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Um rato na tenda

Na linda natureza de Deus
Esta madrugada, bem cedinho, os ocupantes da outra barraca foram acordados do melhor do seu sono por um grito terrível. Sobre o colchão, estava sentado o Celsinho, tiritante como um treme-treme, pálido como a morte. Custou muito, até que pudesse explicar-se, suspirando:

“Um rato! Um verdadeiro rato! Correu por cima do meu colchão… Brrr!”

“Mas Celso! Tal escândalo por causa dum rato!”

Depois do almoço, Luís nosso “factotum” pôs mãos à obra. À fim de assegurar o equilíbrio mental de Celsinho, construiu uma ratoeira. Em cima duma tabuinha fixou uma espécie de gaiola de arame, à qual dava acesso uma abertura, munida de arames que se iam estreitando para o interior. Lá dentro, um pedaço de toucinho serviria de isca. Os companheiros seguiam atentos o trabalho do amigo.

“Vocês sabem que existe uma planta, munida de ratoeiras, como a que Luís está construindo?”, começou o professor.

“Chama-se ‘Nepenthes destillatória‘. As folhas terminam em fios compridos, e na extremidade, a prumo acha-se um vaso oblongo. Na borda superior, o vaso transuda fino mel, sobre o qual se lançam doidamente as gulosas formigas, abelhas e outros insetos. Enquanto saboreiam despreocupadas o néctar, um ou outra tomba de repente dentro do vaso — e não pode mais voltar. Pelos agudos, eriçados para o fundo, vedam-lhe o caminho, como os arames da ratoeira. No fundo do vaso, porém, a esperar a vítima, o ‘lago da morte’ (semelhante ao suco gástrico do homem), também produzido pela traiçoeira planta, que mata e digere a presa.

Struggle for life — a luta pela vida!

Sem dúvida, uma eterna luta pela existência assola este mundo. O animal está em guerra com as plantas, a flora luta contra a fauna; entre si pelejam os congêneres vegetais e animais. Se observarmos mais de perto, notaremos que isso não acontece cegamente, a esmo. Essa luta é inda uma cena do sublime plano, segundo o qual o Criador dirige o universo. Não sei decidir o que é que me fala mais alto da grandeza de Deus, o incomensurável mundo dos astros ou a raiz, a folha, a célula, embora da menor das plantas…”

“Célula vegetal? O senhor professor descobre em tudo alguma coisa”, admirou-se Jorge.

“É, rapazes, aprendam a vaguear pela natureza, de olhos abertos e a ver em toda parte os traços da onipotência de Deus. Sim, uma célula vegetal!

Todo o ser vivo é composto de células. Ela é tão pequena que é invisível à vista desarmada; às vezes mede apenas uma centésima parte de milímetro. Uma massa viscosa se encontra nela, o protoplasma, o portador da vida animal e vegetal. E essa célula invisível vive! Como vive? Por que vive? Que é a vida? Tudo são perguntas a que ninguém soube nem sabe responder.

As paredes da célula são inicialmente mui delgadas, mas vão se tornando sempre mais resistentes pela circulação do protoplasma. Para que essas paredes fiquem distendidas, necessitam de uma pressão interna, muitas vezes de 2O atmosferas. Essa pressão existe. Mas donde vem, que é que a provoca — não o sabemos.

Para que a célula cresça, e com ela a planta, o protoplasma precisa receber diversos elementos através das paredes. Também isso ocorre, embora não se possa perceber abertura ou poros, de espécie alguma. Como se faz, ninguém sabe.
Todavia, a célula não deve receber alimento sem escolha. De fato, ela é muito cuidadosa na qualidade e quantidade. Quem é que faz a seleção? Quem dirige o trabalho dos bilhões de células existentes num único ser? Mas, vamos adiante! Para a planta poder desenvolver-se, devem multiplicar-se as células. Como se processa a reprodução? Sem protoplasma não há célula. Mas, se ele, não pode abandonar a célula primitiva, como se produzirá nova célula? Alguém colocou, também aqui, uma solução. Tendo a célula atingido tamanho suficiente, forma-se dentro dela, uma parede divisória, e da célula única resultam duas, isto é, ela se subdivide. As novas células seguem o mesmo processo e assim a planta cresce, aumenta o tronco, alongam-se as raízes, aparecem flores, frutos, etc. Em uma única noite criam-se milhões de células novas. De manhã vemos contentes o crescimento. Quem, no entanto, se lembra dos fatos misteriosos que ocorreram, para se produzirem novos brotos?”

“Li algures, senhor professor, que as raízes são verdadeiras maravilhas.”

