservação da Santa Reserva, a Igreja não guarda espécies do vinho. É que não se trata de tornar permanente o Sacrifício como tal, mas somente o Sacramento mediante o qual os fiéis participam do Sacrifício.

Antigas tradições nos dizem, é verdade, que os primeiros fiéis comungavam sob as duas espécies. Entretanto, há um pormenor curioso que se observa nos costumes do Cristianismo primitivo relativamente à Eucaristia: dentro do Santo Sacrifício da Missa, os cristãos comungavam as duas espécies; levando, entretanto, para suas casas o augustíssimo Sacramento, como era então costume, levavam somente a espécie de pão (4).

Este costume era perfeitamente acorde com a doutrina: para figurar mais perfeita participação ao Sacrifício do altar recebiam nd Missa a Cristo tal qual Ele se apresentava dentro do Sacrifício — consagrado sob dupla espécie; em casa, porém, revestindo a Eucaristia mais o sentido de alimento (embora sem deixar de ser uma união com o Sacrifício), recebiam-no tão só sob a espécie de pão.

Hoje, a não ser entre os orientais, nem na Missa recebem os católicos a Eucaristia sob dupla espécie. É que, para figurar perfeita participação ao Sacrifício, basta a Comunhão sob as duas espécies por parte do Sacerdote, pois somente a Comunhão dele é absolutamente requerida para acabamento d© Sacrifício (5).

Posta a obrigação de receber a Cristo sacramentalmente, não bastaria recebê-Lo uma só vez, na hora da morte por exemplo?

Estritamente, quem comungasse tão só à hora da morte teria cumprido a ordem formal de Jesus para conseguir a vida eterna. Nosso Senhor não determinou número de vezes que deve o homem “comer sua carne e beber o seu sangue”.

Mas, como este Sacramento foi confiado à Igreja para que o dispensasse a seus filhos, e ela reconhece a necessidade que temos do alimento sobrenatural, por isto é preceito da Igreja que todos os fiéis comunguem uma vez cada ano ao transcurso da Páscoa.

Assim, para o batizado — sujeito por isto à autoridade da Igreja — existe a obrigação de comungar ao menos anualmente. A esta obrigação não pode fugir um filho da Santa Igreja sem renegar pelo mesmo fato à filiação amorosa, para abraçar, praticamente, uma renegação culpável.

Vivamente aconselha ainda a Igreja, pela voz de seus Pontífices, que não se contentem, os fiéis com uma Comunhão anual.

“Oxalá, pois, todos correspondam, livre e espontaneamente, a estes solícitos convites da Igreja” — diz Pio XII. — “Oxalá que os fiéis, até diariamente, se lhes é possível, participem do Divino Sacrifício, não só espiritualmente, mas também pela Comunhão do Augusto Sacramento, recebendo o Corpo de Jesus Cristo, oferecido por todos ao eterno Pai.
(“Mediator Dei“, nº 115)

Pode o homem comungar todos os dias, com tantas misérias e pecados? Não é isto um desrespeito ao Santíssimo Sacramento?

Pode o homem, perfeitamente, comungar todos os dias, não obstante suas inúmeras misérias. Não vai nisto desrespeito ao Santíssimo Sacramento.

Primeiramente, notemos que este Sacramento não foi instituído como recompensa da virtude e sim como remédio de nossas fraquezas. Se Nosso Senhor o instituíra como recompensa, de certo o daria aos Anjos e Bem-aventurados, não aos mortais que peregrinam neste mundo.

Além do mais, temos dito precedentemente que este Sacramento perdoa os pecados veniais cotidianos. Logo, devemos recebê-lo sem embargo de infligir-lhe desrespeito precisamente por causa de nossas infindas fraquezas, para que elas sejam por ele remidas.

Está claro, imprudência havia de ser o cristão, sem nenhum empenho por vencer-se, não opondo nenhuma resistência às suas paixões, vir comungar todos os dias. Não importando tal em sacrilégio, seria pelo menos pouca consideração a Deus Nosso Senhor.

Mas, de vez que desejamos a amizade divina e nos impomos a obrigação de fugir do que ofende a Deus, por que não comungar cotidianamente, como é desejo da Igreja?

Quais são as disposições requeridas para a Comunhão frequente e mesmo cotidiana?

São as seguintes:

Não ter pecado mortal consciente.
Ter reta intenção de honrar a Deus e buscar o bem da própria alma.
Muito bom é também que se esteja ausente de pecado venial voluntário e que se busque o desapego dele.

Esta última disposição, no entanto, não é estritamente exigida.

Destarte se pode afirmar que se exigem para a Comunhão frequente e cotidiana as mesmas condições que para a Comunhão anual. De fato, o Deus que se recebe é sempre o mesmo. Não haveria por onde estabelecer diferença de atenções a lhe serem dispensadas anualmente e cotidianamente.

