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Bom exemplo

Necessidade do bom exemplo

Ensina-se com autoridade, quando se prega com o exemplo, diz São Gregório; porque não se tem confiança naquele cujos atos contradizem sua linguagem[1].

Pastores, pais de família, amor, magistrados, professores, superiores, se ensinais aos demais e não vos reformais a vós mesmos, que força terão as vossas lições: Qui alium doces, teipsum non doces (Rm 2, 21).

Falar bem e viver mal, diz São Próspero, que é senão condenar-se com a própria língua? Bene docere, et male vivere, quid aliud est; quam se sua você damnare (In Sentent.).

Escutai a São Bernardo: Uma alta posição, diz, e uma alma abjeta…, o primeiro posto e uma vida indigna, uma língua eloquente e mãos ociosas, muitas palavras e nenhum fruto, um rosto grave e uma ação ligeira, uma grande autoridade e um espírito inconstante, um rosto severo e uma língua frívola, são coisas verdadeiramente monstruosas[2].

Aquele que ensina e não faz o que ensina é semelhante a um poço que dá água a todos quantos a querem, lava as manchas, e não pode purificar-se a si mesmo, diz o abade Pastor (Vit. Patr.). É semelhante àqueles postes colocados nos caminhos, que guiam aos viajantes e permanecem sempre no mesmo lugar até que apodreçam, caiam e sejam lançados ao fogo.

É preciso, diz São Paulo aos Romanos, renunciar às obras das trevas e tomar as armas da luz: Abiciamus opera tenebrarum, et induamur arma lucis (Rm 13, 12). Porque, diz ele aos Coríntios, achamo-nos diante do olhar do mundo, dos anjos e dos homens: Quia spectaculum facti sumus mundo et angeli et hominibus (1 Cor 4, 9).

Devemos dar bom exemplo ao próximo, diz São Bernardo, e é de nosso dever obedecer à nossa consciência: Proximo famam; nobis debemos er providemus conscientiam (Serm. LII, in Cant.).

Suplicamos-vos, meus irmãos, diz São Paulo aos Tessalonicenses, que procureis viver quietos, e que vos porteis modestamente com os que estão fora da Igreja: Honeste ambuletis ad eos qui foris sunt (1 Ts 4, 11).

Exortai-vos uns aos outros a fazer o bem, diz o Apóstolo aos Hebreus, enquanto durar o dia que se denomina “hoje”, a fim de que nenhum de vós chegue a endurecer-se com o enganoso atrativo do pecado (Hb 3, 13).

É preciso pregar a Jesus Cristo crucificado, antes com o exemplo que com palavras. Vivei com boas obras, porque em vão possuirias a terra inteira; se não a cultivásseis, nenhum fruto ela vos daria.

Preguemos com o exemplo e persuadamos com nossas palavras, diz Santo Atanásio: Vita mostra jubeat, linguapersuadeat (Tract. de Virginit.).

As nuvens fecundas derramam a chuva, diz o Eclesiastes: Si repletae fuerint nubes, imbrem super terram effundent (Ecl 11, 3). Estas nuvens são os homens que sem cessar dão bom exemplo. Fecundados pela graça de Deus, fazem o bem, derramam a vida por onde passem, temperam os ardores das paixões, regam as almas murchas, e fazem produzir com abundância excelentes frutos de vida.

Aquele que está diante dos demais pela autoridade, diz Santo Isidoro, deve estar à frente deles por suas virtudes; é necessário que lhe sirva de modelo e não tenha nada repreensível. Porque aquele que quer corrigir os outros, deve também estar livre de vitupério. Deve ensinar o bem; se se descuida de praticá-lo, que deixe também de mandá-lo[3].

Vivendo mal, diz São João Crisóstomo, ensinais a Deus, por assim dizer, como Ele nos deverá condenar. Terrível juízo aguarda a quem fala bem e age mal. “Mandar e não executar” é representar o papel de comediante e hipócrita. Deus elegeu-nos para ilustrar; devemos ser modelos. Seja o esplendor de nossa vida uma escola pública que ensine a praticar todas as virtudes[4].

