Meditação para a Vigésima Terça-feira depois de Pentecostes
SUMARIO
Meditaremos sobre o sexto efeito do amor de Deus, que é o zelo pela sua gloria e veremos:
1.º A obrigação deste zelo;
2.° Os seus caracteres.
— Tomaremos depois a resolução:
1.° De impedirmos por todos os meios, que estiverem ao nosso alcance, principalmente com os nossos bons exemplos e conselhos, a ofensa de Deus, os males da religião e da Igreja;
2.° De contribuirmos para as boas obras, quanto for possível, com a nossa pessoa e o nosso dinheiro.
O nosso ramalhete espiritual será a palavra de Santo Inácio:
“Para maior glória de Deus” – Ad maiorem Dei gloriam
Meditação para o Dia
Adobemos Jesus Cristo no imenso zelo, em que se abrasou pela glória de seu eterno Pai. Foi esse o supremo fim de todas as suas obras, de todos os seus mistérios, da sua Igreja, dos seus Sacramentos. A sua vida e morte não tenderam senão a estabelecer no mundo o reino de Deus, a fazê-lo conhecer, servir e honrar por toda a terra: tão grande era o zelo que o devorava (1). Admiremos, louvemos, bendigamos este incomparável zelo.
PRIMEIRO PONTO
Obrigação do Zelo pela Glória de Deus
É tão impossível amar a Deus, e não nos interessarmos pela sua glória, como é impossível a um filho não amar a seu pai, não se interessar pela sua honra e glória, e não sentir as injúrias que lhe fazem; Quando se ama verdadeiramente a Deus, tem-se um vivo desejo de O ver conhecido, amado e servido; uma profunda dor de que O hajam ofendido, e um ardente zelo de fazer voltar para Ele os pecadores que O deixaram. Se somos, pois, insensíveis às iniquidades que inundam a face da terra; se não nos penalizamos males da religião, as dores da Igreja, devemos bater nos peitos, e dizer conosco, chorando:
«Miserável que eu sou! Julgava que amava a Deus, e reconheço que não O amo!»
Davi, vendo as prevaricações do seu tempo, desfaz-se em lágrimas, consome-se, desfalece (Sl 118). Jeremias sente atear-se no seu coração como um fogo abrasador, e reconcentra-se nos seus ossos, porque ouviu as blasfêmias de muitos (2). Na nova lei, milhares de Apóstolos, missionários, mulheres heroicas, tem ou abandonado as suas pátrias e famílias, ou sacrificado o seu descanso, os seus bens, a sua própria vida, para fazerem conhecer, amar e servir a Deus. Ah! É porque estas grandes almas sabiam amar; é porque diziam todos os dias, com um coração santamente cioso da honra e glória de Deus:
“Pai nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome, venha a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu” – Pater sanctificetur nomen tuum, adveniat regnum tuum, fiat voluntas tua, sicut in caelo, et in terra
Examinemos, se o nosso zelo se parece com o zelo dessas grandes almas; senão temos preferido à maior glória de Deus o nosso descanso, os nossos interesses, uma vida folgada; se sentimos do coração os males da Igreja e da religião, de forma que possamos dizer como o Salmista:
“Os ultrajes que vos fazem caíram sobre mim” – Opprobia exprobrantium tibi ceciderunt super me (Sl 58, 10)
SEGUNDO PONTO
Os Caracteres do Zelo
1.º O verdadeiro zelo é ativo; não pode abrasar um coração sem se manifestar por obras (3). Vendo com que ardor, com que espírito de proselitismo, os maus procuram perder as almas e espalhar por toda a parte as suas horrendas doutrinas à custa ainda dos maiores sacrifícios, a alma, que ama, não pode suportar a ideia de fazer menos pelo bem do que os maus pelo mal. Por conseguinte, ela busca e emprega todos os meios para conseguir que conheçam e amem a Deus; aproveita com alegria todas as ocasiões de ganhar almas; e a perda dos seus bens, do seu descanso, da sua mesma vida, lhe pareceria um lucro, se por este preço obtivesse que mais um coração na terra amasse ao Senhor.
2.° O verdadeiro zelo é insaciável. Quanto mais bem vê que fazer, mais quer fazer, e nunca diz: Basta. Quisera, se lhe fôsse possível, espalhar-se por toda a terra para induzir todos os homens a amar e a honrar a Deus, dizendo com São Francisco Xavier:
“Enquanto eu conhecer um canto do mundo, onde Deus não seja amado, não terei descanso”
3.° O verdadeiro zelo é afável e prudente. Apesar do seu grande desejo de fazer que amem a Deus, sabe reprimir-se, e nunca obra com precipitação. As suas palavras são sempre moderadas, os seus passos sempre medidos; a afabilidade e a prudência presidem sempre aos seus atos e lhe atraem os corações.
São estes os caracteres do nosso zelo?
Resoluções e ramalhete espiritual como acima
Referências:
(1) Zelus… comedit me (Sl 58, 10)
(2) Audivi enim contumelias multorum (Jr 20, 10)
(3) Probato amoris, exhibitio operis
Voltar para o Índice das Meditações Diárias de Mons. Hamon
(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo V, p. 94-97)