MUITO poucos, nos tempos que vão correndo, fazem aquela espécie de trabalho que gostariam de fazer. Em vez de escolherem, livremente, as suas ocupações, são forçados, por necessidade econômica, a dedicar-se a tarefas que não conseguem satisfazê-los. Dizem muitos: «eu deveria ocupar-me em alguma coisa de superior ao que estou agora a fazer», ou «este meu trabalho só é importante, porque mo pagam». Tal atitude está na base de tanto trabalho imperfeito e mal executado. O homem que escolhe o trabalho, porque este satisfaz a uma finalidade que se harmoniza com o seu modo de ser, é o único que se engrandece pelo trabalho. Verdadeiramente, só ele poderá dizer, quando chegar ao fim:
«Está acabado»
Este sentido de vocação está, infelizmente, a desaparecer em nossos dias. Não se deve atribuir a culpa à complexidade do nosso sistema econômico, mas antes ao colapso dos valores espirituais. Qualquer trabalho, visto em perspectiva adequada, pode servir para nos enobrecer; mas para descobrir essa nobreza, exige-se, como prelúdio necessário, a compreensão da filosofia do trabalho.
Cada tarefa que empreendemos, contém dois aspectos: — a nossa finalidade que nos diz que ela merece ser feita, e o próprio trabalho, considerado independentemente do seu fim em vista. Jogamos o tênis para fazer exercício; mas jogamo-lo o melhor possível apenas pela satisfação de fazer isto bem. O homem que argumentasse que podia fazer igualmente exercício, por meio de uma técnica deficiente no campo de tênis, teria falhado na compreensão do segundo aspecto de toda a atividade: a realização da tarefa de harmonia com o padrão de perfeição próprio dela. De igual modo, o homem que trabalha numa fábrica de automóveis, pode ter como intenção primária ganhar o salário; mas a finalidade do trabalho em si é o acabamento perfeito do mester. Um trabalhador devia ter sempre presente esta segunda intenção, como o artista nunca se esquece da beleza a que há de tender, quando pinta, nem a dona de casa a necessidade da limpeza, quando espana o pó.
Hoje, tornou-se dominante o primeiro aspecto do trabalho e tende-se para desprezar o segundo… de tal modo que muitos operários, nas horas de trabalho, sentem-se enfastiar. São como hortelãos encarregados de cultivar couves para que se lhes desse esparregado, os quais se desinteressassem de que as suas hortas fossem convenientemente sachadas ou as couves vicejassem. Isto é uma atitude errada: o próprio Deus trabalhou quando fez o mundo e, vendo-o, achou-o «bom».
O orgulho legítimo de fazer bem um trabalho, modera-lhe, em grande parte, o enfado. Algumas pessoas, que se têm mantido fiéis a um ideal de perfeição, sentem viva emoção em qualquer trabalho. Conhecem a satisfação de «um trabalho bem feito», quer estejam a fazer uma cadeira, limpar uma cavalariça, ou esculpir a estátua para uma catedral. A honra e o respeito por si próprio recebem especial brilho da disciplina que se põem num trabalho cuidado. Conservam a velha atitude da Idade Média, em que o trabalho era um ato sagrado, uma cerimônia, uma fonte de mérito espiritual. Não era empreendido, então, o trabalho meramente por causa do ganho, mas era escolhido por um impulso interior, pelo desejo de projetar, com o próprio esforço humano, o poder criador de Deus.
Nenhuma tarefa devia ser empreendida por um espírito que ignorasse estes aspectos primários do trabalho. Para unir as duas coisas… a alegria de fazer bem uma mesa, e a finalidade pessoal que se tem ao fazê-lo, a qual é ganhar com que viver, devem-se ter em mente os seguintes princípios:
1) O trabalho é um dever moral e não, como muitos pensam, necessidade meramente física. São Paulo dizia:
«O homem que não quer trabalhar, deve deixar-se morrer à míngua»
Quando o trabalho é considerado dever moral, é evidente que contribui não só para o bem social, como também presta outros serviços ao próprio trabalhador: previne a ociosidade, da qual podem advir muitos perigos e mantém o corpo sujeito à razão.
2) «Trabalhar é orar». Uma vida bem ordenada não adia a oração para o fim do trabalho: faz do trabalho uma oração. Realiza-se isto, quando nos voltamos para Deus, no início e no fim de cada tarefa, e, mentalmente, a oferecemos por Seu amor. Deste modo, quer estejamos a olhar por uma criança ou a fazer carburadores, a rodar um torno mecânico ou a superintender num elevador, o trabalho é santificado. Por mais orações que se rezem nas horas de descanso, não podem estas compensar trabalho desmazelado. Mas quaisquer tarefas honestas, bem feitas, podem tornar-se oração.
3) Um economista medieval, Antônio de Florença, resumiu a relação entre o trabalho e a vida nesta fórmula feliz:
«Ganhar dinheiro tem como objetivo poder prover a nós próprios e aos que de nós dependem. Prover a nós e aos outros tem como objetivo poder viver virtuosamente. Viver virtuosamente, tem como objectivo salvar a nossa alma e atingir a felicidade eterna»
O trabalho, porque é uma atividade não só individual mas também social, devia, em justiça, receber duas espécies de recompensa. João Gomes, que trabalha numa mina, está cansado ao fim do dia: é este o seu sacrifício individual. Por ele recebe o seu salário. Mas João Gomes trouxe também, durante o dia, uma contribuição social para o bem-estar econômico do país e do mundo. Por esta contribuição social, João Gomes, hoje, nada recebe, embora tenha direito moral a uma parte da riqueza social que o seu trabalho criou. Precisamos duma modificação no sistema do salário, de modo que o operário coparticipe nos proventos, posse ou administração da indústria. Quando os chefes sindicais e os capitalistas acordarem em dar aos operários algum capital a defender, não mais haverá dois grupos rivais; trabalho e administração tornar-se-ão dois membros colaboradores trabalhando em harmonia, como as duas pernas de um homem cooperam ajudando-o a caminhar.
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(SHEEN, Dom Fulton. Rumo à Felicidade – WAY TO HAPPINESS. Tradução de Dr. A. J. Alves das Neves, pároco de São Pedro da Cova. Livraria Figueirinhas, Porto, 1956, p. 51-54)