É preciso, diz Santo Ambrósio, que a estima pública seja uma prova de nossas ações[5].

Somente poderemos desprezar as palavras daquele cuja vida não é edificante, diz Santo Tomás de Aquino: Cujus vita despicitur, restat ut ejus praedicatio condemnatur (S. Th. II, q. 5, art. 7).

Aquele que não faz o que ensina, não é de nenhuma utilidade para seus semelhantes; ao contrário, prejudica-os e condena-se a si mesmo.

Ó vós, que sois cristãos, exclama Santo Agostinho, dai aos outros exemplos de virtudes e não de vícios: Qui fidelis estis, non eis exempla quibus pereant, sed quibus proficiant, exhibeatis (Serm. CCXVIII).

O Senhor impôs a cada um de nós o dever de procurar a salvação de seu próximo edificando-o, conforme diz a Escritura: Mandavit illis uniquique de proximo suo (Ecl 17, 12).

A propósito daquelas palavras do Cântico dos Cânticos: Ego flos campi et lilium convallium: Sou a flor dos campos e o lírio dos vales, diz São Bernardo: Os costumes tem sua cor e seu odor. Seu odor na reputação a que dão nascimento, e sua cor aos olhos da consciência. A bondade e a pureza de intenção dão cor a uma ação, o bom exemplo presta-lhe um odor de modéstia e de virtude. Com a brancura de sua alma, o justo é um lírio e perfuma o próximo[6].

Fazei todas as coisas sem murmurações nem hesitações, diz São Paulo, para que sejais irrepreensíveis e simples como filhos de Deus, sem mancha em meio de uma nação depravada e perversa, onde resplandeceis como luzeiros do mundo, conservando a Palavra divina (Fl 2).

O que é a rosa? É a graça da primavera. O que é o bom exemplo? É a graça da virtude. Os atos do corpo são os que fazem conhecida a alma; os movimentos de um são a voz do outro.

Com o bom exemplo, obrigamos aqueles com quem vivemos a cuidar de seu exterior; Nós os obrigamos a que guardem seus olhos, sua língua, seus ouvidos, suas mãos, seus pés, seu espírito e seu coração.

A voz do ensino é larga, a do exemplo é curta e eficaz, diz Sêneca[7].

O homem edificante, diz São Bernardo, é uma pia cheia e um canal que esparge com abundância a água das virtudes (Serm. in Cant.).

Nada é comparável ao modelo que oferece o cristão virtuoso. O Rei Profeta diz, dirigindo-se a Deus: Senhor, em vossa luz, veremos a luz: In lumine tuo, videbimus lumen (Sl 35, 10). Outro tanto pode se dizer ao homem que edifica: com tua luz que esparge dando bons exemplos, todos veem a formosura da virtude e sentem-se inclinados a praticá-la. O bom exemplo é como Jesus Cristo; ilumina a todos os homens que vem a este mundo (Jo 1, 9). Como Jesus Cristo, o homem que, com seus bons exemplos, exala o perfume das virtudes, é, de certo modo, o caminho, a verdade e a vida.

O bom exemplo é um sol resplandecente que aquece, fecunda, vivifica, e é de admirável formosura.

O bom exemplo é um argumento que não se pode contradizer, diz São João Crisóstomo: Haec est rationatio, cui contradici non potest, quae fit per facta (In Psalm.).

Por isso, São Jerônimo diz que a vida dos Santos é a interpretação clara e visível das Escrituras: Vita Sanctorum est interpretatio Scripturarum (Comment.).

Gedeão ocultava lâmpadas em vasos de barro; porém, na hora do combate, quebrou os vasos e com a luz que, de repente, aparece, espanta o inimigo, derrota-o e abate-o. O demônio e o mundo as paixões ficam assustados e aniquilados com a luz dos bons exemplos; porque as trevas, diz São Bernardo, não suportam sofrer a luz: Terrentur principes tenebrarum visa luce bonorum operum; quia stare ante lucem tenebrae nonpossunt (Lib. Consid.).

