Nunca viu a terra uma alma que, como Maria, com tanta perfeição pusesse em prática o grande preceito do Salvador: Importa orar sempre e nunca cessar de o fazer (Lc 18,1). Ninguém melhor do que Maria nos pode servir de exemplo, diz Conrado de Saxônia, e ensinar a necessidade da oração perseverante. Santo Alberto Magno escreve que a Divina Mãe foi, abaixo de Jesus, a mais perfeita na oração, de quantos têm existido e hão de existir.
Sendo a terra lugar de merecimentos, é com razão chamada vale de lágrimas, porque nós todos aqui fomos postos para sofrer, e por meio da paciência conquistar a vida eterna para nossas almas
Pois, não disse o Senhor: Por vossa paciência possuireis vossas almas? (Lc 21,19). Deu-nos ele a Virgem Maria para exemplo de todas as virtudes, mas principalmente para modelo de paciência. Entre outras reflexões, diz São Francisco de Sales que Jesus, nas bodas de Caná, só dirigiu à Santíssima Virgem uma resposta, na qual parecia fazer pouco caso de seu pedido.“Mulher, que nos importa isso, a mim e a ti? A minha hora ainda não chegou”.Fê-lo para nos dar um exemplo da paciência de sua Mãe Santíssima. Mas por que citar detalhes particulares? Toda a vida de Nossa Senhora foi um contínuo exercício de paciência. Segundo a revelação do anjo a Santa Brígida, a Bem-aventurada Virgem sempre viveu entre as tribulações. Tal como entre os espinhos viça a rosa, viveu assim entre padecimentos contínuos a Mãe de Jesus. Só a compaixão com as penas do Redentor foi bastante para torná-la mártir de paciência. Daí a palavra de São Bernardino de Sena: A crucificada concebeu o Crucificado. Quanto ao que sofreu na viagem e estadia no Egito, assim como no tempo em que viveu com o Filho na oficina de Nazaré, já o consideramos acima quando tratamos de suas dores. Bastava sua assistência junto a Jesus moribundo no Calvário, para fazer conhecer quanto foi constante e sublime sua paciência. Foi então, precisamente pelos merecimentos de sua paciência, que se tornou Maria nossa Mãe e nos gerou a vida da graça, diz Santo Alberto Magno.
A Santíssima Virgem amava a obediência
Quando da embaixada de São Gabriel não quis tomar outro nome senão o de escrava. “Eis aqui a escrava do Senhor”. Com efeito, testemunha São Tomás de Vilanova, essa fiel escrava do Senhor nunca o contrariou, nem por ações, nem por pensamentos. Obedeceu sempre e em tudo à divina vontade, completamente despida de toda vontade própria. Ela mesma declarou que Deus se tinha agradado de sua obediência. “Ele olhou a baixeza de sua serva.” A humildade própria de uma serva é ser sempre pronta a obedecer. Por sua obediência, reparou Maria o dano causado pela desobediência de Eva, afirma Santo Irineu.“Como a desobediência de Eva causou a morte ao gênero humano, assim pela obediência foi a Virgem, para si e para a humanidade, a causa da salvação.”
Nosso amoroso Redentor, para ensinar-nos a desprezar os bens do mundo, quis viver pobre na terra.
“Por vosso amor Cristo se fez pobre, a fim de que vós fôsseis ricos” (2 Cor 8,9).Daí a exortação do Senhor a quantos o querem seguir: Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens, e dá-o aos pobres (Mt 19,21). Maria, sua mais perfeita discípula, também lhe quis seguir o conselho. Com a herança de seus pais, teria ela podido viver folgadamente, como prova São Pedro Canísio. Preferiu, no entanto ser pobre, muito pouco reservando para si e o mais distribuindo em esmolas ao templo e aos pobres. Afirmam muitos autores que a Virgem fez voto de pobreza. De fato, nas revelações de S. Brígida lemos estas palavras de Maria: Desde o começo prometi a meu Senhor nada possuir neste mundo. Não deviam certamente ter pouco valor os presentes dos Santos Magos. Fê-los, porém, a Senhora repartir com os pobres, pelas mãos de São José, conforme atesta Santo Antonino. Que os distribuiu imediatamente, prova-o a oferta que trouxe quando da apresentação no templo. Não ofertou o cordeiro, que era o presente dos ricos, imposto pelo Levítico, mas as duas rolas ou pombas, oferta dos pobres (Lc 2,24). O que possuía - disse a Virgem Santíssima a Santa Brígida - dei-o aos pobres; só guardei o indispensável para vestir e comer.
