Meditação para a Sexta-feira da Quinquagésima
SUMARIO
Conformando-nos com o espírito da Igreja, meditaremos sobre a coroação de espinhos, e admiraremos neste mistério:
1.° Um mistério de dor e de humilhação;
2.° Um precioso ensino para a salvação.
— Tomaremos depois a resolução:
1.° De aceitarmos de boa vontade as mortificações e humilhações que sobrevierem;
2.° De fazermos muitas vezes atos de contrição por causa da nossa sensualidade e do nosso amor-próprio.
O nosso ramalhete espiritual será a palavra de São Bernardo:
“Envergonhemo-nos de ser um membro delicado debaixo de uma cabeça coroada de espinhos” – Pudeat sub spinato capite membrum fieri delicatum (Serm. V, in Fest, omn. SS. n.º 9)
Meditação para o Dia
Adoremos com o mais profundo respeito Jesus coroado de espinhos, depois de ter sido cruelmente açoitado, em seguida apresentado aos judeus com uma cana na mão à maneira de cetro e um manto carmesim sobre os ombros a maneira de manto real. Ó meu Salvador, querem ridicularizar com isto a Vossa realeza; mas debaixo destas aparências ignominiosas, reconheço-Vos por meu Rei e meu Deus; honro-Vos, louvo-Vos, bendigo-Vos sob esses indignos disfarces, que o Vosso amor para comigo vos fez aceitar.
PRIMEIRO PONTO
Jesus coroado de Espinhos, mistério de Dor e de Humilhação
1.º É um mistério de dor. Porque os espinhos são fortes e agudos; os soldados cravam-os à força na Sua sagrada cabeça, que é a parte mais sensível do corpo, e os fazem penetrar tão fundo, que Lhe tiram o pouco sangue que os azorragues Lhe tinham deixado. De todas as partes o sangue corre em bica pelo Seu adorável rosto todo desfigurado; a Sua santa humanidade é assim submersa na dor; e a profecia de Isaías cumpre-se à letra:
“Desde a planta do pé até ao alto da cabeça não há nele coisa sã” – A planta pedi usque ad verticem, non est in eo sanitas (Sl 1, 6)
Aceita tranquilo e resignado estas acerbas dores, oferecendo-as a seu Pai pela salvação do mundo. Que heroica resignação! Que amor incompreensível! Ó Jesus, como reconheceremos nós jamais tanta caridade?
2.º É um mistério de humilhação. Fazem deste grande Deus um rei de comédia, que entregam à irrisão pública. Põem-Lhe sobre a cabeça a corôa de espinhos para ridicularizar a corôa real que tinha direito de trazer, na mão uma cana por cetro, sobre os ombros um manto de carmesim por manto real; depois ajoelham na Sua presença, dizendo por zombaria:
“Deus te salve, rei dos judeus” – Ave, rex Judaeorum (Mt 27, 29)
Do ridículo passam à crueldade:
“Tirai-O, tirai-O deste mundo, crucificai-O”, clama a turba (1).
“Não queremos outro rei senão o Cesar” – Non habemus regem, nisi Caesarem (Jo 19, 15)
Ó meu Deus, meu verdadeiro rei, perdoai estes gritos, perdoai estes escárnios e sacrilégios! Quanto a mim não quero ter outro rei nem outro Deus senão Vós (2).
SEGUNDO PONTO
Ensinos que devemos tirar de Jesus coroado de Espinhos
1.º Este mistério ensina-nos a ter pesar dos nossos pecados. De joelhos diante de Jesus coroado de espinhos, devemos dizer conosco: «Eis aqui a obra dos meus pecados, eis aqui quantas dores e ignomínias custaram ao meu Deus»; e com este pensamento é possível não os detestar, não ter pesar de os haver cometido, e não os lavar nas nossas lágrimas misturadas com o sangue que corre da adorável cabeça de Jesus Cristo? É possível não juntar à dor do passado o firme propósito de ter para o futuro uma vida melhor e mais cristã?
2.° Este mistério prega-nos a mortificação, porque, diz São Bernardo, é uma vergonha ser um membro delicado debaixo de uma cabeça coroada de espinhos. É um contraste repugnante, que o Santo dos santos esteja na dor e eu nas delícias, que Jesus entregue a Sua cabeça aos espinhos, e que eu não deixe perder nenhuma ocasião de me divertir, quando posso sem grande crime.
3.º Este mistério ensina-nos a humildade. Porque a corôa de ignomínia, que Jesus tem sobre a cabeça, é a condenação dessa corôa de orgulho e de ambição, que formam um dos nossos mais agradáveis sonhos. Escolhendo para Si uma corôa de humilhação, Jesus quis dizer-nos quanto reprova a mania de nos mostrarmos, de nos fazermos conhecer, e de nos elevarmos acima dos outros; quanto, ao contrário, ama as almas humildes que, contentes com Deus só, não procuram ser vistas pela criatura; que fazem bem secretamente, sem alardo, sem aspirar à celebridade, porque a virtude lhes basta.
Guardemos no fundo do nosso coração estes preciosos ensinos, e conformemos com eles os nossos sentimentos e atos.
Resoluções e ramalhete espiritual como acima
Referências:
(1) Tolle, tolle, crucifige eum (Jo 19, 15)
(2) Rex meus et Deus meus (Sl 5, 3)
Voltar para o Índice do Tomo I das Meditações Diárias de Mons. Hamon
(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo II, p. 83-86)