Aquele que vive muito santamente, é um grande Doutor, diz São Gregório: Qui magna sanctitate radiat, multa vivendo ostendit (Pastor.).

A luz que derramam os justos enche de alegria os corações, dizem os Provérbios: Luz justorum laetificat (Pr 18, 9).

Os mananciais de água viva correm sempre para refrescar aqueles que querem valer-se deles; correm sempre, até quando não queremos água. O mesmo sucede com o bom exemplo.

O cristão é um compêndio do Evangelho, diz Tertuliano: Christianus compedium Evangelii (In Apolog.). O santo Concílio de Trento qualifica o bom exemplo de pregação contínua: Perpetuum praedicandi genus (Sess. XXV, de Reform. C. I).

A vida do cristão deve ensinar o caminho da salvação, diz Santo Agostinho: Vita debet esse salutis praedicatio (Sentent.). Os bons exemplos tem uma voz mais clara e mais sonora que o som da trombeta, acrescenta o grande Doutor: Bona exempla vocês edunt omni tua clariores (Ut supra).

O bom exemplo é o sal da terra, a luz do mundo. Que vossa luz brilhe diante dos homens, diz Jesus Cristo, a fim de que vejam as vossas boas obras, e glorifiquem o vosso Pai que está nos céus[8].

O homem não sente o peso de suas vestimentas: da mesma maneira aquele que se reveste de Jesus Cristo não sente as dificuldades da prática das virtudes; inclina aos demais para que façam o bem, e para que se revistam de Jesus Cristo.

O bom exemplo dissipa as trevas, produz uma luz viva e indica o bom caminho. A virtude e as boas obras são chamadas luz, primeiro porque amam a luz divina e iluminam aos homens; segundo porque emanam de Deus, que é a verdadeira luz…

O apóstolo São Paulo tinha grande gozo e consolo nas obras da caridade de Filêmon, vendo quanta recreação e alívio os fieis necessitados haviam recebido de sua bondade.

O bom exemplo faz conhecer, amar, servir e glorificar a Deus, diz o Apóstolo São Pedro: Ex bonis operibus vos considerantes, glorificent Deum (1 Pd 2, 12).

Com o bom exemplo, observam-se e fazem-se observar os mandamentos de Deus; apresentamo-nos assim, e preservamos aos demais de toda ferida grave, diz a Sabedoria[9].

Sublimes exemplos de Jesus Cristo e dos santos

Jesus Cristo não deixou durante a sua vida de dar ao mundo inteiro os mais sublimes exemplos de todas as virtudes. Por essa razão, insta-nos o grande Apóstolo a que nos revistamos de Jesus Cristo: Induimini Dominum Jesum Christum (Rm 13, 14). Jesus Cristo é nossa força, nossa vida, nosso esposo, nosso alimento, nossa bebida, o Sacerdote por excelência, nosso dono, nosso pai, nosso irmão, nossa herança, nosso coerdeiro, nossa mansão, nosso hóspede, nosso amigo, nosso médico, nosso remédio, o manancial da graça, nossa salvação, nossa riqueza, nossa luz, e nossa glória. É o caminho, a verdade e a vida; Ego sum via, veritas et vita (Jo 14, 6). O manancial da vida, manancial que tem a plenitude das águas divinas, e apaga a sede de alma dos fieis; visita a terra, rega-a e fecunda-a. Imitemo- Lo com uma vida santa; Ajamos de tal maneira que possamos dizer com São Paulo: Sede meus imitadores, como eu o sou de Jesus Cristo… Imitatores mei estote, sicut et ego Christi (1 Cor 11, 1). Inspiremo-nos naqueles exemplos de Jesus Cristo, e edificaremos a nosso próximo. Olhemos e imitemos o autor de nossa fé, diz São Paulo aos Hebreus: Aspicientes in autorem fidei (Hb 12, 2).