Eis por que não têm razão os que pretextam só comungar de ano em ano por não faltarem respeito a Nosso Senhor. Como se dispõem para a desobriga da Páscoa, assim se disponham para a Comunhão de cada Missa, e poderão comungar até com maior fruto, pois as comunhões repetidas purificam cada vez mais a alma e lhe aumentam abundantemente a graça.

Mas dizem que São Francisco de Sales, que era tão benigno, exigia, para a Comunhão cotidiana, o haver o católico vencido as suas más inclinações e ter conselho especial de seu confessor…

É verdade, nosso melífluo Santo Bispo de Genebra traz a recomendação seguinte em sua obra “Filoteia: Introdução à vida Devota“:

“Para comungar de oito em oito dias, urge estar imune do pecado mortal e de toda afeição ao pecado venial e ter grande desejo de comungar. Entretanto, para comungar cotidianamente é preciso, além destas disposições haver dominado a mor parte das más inclinações e ter conselho do confessor” (6)

Observemos que São Francisco de Sales, como numerosos Santos, se deixou influenciar pelos preconceitos do jansenismo. Esta heresia sutil ensinava que a Comunhão só convinha aos perfeitos; era um como prêmio da união com Deus.

Apesar de Alexandre VIII ter condenado, em 1690, ideia tão absurda, e muito embora muitos Santos e Sábios lhe tenham dado cabal refutação teórica, os seus efeitos práticos se estenderam até bem perto de nós.

Em 1905, o Santo Padre Pio X, — recentemente canonizado — dirimiu todas as dúvidas possíveis de teólogos e ascetas, promulgando o afamado Decreto intitulado “Sacra Tridentina Synodus“, em que diz textualmente o seguinte, entre muitos outros esclarecimentos:

1º – A Comunhão frequente e cotidiana, de conformidade com os ardentes desejos de Nosso Senhor Jesus Cristo e da Igreja Católica, seja permitida a todos os fiéis de qualquer classe e condição; de modo que não se pode afastar da sagrada mesa quem dela se aproximar em estado de graça com pia e reta intenção.

2º – A reta intenção consiste em aproximar-se da santa mesa, não por hábito, por vaidade ou por motivos humanos, mas para satisfazer à vontade de Deus, para se unir mais intimamente com Ele na caridade e para acudir com este divino medicamento às suas enfermidades.

3º – Ainda que seja de suma conveniência que as pessoas, que comungam frequente e cotidianamente, estejam isentas dos pecados veniais, ao menos plenamente deliberados, e do afeto a eles, é contudo suficiente que estejam livres de pecado mortal, com o propósito de não mais pecar para o futuro; com esse sincero propósito torna-se impossível que os que comungam diariamente, se não livrem pouco a pouco dos pecados veniais e do afeto aos mesmos”

Em face de tão formais dispositivos sancionados pela mais alta autoridade em matéria de fé e de costumes, está visto que se tornam caducos e sem efeito quaisquer ensinamentos de Santos ou de teólogos, que exijam para a Comunhão frequente mais estritas disposições que as exigidas pela Santa Igreja.

Bastam, portanto, as disposições pedidas por São Fio X?

Bastam, para se tirar da Comunhão o fruto normal que ela produz. Entretanto, São Pio X enumera tão só as condições mínimas suficientes para o fruto comum da Comunhão.

Quem tiver disposições mais aquilatadas tanto maior proveito trará do celeste banquete. É por isto que os Sumos Pontífices não cessam de recomendar a preparação e ação de graças para antes e depois da Sagrada Comunhão, a fim de dispor-se a alma do melhor modo possível.

E Pio XII chega a dizer que “esses atos particulares (preparação e ação de graças) são absolutamente necessários para gozar mais abundantemente de todos os tesouros sobrenaturais de que é rica a Eucaristia e transmiti-los aos outros segundo a nossa possibilidade, para que Cristo atinja em todas as almas a plenitude de sua virtude” (“Mediator Dei“, nº 120).

O jejum é também uma disposição rigorosamente exigida para a Comunhão, ainda depois das últimas licenças do Papa?

Sim, o jejum continua a ser disposição rigorosamente exigida para a Comunhão, fora dos casos claramente dispensados na Encíclica “Christus Dominus”.

O Papa, em suas concessões naquela famosa Encíclica, mitigou notoriamente a lei do jejum eucarístico para facilitar a mais frequente recepção da divina Eucaristia; porém, não anulou de nenhum modo a lei do jejum nem dispensa dela a não ser nos casos ali estipulados.

Importante para nós conhecermos os dados principais das concessões do Soberano Pontífice (7). São os seguintes:

1. Para toda e qualquer pessoa, em toda e qualquer circunstância, a água natural não rompe o jejum que se exige para a recepção da Eucaristia. Mesmo sem necessidade alguma, pode a pessoa que vai comungar tomar água antes da Comunhão. Não é preciso licença do confessor para isto. Nem é preciso grande sede. Posso tomar quantos copos d’água quiser depois de meia noite e até na hora da Comunhão e receber Nosso Senhor na Eucaristia.