Depois da queda de Adão, rebelaram-se os sentidos contra a razão, e não há para o homem mais difícil virtude a praticar do que a castidade. Conforme o Pseudo-Agostinho, por ela luta-se todos os dias, mas raramente se ganha a vitória. Mas o Senhor nos deu em Maria um grande modelo dessa virtude. Ela, com razão, é chamada Virgem das virgens, lemos em Santo Alberto; e isso porque sem conselho, nem exemplo de outros, foi a primeira a oferecer sua virgindade a Deus, dando-lhe assim as outras virgens que a imitaram. Predisse-o Davi com as palavras: Virgens que te seguem serão conduzidas até ao rei...; entram no palácio do rei (Sl 44,15 e 16). Sem conselho nem exemplo, digo eu, firmado em São Bernardo. Ó Virgem - pergunta o Santo - quem te ensinou a agradar a Deus pela virgindade, levando na terra uma vida angélica? Ah! torna o Pseudo-Jerônimo, certamente Deus escolheu para sua Mãe esta Virgem puríssima, para que servisse a todos de exemplo de castidade. Eis a razão por que Santo Ambrósio a chama de porta-bandeira da virgindade.
Da fé nasce a esperança. Pois Deus nos ilumina com a fé, fazendo-nos conhecer sua bondade e suas promessas, para que nos elevemos pela esperança ao desejo de possuí-lo. Possuindo Maria a virtude da fé por excelência, teve também, por excelência, a virtude da esperança. Bem podia dizer com Davi: Para mim a felicidade é apegar-me a Deus, pôr no Senhor Deus a minha esperança (Sl 22,28). Maria foi a fiel esposa do Espírito Santo, aplaudida nos Cânticos: Quem é esta que sobe do deserto inundando delícias, e firmada sobre o seu amado? (8,5). Sobre o texto diz o Cardeal Algrino:
“Maria foi sempre e totalmente desapegada dos afetos do mundo, que lhe passava por um deserto. Não confiava nem nas criaturas, nem nos próprios merecimentos, mas só contava com a graça divina, na qual estava toda a sua confiança. E assim se adiantou cada vez mais no amor de seu Deus”
A bem-aventurada Virgem, assim como é Mãe do amor e da esperança, também é Mãe da fé.
“Eu sou a Mãe do belo amor, do temor e do conhecimento e da santa esperança” (Eclo 24,24).Acertadamente tal se chama, diz Santo Ireneu, porque o dano que Eva com sua incredulidade causou, Maria o reparou com sua fé. Palavra essa que Tertuliano confirma, dizendo: Eva deu crédito à serpente, em oposição à palavra de Deus, e com isso trouxe a morte; nossa Rainha, ao invés, crendo na palavra do anjo, segundo a qual devia ser Mãe do Senhor e permanecer virgem, gerou ao mundo a salvação. De acordo está com isso a seguinte sentença, atribuída a Santo Agostinho: Dando Maria seu consentimento à Encarnação do Verbo, abriu aos homens o paraíso por sua fé. Identicamente exprime-se também Ricardo de São Vítor, com referência à palavra de São Paulo: O marido infiel é santificado pela mulher fiel (1Cor 7,7). É Maria, diz Ricardo, essa mulher fiel, porque com sua fé salvou Adão e a toda descendência dele. Por causa desta fé, proclamou-a Isabel bem-aventurada:
“E bem-aventurada tu, que creste, porque se cumprirão as coisas que da parte do Senhor te foram ditas” (Lc 1,45).Porque abriu seu coração à fé em Cristo, é Maria mais bem-aventurada do que por haver trazido no seio o corpo de Jesus Cristo.
O amor para com Deus e para com o próximo nos é imposto pelo mesmo preceito:
“E nós temos de Deus este mandamento que o que ama a Deus ame também o seu irmão” (1Jo 4,21).Santo Tomás dá-nos a razão: Quem ama a Deus ama todas as coisas amadas por ele. Disse um dia Santa Catarina de Sena: Meu Deus, quereis que eu ame ao próximo e só a vós eu posso amar. Ao que lhe respondeu o Senhor: Quem me ama também ama tudo aquilo que é amado por mim. Ora, como nunca houve, nem haverá quem ame a Deus mais do que Maria, tão pouco nunca houve, nem haverá, quem mais do que ela ame ao próximo.
