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Respeito e atenção que devemos à Palavra de Deus

Meditação para a Quarta-feira da Sexagésima. Respeito e atenção que devemos à Palavra de Deus

Meditação para a Quarta-feira da Sexagésima

SUMARIO

Prosseguiremos as nossas meditações sobre a palavra de Deus, e consideraremos:

1.° O respeito;

2.º A atenção que devemos a esta divina palavra.

— Tomaremos depois a resolução:

1.° De ouvirmos e lermos a Palavra de Deus com o mesmo respeito que se Deus em pessoa nos falasse, e de não criticarmos as pregações;

2.° De buscarmos nos ensinos, não o que distrai o espírito, mas o que muda o coração, e de tirarmos sempre disso resoluções praticas.

O nosso, ramalhete espiritual será a palavra de Santo Agostinho:

“Não é menos criminoso aquele que ouve com descuido a Palavra de Deus do que aquele que deixa cair ao chão por sua negligência a sagrada Hóstia” – Non minus reus est qui verbum Dei negligenter audierit, quam qui corpus Christi in terram cadere negligentia sua permiserit

Meditação para o Dia

Tributemos a Jesus Cristo os nossos costumados respeitos, e ouçamo-lO declarando, que a boa terra, em que a semente depois de nascida dá fruto cento por um, é o coração bom, que respeita a Sua palavra, o coração ótimo, que a ouve com atenção para a pôr em prática (1). Agradeçamos-Lhe este ensino, roguemos-Lhe que no-lo faça penetrar bem no coração.

PRIMEIRO PONTO

Do respeito devido à Palavra Divina

Logo que Deus, esse Ente tão grande e tão elevado, se digna abaixar-Se até falar ao homem, esta criatura tão pobre, tão desprezível, tão miserável, não é evidente que, para com uma palavra que desce de tão alto, não há respeito, bastantemente humilde, veneração bastantemente profunda; e que cada palavra emanada de uma fonte tão augusta deve ser recebida com toda a sujeição do espírito, toda a obediência da vontade? Se tivéssemos ouvido, no Sinai, Deus falar a Israel, no meio dos relâmpagos e trovões: ou sê, vivendo no tempo de Jesus Cristo, tivéssemos assistido a um dos Seus sermões, teríamos reputado, um grande crime não ouvir tão divina palavra senão com indiferença; mas é esta palavra menos digna de respeito, quer nas páginas dos nossos sagrados livros, onde a lemos, quer no púlpito onde a ouvimos. O homem, que a cometa, pode nela introduzir os seus erros e a sua ignorância; mas ela nem por isso deixa de ser a palavra de Deus; e assim como o verbo Encarnado não era menos adorável nas pobres faixas da Sua infância do que nos esplendores dos Santos, a palavra de Deus não é menos venerável nos fragmentos em que a envolve a ignorância dos homens do que nos magníficos ornatos de que o gênio a pode revestir.

Quando um embaixador fala, presta-se menos atenção ao estilo mais ou menos ameno do seu discurso do que à majestade do príncipe, em nome de quem ele fala. Da mesma sorte, no ministro da palavra santa devemos ver somente o embaixador de Deus, o lugar-tenente de Jesus Cristo, que fala por sua boca (2); e assim encarada, a palavra de Deus não tem menos direito aos nossos respeitos do que o mesmo corpo de Jesus Cristo, diz Santo Agostinho; devemos recolher todas as Suas partículas tão religiosamente como o sacerdote recolhe as partículas da sagrada hóstia na patena; e não é menos culpado o que a deixa perder por negligência do que aquele que, por descuido, deixa cair no chão o corpo do Salvador (3). A razão é, porque Jesus Cristo não ama menos a verdade do que o Seu próprio corpo; parece até amá-la mais, pois que por ela sacrificou o Seu corpo. Quiz que ela fosse imorredoura sobre a terra; e entregou o Seu corpo à morte.

É desta maneira que respeitamos a divina palavra? Quantas exprobações temos a fazer-nos nesta matéria? Humilhemo-nos e emendemo-nos.

SEGUNDO PONTO

Da atenção com que devemos ouvir a Palavra de Deus

Nós ouvimos as notícias do mundo, os contos, com a mais viva atenção; lemos as cartas dos nossos parentes ou amigos com um interesse que as grava na nossa memória. Porque é então que, quando a divina palavra nos dá notícias do céu, nossa pátria, e lições sobre os meios de o alcançarmos, porque é que, quando temos nas mãos os livros santos, que são como outras tantas cartas que Deus nos envia, nos tornamos descuidosos e desatentos? Porque é que isto não tem já para nós o mesmo atrativo? Jesus diz-nos:

«Ouvi a minha palavra do fundo do coração» – In corde… audientes (Lc 8, 15)

Que quer isto dizer? Quer dizer, não somente no entendimento, ali onde os olhos não vê em senão as aparências, onde os ouvidos não ouvem senão o som, a memória não conserva senão formas exteriores; mas ouvi nessa parte secreta do coração, que adora a verdade, a saboreia e conserva; ouvi, não nessa parte de vós mesmos, onde se medem os períodos, mas onde se regulam os costumes; não onde se saboreiam os belos pensamentos, mas onde nascem os bons desejos; não onde se formam os juízos, mas onde se tomam resoluções; e se há algum lugar, ainda mais profundo e mais retirado, onde se consulta o coração, onde se decidem todos os nossos projetos, onde se dá o impulso a todos os nossos afetos, é aí que devemos recolher-nos conosco, tornar-nos atentos para ouvir Jesus Cristo (4). Assim ouvia a Santíssima Virgem (5); assim ouvia Madalena aos pés de Jesus (6), e nós quão longe estamos desta religiosa atenção à santa palavra, seja quando os nossos olhos a leem, seja quando os nossos ouvidos, a ouvem! Imploremos perdão do passado, e resolvamo-nos a obrar melhor para o futuro.

Resoluções e ramalhete espiritual como acima

Referências:

(1) In corde bono et optimo audientes (Lc 8, 15)

(2) Pro Christo legatione fungimur, tanquam Deo exhortate per nos (2 Cor 5, 20). Sicut ex Deo, coram Deo in CHristo loquimur (2 Cor 2, 17)

(3) Non minus reus est qui verbum Dei negligenter audierit, quam qui corpus Christi in terram cadere negligentia sua permiserit

(4) Ponite in cordibus vestris (Lc 21, 14)

(5) Maria conservabat omnia verba haec, conferens in corde suo (Lc 10, 39)

(6) Maria… sedens secus pedes Domini, audiebat verbum Jesus (Lc 10, 39)

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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo II, p. 54-57)