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Trabalho

Capítulo 14. Trabalho - Livro Rumo à Felicidade, de Fulton Sheen
MUITO poucos, nos tempos que vão correndo, fazem aquela espécie de trabalho que gostariam de fazer. Em vez de escolherem, livremente, as suas ocupações, são forçados, por necessidade econômica, a dedicar-se a tarefas que não conseguem satisfazê-los. Dizem muitos: «eu deveria ocupar-me em alguma coisa de superior ao que estou agora a fazer», ou «este meu trabalho só é importante, porque mo pagam». Tal atitude está na base de tanto trabalho imperfeito e mal executado. O homem que escolhe o trabalho, porque este satisfaz a uma finalidade que se harmoniza com o seu modo de ser, é o único que se engrandece pelo trabalho. Verdadeiramente, só ele poderá dizer, quando chegar ao fim:

«Está acabado»

Este sentido de vocação está, infelizmente, a desaparecer em nossos dias. Não se deve atribuir a culpa à complexidade do nosso sistema econômico, mas antes ao colapso dos valores espirituais. Qualquer trabalho, visto em perspectiva adequada, pode servir para nos enobrecer; mas para descobrir essa nobreza, exige-se, como prelúdio necessário, a compreensão da filosofia do trabalho.

Cada tarefa que empreendemos, contém dois aspectos: — a nossa finalidade que nos diz que ela merece ser feita, e o próprio trabalho, considerado independentemente do seu fim em vista. Jogamos o tênis para fazer exercício; mas jogamo-lo o melhor possível apenas pela satisfação de fazer isto bem. O homem que argumentasse que podia fazer igualmente exercício, por meio de uma técnica deficiente no campo de tênis, teria falhado na compreensão do segundo aspecto de toda a atividade: a realização da tarefa de harmonia com o padrão de perfeição próprio dela. De igual modo, o homem que trabalha numa fábrica de automóveis, pode ter como intenção primária ganhar o salário; mas a finalidade do trabalho em si é o acabamento perfeito do mester. Um trabalhador devia ter sempre presente esta segunda intenção, como o artista nunca se esquece da beleza a que há de tender, quando pinta, nem a dona de casa a necessidade da limpeza, quando espana o pó.

Hoje, tornou-se dominante o primeiro aspecto do trabalho e tende-se para desprezar o segundo… de tal modo que muitos operários, nas horas de trabalho, sentem-se enfastiar. São como hortelãos encarregados de cultivar couves para que se lhes desse esparregado, os quais se desinteressassem de que as suas hortas fossem convenientemente sachadas ou as couves vicejassem. Isto é uma atitude errada: o próprio Deus trabalhou quando fez o mundo e, vendo-o, achou-o «bom».

O orgulho legítimo de fazer bem um trabalho, modera-lhe, em grande parte, o enfado. Algumas pessoas, que se têm mantido fiéis a um ideal de perfeição, sentem viva emoção em qualquer trabalho. Conhecem a satisfação de «um trabalho bem feito», quer estejam a fazer uma cadeira, limpar uma cavalariça, ou esculpir a estátua para uma catedral. A honra e o respeito por si próprio recebem especial brilho da disciplina que se põem num trabalho cuidado. Conservam a velha atitude da Idade Média, em que o trabalho era um ato sagrado, uma cerimônia, uma fonte de mérito espiritual. Não era empreendido, então, o trabalho meramente por causa do ganho, mas era escolhido por um impulso interior, pelo desejo de projetar, com o próprio esforço humano, o poder criador de Deus.

Nenhuma tarefa devia ser empreendida por um espírito que ignorasse estes aspectos primários do trabalho. Para unir as duas coisas… a alegria de fazer bem uma mesa, e a finalidade pessoal que se tem ao fazê-lo, a qual é ganhar com que viver, devem-se ter em mente os seguintes princípios:

1) O trabalho é um dever moral e não, como muitos pensam, necessidade meramente física. São Paulo dizia:

«O homem que não quer trabalhar, deve deixar-se morrer à míngua»

Quando o trabalho é considerado dever moral, é evidente que contribui não só para o bem social, como também presta outros serviços ao próprio trabalhador: previne a ociosidade, da qual podem advir muitos perigos e mantém o corpo sujeito à razão.

2) «Trabalhar é orar». Uma vida bem ordenada não adia a oração para o fim do trabalho: faz do trabalho uma oração. Realiza-se isto, quando nos voltamos para Deus, no início e no fim de cada tarefa, e, mentalmente, a oferecemos por Seu amor. Deste modo, quer estejamos a olhar por uma criança ou a fazer carburadores, a rodar um torno mecânico ou a superintender num elevador, o trabalho é santificado. Por mais orações que se rezem nas horas de descanso, não podem estas compensar trabalho desmazelado. Mas quaisquer tarefas honestas, bem feitas, podem tornar-se oração.

3) Um economista medieval, Antônio de Florença, resumiu a relação entre o trabalho e a vida nesta fórmula feliz:

«Ganhar dinheiro tem como objetivo poder prover a nós próprios e aos que de nós dependem. Prover a nós e aos outros tem como objetivo poder viver virtuosamente. Viver virtuosamente, tem como objectivo salvar a nossa alma e atingir a felicidade eterna»

O trabalho, porque é uma atividade não só individual mas também social, devia, em justiça, receber duas espécies de recompensa. João Gomes, que trabalha numa mina, está cansado ao fim do dia: é este o seu sacrifício individual. Por ele recebe o seu salário. Mas João Gomes trouxe também, durante o dia, uma contribuição social para o bem-estar econômico do país e do mundo. Por esta contribuição social, João Gomes, hoje, nada recebe, embora tenha direito moral a uma parte da riqueza social que o seu trabalho criou. Precisamos duma modificação no sistema do salário, de modo que o operário coparticipe nos proventos, posse ou administração da indústria. Quando os chefes sindicais e os capitalistas acordarem em dar aos operários algum capital a defender, não mais haverá dois grupos rivais; trabalho e administração tornar-se-ão dois membros colaboradores trabalhando em harmonia, como as duas pernas de um homem cooperam ajudando-o a caminhar.

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(SHEEN, Dom Fulton. Rumo à Felicidade – WAY TO HAPPINESS. Tradução de Dr. A. J. Alves das Neves, pároco de São Pedro da Cova. Livraria Figueirinhas, Porto, 1956, p. 51-54)