Hoje levantamo-nos uma hora mais cedo; tratava-se de fazer uma excursão a um monte vizinho, que proporcionava uma esplêndida vista das vizinhanças. Quem tinha os pés doloridos ficou no acampamento; os outros nós pusemos a caminho, de bom humor, às 7 horas.
Depois de uma marcha de cerca de hora e meia, através duma floresta magnífica, chegamos a uma clareira, coberta de árvores tombadas. Um mês atrás, um tufão assolara a região e derrubara muitas árvores seculares. O professor mandou fazer alto, para que o grupo pudesse descansar e tomar o lanche. Ainda não eram 9 horas, mas fazia bem tomar um pouco de fôlego. Inúmeras folhas caídas cobriam o solo e os galhos secos das árvores abatidas estalavam sob o peso dos rapazes empoleirados.
“Quantos mortos jazem aqui em redor de nós!”, começou o professor. “Quantos gigantes da floresta terão baqueado assim, com as tempestades, através dos milênios, corroídos pela idade. Estamos parados num grande cemitério. Que pensam vocês? Que foi feito dos milhões e miIhões de folhas caídas no outono? Pois, se os troncos, galhos e folhas se amontoassem, resultaria um montão a sufocar qualquer vida. Onde foram parar? Carlos, remexe um pouco o chão com a vara.”
Quatro ou cinco lançaram mão de seus bordões. Uma camada amarelo-cinzenta de folhas bolorentas, meio apodrecidas, apareceu.
“Observem! Qualquer capim, toda folha caída, transforma-se em nova fonte de vida, em novo capital do solo. Reflitam um pouco! Como é que a mãe-terra nunca se esgota? Considerem atentamente essa camada de folhas! Assim que uma árvore, um galho, uma folha caem ao chão, aos milhões se lançam sobre eles os cogumelos, como minúsculos anões e começam um silencioso trabalho de decomposição de sua presa. E os resíduos são exatamente os elementos necessários a uma nova árvore, para sua alimentação. Quem ensinou a estes anões invisíveis a difícil tarefa de decompor um galho morto, a folha seca, nos elementos de que novas plantas poderão alimentar-se?
Quando esses sábios tiverem terminado seu trabalho, virá a chuva e a água que se infiltra conduzirá o alimento vivificante as raízes. A morte se transforma assim em uma vida nova”.“E se esses cogumelos e bactérias não agissem?”
“Então o solo se esgotaria rapidamente. Primeiro secariam as plantas em seguida morreria os animais e com eles os homens, o silêncio sepulcral do cemitério cobriria a terra. A fim de isso não aconteça, para que da destruição surja sempre nova vida, inúmeros milhões de cogumelos e bacilos trabalham com tamanho senso prático.
Mas isso não vem por si. Alguém deve tê-lo regulado. Alguém, dentro do qual preexiste toda essa força, vitalidade e formosura, essa vida empolgante, infinitamente maior do que a que nos cerca…”
Os rapazes olhavam pensativos. Jorge, no entanto, começou a rir à socapa. Naturalmente, havia feito alguma. De fato: enquanto todos escutavam, ele crivara de carrapicho o paletó do Cardoso. Cada tiro assentara às mil maravilhas.
“Você não sabe que interessante semente é essa, com que atira. Que acha, Carlos, para que tem este fruto os espinhos?”
“Para que se possa propagar o mais possível.”
“Acertou. Todavia, pensamos, donde saberá a planta, que lhe convém ter tais sementes? Quem ensinou a determinadas plantas, ligar sua semente a um aparelho voador, um como paraquedas, ou à papoula de crivar sua cápsula como uma peneira, para que, agitada pelo vento, espalhe sua semente à semelhança de um regador?
Na África do Sul existe uma planta, a harpagophytum. Seu fruto está coberto de pontas em farpa; de qualquer laço que se toque, fica-se agarrado. Ela, traiçoeiramente, se ajeita ao solo. Vem pastar algum animal, um leão a rastejar cautelosamente e pisa sobre o fruto; ele se prende à pata ou ao casco. O pobre animal não sabe donde lhe vem a dor e foge. A cada passo, as pontas penetram mais profundamente, o que instiga o bruto a uma corrida mais veloz, até que invólucro do fruto arrebente e as sementes se espalhem em derredor, aonde tiver chegado o bicho. É esta a finalidade da ardilosa disposição: disseminar o fruto.
Quem ensinou a essa planta coisa tão engenhosa?
“Senhor professor, li de uma ilha da Oceania, perto de Java e Sumatra, que, embora queimada pela lava, depois de alguns anos estava de novo coberta de plantas.”
“É a ilha Krakatua. O mais curioso é que a terra mais próxima está a 2OO km de distância. Esse espaço teve de atravessar as sementes com o auxílio das correntes aéreas ou dos pássaros. Sabendo-o, compreende-se a verdade das palavras do célebre fisiólogo A. W. Volkmann (Relação da Sociedade de Pesquisas Naturais de Halle 1874). Não somos capazes de ver com nossos olhos e tocar com nossas mãos uma causa a agir segundo determinado plano. Mas devemos crer na existência dessas causas, pelas conseqüências que elas exigem… Se, num deserto, aparentemente nunca pisado por homens, topássemos com blocos de pedra talhados e ajustados com argamassa, deteríamos considerar louco aquele que não visse nisso uma construção, surgida segundo determinado plano. Todavia, a regular coordenação dos organismos está muito acima de quaisquer construções artificiais… A causa primeira de todo desenvolvimento orgânico reside, pois, na atividade de uma sábia força que age segundo planos certos, escolhe e reúne as condições adequadas à sua formação”.
“Silva, dê um pulo até o riacho e traga-me uns miosótis”.
Num momento estava ele de volta.
“Agora diga-me o que nota nessa flor?”
“Vejo uma corola azul-celeste, no meio o pistilo e cinco estames. Em direção ao centro, para o fundo, vão as pétalas azuis matizando para o alaranjado, e de lá correm flechas amarelas. No começo dos estames noto pequenas almofadas…”
“Muito bem! Você observa bem. Agora, rapazes, atenção! Para que serve o azul da corola? Para atrair a atenção dos insetos, não é? Para que as flechas amarelas? Como indicadores: Caminho certo! Venham aos estames! Aqui debaixo desses coxins conservo o mel! A abelha não espera duas intimações, revolve afanosamente a dispensa do néctar; e, com isso, o pólen se prende às patas pilosas, e ela vai fecundar outras flores que a atraem com seu mel.
Reparem nestas flores: Qual o químico que seria capaz de extrair do solo úmido e bolorento, cores tão frescas e delicadas? Que pintor poderia imaginar as centenas de milhares de espécies existentes na terra?
O que há de belo na terra vem de Deus. Toda a criação dá testemunho de sua infinita harmonia e beleza. O sol que se levanta de manhã, as estrelas que brilham de noite, a gota de orvalho que balouça no capim… Mas agora, avante! Vamos! Recolham os restos e o papel. Vamos continuar a marcha.”
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(TOTH, Monsenhor Tihamer. Na linda natureza de Deus. Editora S. C. J., 1945, p. 44-48)