Jesus Cristo começa agindo, e logo ensina, dizem os Atos dos Apóstolos: Coepi Jesus facere, et docere (At 1, 1). Assim é como deve se portar o cristão, a fim de que todos O estudem com prazer, desejem se encontrar próximo a Ele, ouçam-No e imitem-No, e quando todos os homens o vejam, deduzam ver a outro Cristo. O cristão não é digno deste nome senão na medida em que imita a Jesus Cristo e revista-se de sua natureza divina; sem zelo, o título que leva é uma palavra vazia.

Jesus Cristo, diz São João Batista, era uma lâmpada ardente e brilhante: Ille erat ardens et lucens (Jo 5, 35). A respeito desse particular acrescenta São Bernardo: Tão somente iluminar não é nada. Tão somente queimar não é o bastante; porém, queimar e iluminar é a perfeição[10] . Faz-nos notar este santo Doutor: João Batista era uma lâmpada ardente e brilhante: não foi primeiro brilhante e depois ardente, senão primeiro ardente e, logo, brilhante. Sua luz provinha do fervor que lhe devorava, e não o fervor da luz que espargia[11]. Assim, brilhar com a luz do talento e não ter o fogo da piedade é vaidade, erro e nada mais.

São Gregório Nazianzeno diz de São Basílio: A palavra de Basílio era como um trovão, porque sua vida era um relâmpago: Sermo Basilii erat tonitru, quia vitae jus erat fulgor (Orat. de S. Basil.).

Os santos espargem o bom odor de Jesus Cristo: Christi bonus odor sumus (1 Cor 2, 15).

Quando mais se pulverizam os aromas, mais longe espargem seu agradável odor; quanto mais Jesus Cristo, os apóstolos, os mártires, os confessores e todos os Santos foram prensados e como pulverizados pelas tribulações e as perseguições, tanto mais espargiram o suave e divino odor do bom exemplo e de todas as virtudes. Exalam um odor vivificante que causa a vida aos que se salvam: Aliis autem odor vitae in vitam (2 Cor 2, 16).

Como o grande Apóstolo, todos os Santos fizeram o bem não somente diante de Deus e para Deus, senão também diante dos homens e para a salvação dos homens[12].

São Bernardo diz do bispo São Malaquias que este não movia um membro sem motivo e sem ter por objetivo a edificação do próximo.

São Luciano, sacerdote e mártir, converteu uma multidão de pagãos com a modéstia, a alegria, e a piedade de seu olhar. O imperador Maximiano tendo ouvido dizer por meio de um grande número de pessoas que o rosto daquele Santo inspirava tanto respeito e amor, que se o visse, se tornaria cristão, fez-lhe tapar a cabeça por medo de que sua vista convertesse a ele e a todos os assistentes (Baron. An. Eccl.).

Ouvi a São Gregório: Abel veio, diz, para ser um exemplo de inocência; Henoc, para ensinar-nos a pureza de ação; Noé, para obrigar-nos a não perdermos jamais a esperança e a perseverar; Abraão, para ensinar-nos até onde deve chegar a obediência; Jacó, para inspirar-nos constância nos trabalhos; Moisés, para instruir- nos no que deve ser a doçura e a mansidão, e Jó para dar-nos lições de paciência. Assim é que os Santos, como as estrelas do firmamento, brilham para iluminar-nos e indicar-nos o caminho das boas ações, que é o do Céu. Os Santos que Deus fez, são outros tantos astros brilhantes, destinados a dissipar as trevas que rodeiam os pecadores (Lib. Moral.).

Eis aqui porque São Paulo disse aos Hebreus: Posto que estamos rodeados de uma tão grande novem de testemunhas, desprendamo-nos de tudo o que é pecado e dos laços do pecado, e corramos com paciência ao término do combate que nos é proposto: Ideoque et nos teniam habentes impositam nubem testium, deponentes omne pondus, et circunstans nos peccatum, perpatientiam curramus adpropositum nobis certamen (Hb 12, 1).