“De fato. Raciocinemos um pouco: donde vem que as raízes duma árvore penetrem no solo, ao passo que o tronco procura elevar-se? Uma força que provoca efeitos simultâneos, em sentidos opostos! O naturalista responde: porque a raiz é geotrópica (procura a terra) e o tronco heliotrópico (procura o sol). Sim. Mas donde receberam essas propriedades? Certas células procuram a profundidade e outras a altura. Por que não seguem todas a mesma direção? Quem as guia? A planta não pode responder. Com as raízes penetra sempre mais profundamente no solo.”

“Deve ser trabalho penoso, perfurar a terra dura!”

“Sim, é tarefa penosíssima, porque a raiz não pode eliminar a terra com a pá; precisa afastá-la por pressão. Ora, isso representa grande esforço. Lembrem-se ainda quanto custou fincar o esteio da barraca apenas uns 2O centímetros, e entanto era um ferro pontiagudo. Nas plantas, ao invés, trata-se de fibras tênues e flexíveis. Experimentem fincar um arame um metro terra a dentro: Hão de ver que trabalho! Mas, qual é o comprimento de todas as raízes de uma aboboreira, por exemplo? Alguns metros, provavelmente.”

“Alguns metros? 25 quilómetros. Sim, somados darão isso. E essas células, invisíveis à vista, donde tiram essa força gigantesca? Olhem este cedro altaneiro, debaixo do qual estamos sentados. Que altura terá?”

“Mais ou menos 15 metros.”

“Pois não, sejam 15 metros. Imaginem agora, em que largo circuito devem ter penetrado suas raízes neste solo duro e pedregoso, para que a árvore pudesse elevar-se altiva e enfrentar as tempestades. — Um destes, quando Luís tentou extrair do chão um cepo de árvore, teve de abandonar a empresa, depois de esforçar-se meio dia, com o auxílio de machado, serra e picareta. Donde tem a raiz a força de resistir tão obstinadamente ao machado?”

“Serve a raiz unicamente para segurar a árvore?”

“Esta é apenas uma das suas funções; também deve nutri-la. De certo nos impressiona que estas duas funções sejam aparentemente contraditórias. Pois, sendo apoio da árvore, a raiz há de ser dura, grossa, resistente. Existem, no entanto, além das raízes grossas, as capilares, São estas que sugam do solo o alimento necessário à planta. Como? Também isso é misterioso. Que massa d’água essas radículas tem que absorver! Dificilmente vocês acreditarão — mas já foi calculado exatamente — que uma árvore secular, num único verão, evapora 9.OOO kg de água. Imaginem agora a tarefa hercúlea que isso representa para as raízes, visto que uma parte dessa água é sugada por elas.

Contudo, as raízes capilares não têm apenas o encargo de fornecer uma parte da água, mas ainda uma quota dos demais alimentos da planta, como: hidrogénio, oxigénio, azoto, fósforo, enxofre, cálcio, magnésio, ferro, etc. Elas encontram esses elementos, naturalmente, em combinações químicas, das quais devem extrair as quantidades exigidas pelo vegetal.”

“Será que as raízes possuem uma espécie de bomba, como os bombeiros, ou como é que fazem a sucção?”, perguntou Celsinho.

“É maravilhosa a maneira por que as plantas chupam seu alimento. A bomba contra incêndio produz um jato d’água de considerável altura; e a planta? Ainda uma vez alguém providenciou para que o alimento chegue até o alto, bem alto, 2O, 3O, 4O metros, até a ponta da árvore!”

“É a lei da capilaridade, que já aprendemos,” adiantou o Silva.

“Sim, rapazes, a lei da capilaridade! Mas a lei verifica somente o fato; que assim é! E por que é assim? Quem eleva os 9OO kg daquele colosso vegetal! A uma altura de seis andares?

Quero contar-lhes uma coisa interessante a respeito do trabalho dantesco das raízes. Um botânico, examinando as raízes duma grande árvore, fez um achado curioso. Adivinhem o que encontrou: uma sola de sapato!”

“Uma sola? Mas como é que ela chegou lá?”

“Alguém enterrou um sapato velho. Aconteceu cair ali uma semente, que germinou e lançou raiz. Esta procurou abrir caminho, solo a dentro. Como avançasse, topou com a sola. Que fará a coitada? Desesperar? Oh, não! Toma uma resolução audaciosa. Não pode atravessar a sola grossa e dura. Mas quando o sapato foi cozido, a sovela perfurou-a em muitos lugares. Ora, os fios tinham, apodrecido, a raiz pois se subdividiu em tantas fibras, quantos furos havia no couro. As raizinhas atravessaram-nos e, do outro lado, novamente se reuniram em uma única raiz que prosseguiu seu caminho para as profundezas.”

“Dessa rija persistência podemos aprender, por nossa vez. Quão facilmente perdemos o ânimo, quando alguma dificuldade se nos opõe ou um empreendimento falha…”

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(TOTH, Monsenhor Tihamer. Na linda natureza de Deus. Editora S. C. J., 1945, p. 48-54)

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