Meditação para a Vigésima Segunda Terça-feira depois de Pentecostes
SUMARIO
Meditaremos sobre o quinto caractere da caridade, que é ser terna e compassiva; e veremos:
1.° Quanto este caractere é essencial à caridade;
2.° Quanto a dureza, que é o vício oposto, lhe é contrária.
— Tomaremos depois a resolução:
1.° De nos compadecermos de todos os aflitos e de os consolarmos ou alegrarmos do melhor modo que pudermos;
2.° De evitarmos as palavras ríspidas, o exterior severo e altivo, e de mostrarmos, ao contrário, para com todos um semblante alegre e benévolo, maneiras agradáveis e cordiais.
O nosso ramalhete espiritual será a palavra do Apóstolo:
“Revesti-vos para com todos de entranhas de misericórdia, de benignidade, de humildade, de modéstia, de paciência” – Induite vos… viscera misericordiae, benignitatem, humilitatem, modestiam, patientiam (Col 3, 12)
Meditação para o Dia
Admiremos com que ternura Jesus Cristo amou os homens e se compadeceu de todos os nossos males: como Ele chora a morte de Lázaro, e confunde as suas lágrimas com as de Marta e Maria! Como chora a ruína futura de Jerusalém ingrata! Como é terno para com João, seu Apóstolo, que folga de se denominar o discípulo a quem Jesus amava! (1) Oh! Quão bem nos ensinam estes belos exemplos a sermos ternos e compassivos para com o próximo! Demos graças a este amável Salvador por tão útil ensino.
PRIMEIRO PONTO
Devemos ser Ternos e Compassivos para com o próximo
Aquele que tem a verdadeira caridade, sente todo o bem ou mal que o próximo experimenta; chora com os que choram, alegra-se com os que estão alegres. Quando os outros, presentes ou ausentes, conhecidos ou desconhecidos, amigos ou inimigos, padecem algum mal, padece igualmente, porque em todos vê os membros do mesmo corpo de que faz parte; e porque nenhum membro padece, sem que os outros padeçam (2).
“Sou homem, dizia um sábio pagão, e nada do que interessa a um homem me é estranho” – Homo sum, et nihil humani a me alienum puto (Terent.)
Com mais razão, o cristão deve ser sempre terno e compassivo para com o próximo, assim como Jesus Cristo o foi, e revestir-se para com todos das entranhas de misericórdia e de benignidade: é o próprio texto da lei (3). Deve sempre acolher com bondade, com agrado e mostras de sincera afeição aquele que vem confiar-lhe as suas penas. Cada qual será tratado por Deus como tiver tratado os outros (4). Ora todos nós temos suma necessidade de que Deus nos trate com compaixão e não com dureza. É por esta razão que, posto que o nosso irmão tivesse sido nosso inimigo, posto que tivesse sido um grande criminoso, a lei pode ter direito de condená-lo; e nós nunca temos o de nos alegrarmos dos seus infortúnios, ou de o olharmos com desdém.
Logo que é desgraçado, tem direito ao nosso interesse, às nossas atenções, à nossa compaixão. Se é indigente, devemos pensar quão cruel é padecer fome e frio ao lado de seus semelhantes bem alimentados e vestidos; devemos por conseguinte desculpá-lo, se nos olhar com inveja. Se tem vícios, devemos, em vez de o julgar com inflexível rigor, ganhá-lo para a religião, mostrando-lh’a indulgente e amável.
É tão belo compadecer-nos de todos os que padecem, de todos os que estão enfermos, de todos os que andam em trabalho, de todos os que se acham em estado de pobreza! É o que admiravelmente compreenderam os cristãos de todos os séculos. São Paulo junta esmolas, e anda mais de trezentas léguas para as levar aos pobres de Jerusalém. Em 261, os cristãos de Alexandria entregam-se ao serviço dos pestilentos, que os tinham perseguido; cada casa é um hospital, cada cristão um enfermeiro. Em 379, São Basílio, em Cesareia; em 400, Santa Fabíola, em Roma; em 407, São João Crisóstomo, em Constantinopla, fundam hospitais. No sexto século, São Remigio institui em Reins o primeiro estabelecimento das Arrependidas; em 650, São Landri funda em Paris o hospício, cujas religiosas morrem, em 1384, socorrendo os empestados, e a comunidade extinta renova-se imediatamente. Em 850, Roberto, arcebispo de Mogúncia, sustenta mais de trezentos pobres; e no décimo-sétimo século, que não faz São Vicente de Paulo? Que não têm feito depois e não fazem ainda todos os dias tantos cristãos cheios de uma terna e compassiva caridade? E à vista de tais espetáculos, que o pobre, consolado de se ver tratado com ternas atenções por aqueles que lhe são superiores, sente o seu coração encher-se de gratidão, e compreende a razão porque o rico é rico, porque o homem elevado em dignidade é grande.
Em vez de seguirmos estas regras, não imitamos nós os homens duros, de que falia o profeta Amós, que não se doíam das aflições de seus irmãos? (5)
SEGUNDO PONTO
Quanto a Dureza é contrária à Caridade
Faltar às atenções para com quem é infeliz, é a maior de todas as baixezas.
“Não escarneçais, diz o Espírito Santo, do homem posto na amargura da sua alma, porque Deus, que tudo vê, é quem humilha e exalta” – Ne irrideas hominem in amaritudine animae: est enim qui humiliat et exaltat, circumspector Deus (Ecl 7, 12)
Contristar um pobre com palavras duras, com maneiras pouco benévolas; olhar para um inferior com sobranceria, falar-lhe com altivez e severidade, com frieza c enfado, é uma crueldade indigna de uni cristão, que fala a seu irmão. Ainda que nos fizesse alguma ofensa, é uma ignóbil vingança recusar-lhe um serviço, não querer falar-lhe nem saudá-lo; tratá-lo com maus modos, quando se é forçado a recebê-lo; sentir alegria de o ver mal sucedido nos seus projetos ou atribulado. O que tem verdadeira caridade, procede de uma maneira multo diversa: é indulgente para com os que o ofenderam, terno e compassivo com os que padecem ou andam em trabalho, faz-se tudo por todos (6), pobre com os pobres, doente com os doentes, ignorante com os ignorantes.
Resoluções e ramalhete espiritual como acima
Referências:
(1) Discipulus quem diligebat Jesus (Jo 21, 7)
(2) Si quid patitur unum membrum, compatiuntur omnia membra (1Cor 11, 26)
(3) Diligatis invicem, sicut dilexi vos (Jo 13, 34; 15, 12). Induite vos, sicut electi Dei… Viscera misericordiae, benignitatem, modestiam, patientiam (Col 3, 12)
(4) Eadem quippe mensura quae mensi fueritis, remetietur vobis (Lc 6, 38)
(5) Nihil patiabantur super contritione Joseph (Am 6, 6)
(6) Omnibus omnia factus sum (1Cor 11, 22)
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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo V, p. 141-145)