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Felicidade da Vida Interior

Meditação para a Sexta-feira da 3ª Semana depois da Páscoa. Felicidade da Vida Interior

Meditação para a Sexta-feira da 3ª Semana depois da Páscoa

SUMARIO

Para nos penetrarmos cada vez mais da excelência da vida interior, consideraremos a sua influência na nossa felicidade, até neste mundo, e veremos:

1.° A felicidade da alma, que tem uma vida interior;

2.° A desgraça da alma que não tem esta vida divina.

— Tomaremos depois a resolução:

1.° De vigiarmos sobre os nossos sentidos, a nossa imaginação e os nossos pensamentos inúteis, para não cedermos à distração;

2.º De nos acostumarmos à prática das orações jaculatórias, que unem a alma a Deus.

O nosso ramalhete espiritual será a palavra dos patriarcas:

“Viva o Senhor, em cuja presença estou” – Vivit Dominus… in cujus conspectu sto (1Sm 17, 1)

Meditação para o Dia

Adoremos o interior de Jesus Cristo como santuário de Deus, como o templo onde a Divindade recebe continuamente respeitos dignos dela, e onde o homem acha sempre proteção, defesa, salvação e felicidade. Admiremo-lO, louvemo-lO, agradeçamos-Lhe, e amemo-lO.

PRIMEIRO PONTO

Felicidade da alma que tem uma Vida Interior

Há um antegosto do céu, como um paraíso antecipado, na união divina que permite ao homem interior dizer consigo:

Estou na companhia de Deus, desse Deus que me ama, que me protege, que está  atento ao menor bem que faço, para me recompensar eternamente, ao menor suspiro do meu coração, para  me retribuir amor com amor. Um quarto de hora desta vida vale mais que todos os prazeres da terra

Por isso o Apóstolo convida todas as almas justas a alegrarem-se no Senhor (1), o declara, que a paz e a alegria são o fruto do Espírito Santo, que reina na alma (2). Cheio do mesmo sentimento, Davi dizia:

“No dia da minha tribulação, lembrei-me de Deus e me deleitei” – Memor fui Deo et delectatus sum (Sl 76, 4)

“Disse comigo: O Senhor está á minha direita para que eu não seja comovido, e este pensamento alegrou-me o coração” – Adextris est mihi ne commovear; propter hoc laetatum est cor meum  (Sl 15, 8)

“Os justos regozijem-se na presença de Deus, e gozem-se em alegria” – Justi epulentur et exultent in conspectu Dei, et delectentur in laetitia(Sl 67, 4)

O autor da Imitação descreve-nos admiravelmente esta felicidade da vida interior. O homem interior, diz ele (II Imitação 1, 4), recebe muitas vezes a visita de Deus, que lhe dá um sentimento delicioso, um gosto esquisito da Sua presença (3). Deus fala-lhe ao coração, ele fala a Deus. É uma doce consolação, uma suave troca de comunicações íntimas entre o Criador e a criatura (4). É uma consolação inefável nas tribulações (5). É o sossego entre a agitação do mundo, é a paz no meio do tumulto: a alma sente-se no seu elemento, no seu verdadeiro leito de repouso, e nada a pode perturbar, porque Deus só lhe basta, Deus só é tudo para ela (6). Então forma-se entre Deus e a alma, como entre dois corações, que se compreendem e se amam, uma familiaridade de um filho com o seu pai e de um pai com o seu filho (7). Se para a experimentar, Deus se cala algumas vetes, e parece desampará-la, ela queixa-se lhe amorosamente sem se afligir; vê neste desamparo transitório uma lição do humildade, que lhe ensina, que de si ela nada é, uma lição de amor, lhe faz sentir quão bom é Deus por arriar uma tão pobre criatura; agradece-Lhe esta dúplice lição mas sem deixar por isso de o servir com exatidão; e bem depressa a graça torna a aparecer, e a conforta e consola.

Animem-nos estas considerações a praticar a vida interior.

SEGUNDO PONTO

Desgraça da alma que não tem a Vida Interior

A alma sem vida interior é essencialmente distraída: o seu espírito desocupado dentro, vazio de tudo o que poderia ali interessá-lo, divaga por todas as coisas exteriores; o seu coração afeiçoa-se ao que passa; a sua vontade segue os seus caprichos; o seu amor-próprio alimenta-se de louvores e de estima. Ora, em semelhante estado, só se pode ser desgraçado. O coração, atraído para cima pela graça para baixo pela natureza, sofre uma espécie de laceração. Cada engano da vaidade, cada contrariedade da vontade, é como uma espada, que o traspassa; a imaginação, sempre de carreira, transforma os exercícios de piedade em práticas insípidas, a oração em desvarios e fadigas, faz da solidão um enfado, da vida inteira um desgosto. Não se sente da cruz senão os seus cravos e espinhos, do jugo de Jesus Cristo senão o seu peso, e do seu cálice senão a sua amargura. Assim se cumpre a palavra de Santo Agostinho:

“Fizestes-nos para vós, Senhor; e enquanto o nosso coração não descansa em Vós, não pode gozar descanso nem felicidade”

Examinemos de onde provém todos os nosso desgostos e males; e veremos, que a ausência da vida interior, isto é, a nossa dissipação o as nossas afeições são a causa principal.

Resoluções e ramalhete espiritual como acima

Referências:

(1) Gaudete in Domino semper; iterum dico: Gaudete (Fl 4, 4)

(2) Fructus Spiritus gaudium… pax… (Gl 5, 22)

(3) Frequens illi visitatio cum homine interno

(4) Dulcis sermocinatio

(5) Grata consolatio

(6) Multa pax

(7) Familiaritas stupenda nimis

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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo III, p. 35-39)