Diz Santo Alberto Magno:
Quanto é grande a pureza, é também grande o amor. Quanto mais um coração é puro e vazio de si mesmo, tanto mais cheio é de caridade para com Deus.Assim Maria, sendo sumamente humilde e vazia de si, foi cheia do divino amor e nesse amor excedeu a todos os anjos e homens, como disse São Bernardino de Sena. Com razão, a chama São Francisco de Sales, Rainha do amor.
Deu o Senhor aos homens o preceito: Amarás ao Senhor, teu Deus, de todo o teu coração (Mt 22,37)
Entretanto os homens, diz Santo Tomás, não na terra, mas no céu, poderão cumpri-lo perfeitamente. Na opinião de Santo Alberto Magno, semelhante preceito, por ninguém cumprido com perfeição, de certo modo teria sido indecoroso ao Senhor, que o decretou, se não houvesse existido sua santa Mãe que o cumpriu perfeitamente. Tal pensamento é confirmado por Ricardo de São Vítor: A mãe de nosso Emanuel em todo sentido praticou as virtudes com consumada perfeição. Quem como ela cumpriu o preceito de amar a Deus de todo o coração? Tão intenso era-lhe o incêndio do amor divino, que não restava lugar para a menor imperfeição. De tal modo o amor divino feriu a alma de Maria, observa S. Bernardo, que não lhe deixou parte alguma que não fosse ferida de amor. Deste modo, pois, cumpriu a Senhora perfeitamente o primeiro preceito divino. Bem podia dizer de si: O meu amado é para mim, e eu para ele (Ct 2,9). Até os serafins, exclama Ricardo, podiam descer do céu para aprender no coração de Maria a maneira de se amar a Deus.Tratado III. As virtudes de Nossa Senhora
Diz o Pseudo-Agostinho que, para obter com mais certeza e profusão os favores dos santos, é necessário imitá-los porque nosso esforço nesse sentido fá-los dispostos a rogar por nós. Depois de ter subtraído alguma alma das garras de Lúcifer, unindo-a com Deus, quer Maria, Rainha dos santos e nossa primeira advogada, que ela se aplique a imitá-la. Do contrário não poderá enriquecê-la de suas graças como desej aria, vendo-a a si oposta nos costumes. Chama por isso de bem-aventurados os que diligentemente lhe imitam a vida.“Agora, pois, filhos, ouvi-me: Bem-aventurados os que guardam os meus caminhos” (Pr 8,32).Quem ama, se assemelha ou procura assemelhar-se à pessoa amada, segundo um afamado provérbio. Daí a exortação do Pseudo-Jerônimo para mostrarmos nosso amor a Maria pela imitação de suas virtudes, sendo esse o maior obséquio que lhe podemos ofertar. Segundo Ricardo de São Lourenço, são e podem chamar-se verdadeiros filhos de Maria somente aqueles que buscam copiar-lhe em tudo a vida. Esforce-se, pois, o filho (conclui o autor da Salve Rainha) por imitar a Mãe, se deseja seus favores. Vendo-se ela honrada como Mãe, como filho o tratará e favorecerá. É verdade, poucas particularidades registram os evangelistas, quando falam das virtudes de Maria. Entretanto, chamando-a “cheia de graças” nos fazem saber, bem claramente, que teve todas as virtudes em grau heroico. De modo que, diz Santo Tomás, enquanto os demais santos sobressaíam, cada um em alguma virtude particular, foi a Bem-aventurada Virgem extraordinária em todas e de todas nos foi dada como modelo. É idêntico o testemunho de Santo Ambrósio: A sua só vida é uma escola de virtudes para todos. Exorta-nos por isso: Seja-vos como uma imagem e luminoso modelo a virgindade e a vida de Maria. Nela tendes exemplos para vossa vida, mostrando-vos o que deveis corrigir ou evitar ou guardar. E já que os Santos Padres chamam a humildade de base de todas as virtudes, meditemos, em primeiro lugar, quanto foi grande a humildade da Mãe de Deus.