Leia a vida dos Santos e imite seus exemplos aquele que quer ser santo: extraia do fogo e da resplandecente claridade daqueles astros celestiais a luz do espírito e a chama do coração. Na imitação dos Santos, o cristão se aplica a defender sua vida com suas palavras, e suas palavras com sua vida, diz São Gregório: Studet defendere loquendo quod vivit, et ornare vivendo quod dicit (Pastor.). Em tudo isso não busca sua glória, senão a de Deus e a salvação do próximo; e porque trata tão somente de alcançar este duplo fim, a glória lhe segue e lhe protege. Isto é o que São Jerônimo diz de Santa Paula:

“Fugia da glória, e a glória a perseguia”

O caminho do justo, dizem os Provérbios, é como o sol do Oriente, que se adianta e cresce até ao meio dia: Justorum semita, quasi luz splendens; procedit et crescit usque adperfectam diem (Pr 4, 18).

O cristão persuade antes de falar, diz São João Crisóstomo; parece-se ao sol: desde que aparece, dissipa as trevas[13].

Os Santos são os Anjos da terra, “divindades” providas de corpo. O olho de Deus contempla amorosamente; eleva-lhes à medida que eles se humilham: são muitos os que lhe admiram e eles fazem honrar a Deus[14].

Santo Tomás de Aquino, diz o Papa Clemente VI, foi modelo de todas as virtudes, e cada um de seus membros era objeto de um ensino. A simplicidade brilhava nos seus olhos, a bondade no seu rosto, a humildade em sua maneira de escutar, a sobriedade em seus gostos, a verdade em sua boca, derramava ao seu redor uma espécie de perfume; suas ações eram irrepreensíveis, suas mãos liberais, sua marcha grave, seus costumes honestos, seu coração piedoso, seu espírito brilhante e perspicaz. Tinha uma bondade afetuosa, uma alma santa e plena de caridade. Foi, em uma palavra, o retrato e a honra do cristão exemplar, e a imagem viva da virtude.

São Bernardo diz do apóstolo Santo André: sobre a cruz, pregava a Jesus Cristo crucificado: Crucifxus, crucifixumpraedicabat.

Falando dos primeiros cristãos, Tertuliano diz que somente com sua presença confundiam a todos os vícios: Ecce occursu meo vitia suffundo (Apolog.).

Quão vantajoso é o bom exemplo dos superiores

O centurião acreditou, diz o Evangelho, e depois dele toda a sua casa: Credidit ipse, et domus ejus tota (Jo 4, 53).

Minha alma servirá a Deus, diz o Real Profeta, e meus descendentes me imitarão: Et anima mea illi vivet, et semen meum serviet ipsi (Sl 21, 31).

Um pastor, um rei, um magistrado, um pai de família, um amo, etc. que dão bom exemplo, procuram a glória de Deus; o triunfo da Religião, a salvação das almas, etc. Olhai a Constantino, a Carlos Magno, a São Luiz, olhai a família daquele pai, a daquelas mães exemplares… Quais não são, ao contrário, as consequências do mau exemplo?

Porque os homens de escândalo criticam às pessoas edificantes

Não vos surpreendais, irmãos meus, que o mundo vos odeie, diz o Apóstolo São João: Nolite mirari, fratres, si odit vos mundus (1 Jo 3, 13).

Há cinco motivos que inclinam aos maus a criticar e a condenar pessoas piedosas e exemplares.

  1. O primeiro é a diferença de costumes; porque se a semelhança causa amor, a diferença causa ódio;
  2. O segundo é a inveja;
  3. O terceiro é despeito que experimentam os mundanos vendo que os cristãos se separam deles e fogem de sua sociedade.
  4. O quarto é que não podem sofrer as repreensões das pessoas virtuosas, porque somente com sua vida condenam altamente a má conduta;
  5. O quinto é a oposição que existe entre os filhos do mundo e os Santos; os primeiros estão plenos de amor próprio; os segundos não obram senão sob impulsos do amor divino. Porém, por este meio, atraem-se louvores e adquirem dignidades e uma glória que os mundanos invejam.