2. As pessoas que estão doentes e fracas, mesmo se vão comungar cedo na igreja (não é preciso que estejam de cama) com licença do confessor podem tomar alimento líquido, como seja: leite, chocolate, gemada, caldo, coquetel, chá, café, contanto que estes alimentos não encerrem álcool de qualquer espécie.

3. As pessoas que devem caminhar dois quilômetros a pé, ou mais, antes da Comunhão, ou que devem viajar a cavalo ou de carro ou de trem distância maior, podem igualmente tomar alimento líquido nas condições acima para os doentes, contanto que o façam uma hora antes da Comunhão.

4. Os operários, mães de família, empregadas e outras pessoas que hajam feito trabalho grande antes da Comunhão ou durante a noite podem também tomar alimento líquido nas mesmas condições acima nomeadas para os que caminham longa distância.

5. Todos os que somente depois de nove horas podem comungar têm direito ao mesmo privilégio nas mesmas condições acima.

Como se vê dos itens 2, 3, 4, é preciso para se poder tomar alimento líquido antes da comunhão:

a) que seja gravemente incomodante guardar o jejum perfeito, ou por causa de doença e fraqueza, ou por causa de debilitante trabalho, ou por causa de fatigante caminhada;
b) que se tenha licença do Padre;
c) que o alimento não contenha álcool (8).

6. Toda pessoa que comunga nas chamadas Missas vespertinas pode tomar refeições como de costume até 3 horas antes da Missa; e pode tomar alimentos líquidos até uma hora antes.

Fora dos casos estipulados pelo Santo Padre — e são somente estes enumerados acima — o jejum, ou abstenção de alimento, continua a ser disposição rigorosamente exigida para a Comunhão eucarística.

Por que o Papa fez estas concessões e por que não aboliu completamente o jejum?

O Papa fez estas concessões a fim de facilitar a recepção frequente e cotidiana da comunhão. Antes destas concessões, quantas pessoas deixavam de comungar porque lhes era grandemente incômodo o jejum ou porque deviam tomar remédios!

Vê-se, portanto, que o desejo da Igreja é que comunguemos mais vezes, até todos os dias se for possível.

O Papa não aboliu completamente o jejum porque não é necessário aboli-lo, e porque altamente convém que se tenha para com Jesus Cristo, a quem recebemos como alimento, suma reverência. Conforme diz o Sumo Pontífice, “enquanto nos alimentamos do precioso Corpo e Sangue de Cristo antes de qualquer outro alimento, demonstramos ser Ele o primeiro e sumo sustento que nutre nosso espírito e nos aumenta a santidade” (Christus Dominus).

O jejum eucarístico é prescrição eclesiástica. A Igreja o pode dispensar completamente. E se houvera necessidade para o bem das almas, com toda certeza a Igreja o dispensaria por completo. Mas não existe presentemente tal necessidade.

Deve o católico ser feliz em fazer o pequeno sacrifício de ficar sem alimento por algum tempo afim de se alimentar do pão celestial, que é o próprio Deus.

Referências:

(1) Cf. «Elementos gerais», pgs. 19-20.

(2) Elementos gerais, pgs. 21-22.

(3) Quando começa a existir possibilidade moral de aproveitar-se do alimento divino — idade de discernimento — começa para a criança o obrigação de comungar. A idade da Primeira Comunhão depende do desenvolvimento mental da criança.

(4) São Justino, por exemplo, refere que os Diáconos levavam aos enfermos o pão consagrado; não fala, entretanto, do vinho consagrado. (Apologet. I, C. 67).

São Basílio, a respeito dos costumes dos Monges, traz que eles, afastados das igrejas, tinham em suas celas o pão eucarístico e comungavam sob esta só espécie. (EP. 63, AD GESAREM).

Tertuliano conta que, para comungarem fora do Sacrifício cultual, os cristãos recebiam o pão consagrado e o guardavam dentro de tecas ou pequenas arcas. (Ad. uxorem, Liv. II, Cap. 5)

(5) Mediator Dei nº. 111.

(6) Filoteia: Introdução a Vida Devota, L. II. Cap. 20.

(7) Só tratamos aqui dos pontos que interessam aos fiéis e não dos que se referem estritamente aos Sacerdotes.

(8) As pessoas doentes podem tomar remédios que contenham álcool, assim como podem tomar remédios sólidos (comprimidos) antes da comunhão.

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(Miranda, Padre Antônio. Doutrina Eucarística: Respostas às perguntas mais naturais que espírito humano formula diante do Mistério da Eucaristia. Editora O Lutador, 1955, p. 98-132)