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O último bivaque

Na linda natureza de Deus
Amanhã de tarde voltaremos para casa. Peta última vez, arde o fogo do acampamento. Todo o grupo o rodeia com saudade. Uma inefável tristeza se apoderou de nosso coração. Certamente, em casa a gente está bem… dormir em cama bem arrumada… um almoço preparado por mamãe ou pela cozinheira… mas estas três semanas! É duro despedir-se do riacho, da floresta, do firmamento! Sim, a separação é dura!

Já eram dez horas.

“Rapazes, vamos fazer aqui nossa última novena”, disse o professor, “e agradecer a Deus todo o bem que nos outorgou nestas três semanas. Durante nossa vida de acampamento, tivemos muitas vezes ocasião de presenciar a onipotência do Criador. Sim, em Deus descansa toda a natureza; ela é sua obra. Entreteceu nela seu pensamento, para que, ao observarmos toda essa beleza, saibamos nos volver ao seu Criador.

Lembrem-se, meus caros, quão admiravelmente férteis são os pensamentos de Deus — no máximo como no mínimo. Há almas mesquinhas que, ao verem a catarata do Niágara, exclamam: ‘Maravilhoso! Quantos cavalos-de-força terá!’ Ou que numa floresta, calculam apenas quantos metros cúbicos de madeira haverá ali. A nós, porém, essa maravilhosa natureza apresentou ao íntimo de nosso coração sempre novos traços da sublimidade divina. Em toda parte, se reflete a face divina oculta, muito embora saibamos que uma infinidade de mistérios nos circunda.

Lembrem-se de quando o pai de Carlos esteve aqui em visita. Narrou-nos, ponto por ponto, as camadas de que se compõe o monte aqui ao lado. Um de vocês perguntou admirado: — Donde é que o senhor pode sabê-lo? Já esteve lá dentro? Lá dentro? Para que? Não preciso disso. Analisei a água do regato que sai das entranhas do monte, e dos elementos nela encontrados pude depreender quais as camadas que devem existir no interior da montanha.

Também nós analisamos o que sucedeu em nosso redor, durante nossa permanência aqui, e em tudo topamos com sinais evidentes que conduziam a Deus. Cultuamo-lo, quando a inesgotável riqueza das formas e a multiplicidade dos seres nos extasiava; em tudo há sistema e medida e, ao mesmo tempo a máxima multiplicidade. Quantas flores, quantas folhas — outras tantas obras-primas, todas diferentes umas das outras. Quão grande não deve ser a sublimidade de Deus que nunca se repete, podendo criar obras de arte às centenas de milhões. Imensas e grandes, assim como também maravilhas da mais tênue pequenez. Um único grãozinho de pólen, colocado debaixo do microscópio, é uma maravilha, bem como a semente, quase invisível a olho nu, do Dendrobium antennatum, 2OO das quais pesam apenas 11OOO gramas que contém em si, apesar disso, pela força miraculosa do Criador, a futura raiz, caule, folha e flor.

Quantas flores, árvores, insetos, aves, animais, homens… outros tantos pensamentos do Deus Criador, tornados realidade.

Enquanto rememoramos agora, no silêncio da noite, as incontáveis maravilhas da vida, de que fomos comovidos espectadores, nestas três semanas, sentimos algo que nos obriga a lançarmo-nos de joelhos. Não! Tanta formosura, multiformidade, adequação, sublimidade, como nô-la apresenta este mundo, não se deixa explicar por meio de “cego acaso”, com “rijas leis da natureza”, com “fenômenos físicos e químicos”. Também no submarino têm valor as intangíveis leis da natureza; as leis da física fazem-se valer no aparelho de rádio — entretanto — está, com isso, solucionada a questão de quem foi o construtor deles?
Mas, meus caros amigos, também toda essa obra maravilhosa de Deus há de desaparecer. Os complexos edifícios, as obras primas do espirito e da mão do homem, os prodígios da fauna e flora, eles todos acabarão, serão varridos da face da terra, quando tiverem cumprido sua missão, sua finalidade. Só uma coisa permanecerá: Deus e a alma. Minha alma! Vossa alma! Nossa alma imortal há de encontrar-se com seu Deus eterno! Agora, meus jovens, vamos deixar tudo isto; a montanha e o vale, o regato e a rumorejante floresta, alvorada e o orvalho matinal, o firmamento estrelado, — voltaremos ao oceano de casas da cidade… Nossa alma, porém, que durante estas três semanas foram tantas vezes bafejadas pelo hálito divino, nossa alma nunca esquecerá seu dever sublime de permanecer sempre como um filho humilde, puro, corajoso do Deus infinito…

Vosso filho, amado Pai Celeste, que fazeis girar os milhões de estrelas em sua vertiginosa órbita; que conheceis o número de nossos cabelos; sem cujo consentimento não cai um pardal do telhado. Vossa seja a glória, vosso, o nosso coração reconhecido, eternamente vossa nossa pequenina alma jovem, que não quer macular-se com o pecado.

Um leve sopro de vento levantou-se das profundezas da floresta…
As faiscantes estrelas brilhavam no silêncio dá noite…

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(TOTH, Monsenhor Tihamer. Na linda natureza de Deus. Editora S. C. J., 1945, p. 128-131)