Em que consiste o bom exemplo

  1. Revesti-vos de Jesus Cristo, diz São Paulo aos Romanos: Induimini Dominum Jesum Christum (Rm 13, 14). Eis aqui em que se encontra a perfeição do bom exemplo.

Revestir-se de Jesus Cristo, diz São João Crisóstomo, é representar a Jesus Cristo em todas as nossas ações, pela santidade e a mansidão (Homil. ad pop.). Seja, pois, o cristão, o retrato perfeito e a viva imagem de Jesus Cristo; é para ele uma obrigação sagrada que contraiu solenemente nas fontes batismais; comprometeu-se a representar Jesus Cristo com sua vida, suas ações, seu exterior e sua maneira de ser. É certo que, tantos cristãos quanto os há, deveriam ser outros Cristos pela imitação e o exemplo.

A conversação e a vida do cristão, diz São Jerônimo, deve ser tal que seus movimentos, seus passos, e todos os seus atos não respirem mais que a graça do céu[15].

  1. Fazei todas as coisas sem murmurar nem titubear, diz o grande Apóstolo aos Filipenses, a fim de que vos acheis sem defeito e sem disfarce, como filhos de Deus, e irrepreensíveis em meio de uma nação perversa e corrompida, no meio da qual brilhais como os astros do mundo, conservando em vós a palavra de vida[16].

O Apóstolo, diz Santo Ambrósio, adverte aos cristãos e manda-lhes que se recordem de sua profissão de fé e correspondam a ela, a fim de que no meio dos incrédulos sirvam de modelo com sua vida, sua linguagem e seus costumes, e brilhem como o sol e a lua entre as estrelas.

O Apóstolo, diz São João Crisóstomo, exorta aos cristãos para que iluminem e brilhem como astros na noite do século: Monet ut in nocte hujus saeculi quase stellae resplandeant et refulgeant (In Espist. ad Philip.).

São Paulo, diz Santo Anselmo, quer que os cristãos sejam astros que, fixos no céu, não se inquietam pelas coisas da terra, senão que vivam ocupados em seguir e cumprir seu curso e derramar sua luz sobre o mundo[17]. Devem se parecer àquela mulher de que fala o Apocalipse e que representa à Santa Virgem e à Igreja: está vestida de sol; tem a lua a seus pés e, ao redor da cabeça, uma coroa de dez estrelas: Mulier amicta sole et luna, sub pedibus ejus, et in capite ejus corona stellarum duodecim (Ap 12, 1).

Devemos ser faróis que iluminem e conduzam ao porto aos navegantes extraviados na noite e no mar tempestuoso do mundo; devemos ajudá-lo a evitar o naufrágio e a alcançar a cidade santa.

É preciso ter uma voz pausada, um andar isento de fausto e de ruído, falar pouco, entreter-se com bons pensamentos, armar-se de modéstia, ter os olhos baixos e a alma elevada ao céu. Este é o cristão exemplar.

É necessário imitar aos Tessalonicenses, que São Paulo louvava com esses termos: Servistes de exemplo a todos os fieis, não apenas na Macedônia e na Acaia, senão que vossa fé em Deus tornou-se tão célebre por todas as partes, que não é necessário que falemos dela, posto que em todas as partes diz-se qual foi o êxito de nossa estada entre vós, e como vos convertestes a Deus, deixando os ídolos para servir ao Deus vivo e verdadeiro, e para aguardar do céu a seu Filho Jesus, que ressuscitou e que nos livrou da cólera futura (1 Ts 1, 7-10).

Vossa fé é célebre em todo o mundo, diz o grande Apóstolo aos Romanos: Fides vestra annuntiatur in universo mundo (Rm 1, 8).

Escutai o que escreve a seu discípulo Timóteo: Sede o exemplo dos fiéis em vossos discursos, em vossa conduta para com o próximo, e por vossa caridade, vossa fé e vossa castidade: Exemplum esto fidelium, in verbo, in conversatione, in caritate, in fide, in castitate (1 Tm 4, 12).

O mesmo Sócrates mandava a seus discípulos que adquirissem e praticassem estas três virtudes:

  1. A prudência;
  2. O silêncio; e
  3. A modéstia (Anton. in Meliss.).

Apresentai-vos como um modelo de boas obras em todas as coisas pelo ensino, pela pureza de costumes, pela gravidade, escreve o Apóstolo a Tito; seja sã e irrepreensível a doutrina que pregueis, a fim de que quem seja nosso adversário fique confundido e não tenha nada que dizer de nós[18].

Olhemo-nos uns aos outros para animar-nos à caridade e às boas obras, escreve aos Hebreus: Consideremus invicem, inprovocationem caritatis et bonorum operum (Hb 10, 24).

Quando se tratou de escolher diáconos, os Apóstolos disseram aos discípulos: Elegei, irmãos, a sete homens entre vós, de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria: Considerate “fratres” viros ex vobis boni testimonii septem, plenos Spiritus Sancto, et sapientia (At 6, 3).

O bom exemplo quer que vivamos, de certo modo, como São Bernardo, do qual um historiador não deixou o seguinte retrato: São Bernardo tinha um rosto sereno, um exterior modesto, uma prudência extrema no falar, era timorato em suas empresas, assíduo na oração, piedoso na meditação, grande na fé, firme na esperança, ardente na caridade; distinguia-se por uma humildade profunda e uma terna piedade. Prudente nos conselhos, hábil nos negócios, sofrendo alegremente os opróbrios, sempre pronto em fazer favores com uma grande doçura de costumes, santo por seus méritos, estava pleno de sabedoria, de virtudes e de graças aos olhos de Deus e dos homens.

É preciso, diz Santo Agostinho, que os servidores e adoradores de Deus sejam doces, graves, prudentes, piedosos, irrepreensível, sem mancha, a fim de que todos os que os vejam admirem-se e maravilhem-se, dizendo: Estes homens são deuses[19].

Devemos nos distinguir, não pelos adornos do corpo, senão pelos da alma, que são a modéstia e a inocência.

Motivado por aquelas palavras de Jesus Cristo: Tende lâmpadas acesas em vossas mãos: Lucernae ardentes in manibus vestris (Lc 12, 35), São Gregório diz: Temos em nossas mãos lâmpadas acesas quando, com nossas boas ações, somos exemplos luminosos para nosso próximo[20].

Devemos, diz São João Crisóstomo, levar uma vida irrepreensível, a fim de que os homens que nos examinem achem em nós um espelho de santidade, Não haveria necessidade de palavras, se a santidade brilhasse em nossa vida[21].

Não tenhamos em nossos lábios, diz São Martinho, senão palavras de paz, de pureza, de caridade, de piedade: ache-se neles, raras vezes, o mundo, mas, sim, com muita frequência, a Jesus Cristo[22].

Podemos aplicar aos fieis leigos aquelas palavras do santo Concílio de Trento: Convém que os clérigos chamados ao serviço de Deus regulem sua vida e seus costumes de tal maneira que não haja nada que não seja grave, moderado e religioso em seu exterior, em seu gesto, em seu andar e em todas as coisas, a fim de que suas ações a todos inspirem respeito: Sic decet clericos in sortem Dei vocatus, vitam moresque suos componere, ut habitu, gestu, incessu, aliisque omnibus rebus nihil nisi grave, moderatum ac religione plenum prae se ferant; ut eorum actiones cunctis afferant venerationem (Sess. XXII, de Reform. c. I).

Recompensas dos bons exemplos

Os que são sábios, diz a Escritura, brilharão como os esplendores do céu; e os que ensinam a justiça aos homens, serão como estrelas. Durante toda a eternidade julgarão às nações (Dn 13, 3). Mas o sinal mais certo da verdadeira sabedoria… o melhor meio de instruir é levar uma vida exemplar.

Com o bom exemplo obteremos aqui na terra a paz, a graça e uma boa morte; e no outro mundo, uma felicidade eterna.


Referências:

[1]   Cum imperio docetur, quod prius agitur quam dicatur; nam doctrinae subtrahit fiduciam, quando conscientizam praepedit linguam (Pastor.)

[2]  Monstuosa res est gradus summus, et animus infimus; sedes prima, et vita ima; língua magníloqua, et mutans sabilitas; facies rugosa, et língua nugosa (Lib. Consid.).

[3]  Qui in erudiendis atque instituendis ad virtutem populis proerit, necesse est ut in omnibus sanctus sit, et in nullo reprehensibilis habentur. Qui enim alium de peccatis arguit, ipse a peccato debet esse alienus. Docente quae recta sunt: qua propter, qui negligit recta facere, negligat recta docere (De forma bene vivendi).

[4]  Male vivendo, doces Deum quomodo debent te condemnare. Grandis est condemnatio componenti sermonem suum, vitam vero suam negligeni… Sit communis omnium scholae, exemplarque virtutum, vitae tua esplendor (Homil. ad pop.).

[5] Decet actuum nostrorum testem esse publicam aestimationem (Serm. III).

[6]  Habent mores colores suos, habent et odores: odorem in fama, colorem in conscientia. Colorem operi tuo dat bonitas, et cordis intentio; odorem modestiae et virtutis exemplum. Justus lilium est in se candidum, sed próximo odoratum (Serm. LXXI in Cant.).

[7] Longum est iter per praecepta, effficax et breve per exempla (Epist. VI).

[8]  Sic luceat lux vestra coram hominibus ut videant vestra bona opera et glorificent Patrem vestrum qui in caelis est (Matth. V, 16).

[9] Omnis enim deserviens tuispraeceptis, utpueri tui custodirentur illaesi (Sap. XIX, 6).

[10] Tantum lucere, vanum; tantum ardere, parum; ardere et lucere, perfectum (Serm. de Nativ. S. Joann.).

[11] Lucens et ardens, quia Joannis ex fervore splendor; non fervor prodiit ex splendore (Ibid.).

[12] Prividemus bona non solum coram Deo, sed etiam coram hominibus (II Cor. VIII, 21).

[13] Priusquam loquitur, persuadet; quemadmodum ut solis jubar, ut primum apparet, fuget tenebras (Homil. ad pop.).

[14]  Oculos Deus respexit illum in bono, et erexit eum ab humilitate ipsius, et exaltabat caput ejus, et mirati sunt in illo multi, et honaraverunt Deum (Eccli. XI, 13).

[15]  Ea debet esse conservatio et vita (christiani) ut omnes motus et gressus, atque universa ejus opera caelestem redoleant gatiam (Comment. in Epist. ad Philipp.).

[16]  Omnia facite, sine murmurationibus et haesitationibus; ut sitis sine querella et simplices filii Dei, sine reprehensione in medio nationis pravae et perversae: inter quos lucetis sicut luminaria in mundo; verbum vitae continentes (Phil. II, 14-16).

[17]  Vult ut Christiani sint quase stellae quae, in coelo fixae, non currunt terrena; sed totae intendunt ut suos cursus et motusperagant, lucemque spargant mundo (In Epist. ad Philip.)

[18] In omnibus te ipsum praebe exemplum bonorum operum, in doctrina, integritate, gravitate, verbum sanum, inreprehensibile. Ut is qui ex adverso est, vereatur, nihil habens malum dicere de nobis (Tit. II, 7-8).

[19]   Tales convenit esse Dei cultores et servos, mansuetos, graves, prudentes, pios, irreprehesibiles, immaculatos; ut quisquis viderit eos, stupeat et dicet: Hi omnes sunt dii (De Vita Chist.).

[20]  Lucernas quippe ardentes in manibus tenemus, cum per bona opera proximis nostris lucis exempla monstramus (Pastor.)

[21]  Debet habere vitam immaculatam, ut omnes in illum et in ejus vitam, veluti in speculum excellens intueantur. Non opus esset verbis, si vitam nostra sanctitatis luce fulgeret (Homil. ad pop.)

[22] Numquam in ore nisi pax, nisi castitas, nisi pietas: rarior in ore mundus, frequentior Christus (Ribaden, in ejus vitae).