Explica-se literalmente a segunda palavra de Cristo na Cruz
A segunda palavra ou sentença proferida por Cristo na Cruz, segundo, testifica São Lucas foi à magnifica promessa a um dos dois ladrões também com Ele crucificados:
"Amém. Hoje estarás comigo no Paraíso" (Lc 23, 39)
Foi a origem desta segunda palavra haverem sido dois ladrões condenados ao mesmo suplício da Cruz, e estar cada um pendente na sua, um à direita, outro à esquerda de Cristo, e agravar um deles os seus passados crimes, injuriando o Redentor, dizendo-Lhe, arguindo-o de nada poder:
"Se és Cristo livra-te dos tormentos, e a nós também"
Ora São Marcos e São Mateus dizem (Mt 27; Mc 15), que os ladrões, crucificados com Cristo lhe exprobravam o seu pouco poder, porém o que se deve entender, é, que aqueles Evangelistas empregaram o número plural por singular; o que é freqüente na Sagrada Escritura, como observou Santo Agostinho nos Livros da uniformidade dos Evangelistas (1): pois o Apóstolo escrevendo aos hebreus a respeito dos profetas, diz (Hb 11, 33-37): Açaimaram as bocas dos leões; foram apedrejados, foram serrados, e apesar disto, quem açaimou as bocas dos leões, foi só Daniel; só Jeremias foi apedrejado; e serrado só Isaías. A isto se deve acrescentar, que São Mateus e São Marcos não dizem tão claramente que ambos os ladrões insultaram Cristo, como São Lucas explicitamente escreve (Lc 23, 39): Um dos ladrões que com ele foram crucificados, lhe dirigia impropérios; acrescendo mais, que não há motivo nenhum para o mesmo ladrão ora O insultasse, ora O louvasse.
O segundo fruto, e na verdade muito salutífero para quantos dele provarem, será aprendermos a perdoar facilmente as injúrias, e a fazermos assim de inimigos amigos. Para disto nos convencermos, deveria ser razão bastante o exemplo de Cristo e de Deus: pois se Cristo perdoou aos que O crucificaram, e pediu por eles, por que não há de fazê-lo o cristão? Se Deus, Criador, que podia, como Senhor e Juiz, castigar imediatamente os pecadores, espera que eles se arrependam, e os convida para a reconciliação, pronto a perdoar a quem Lhe ofendeu Sua Majestade; porque não há de perdoar a criatura? A isto se há de acrescentar que o perdão de uma injúria nunca fica sem grande prêmio. Na história da vida e morte de Santo Engelberto, Arcebispo de Colônia, se lê, que, tendo-o os seus inimigos assassinado numa jornada, e ele em seu coração dissesse: Meu Pai, perdoa-lhes, dele se revelara, que só por aquela sua rogativa, de que Deus sumamente se agradou, não só a sua alma foi imediatamente levada ao Céu pelos Anjos, mas até colocada entre os coros dos Mártires, recebeu a palma e coroa do martírio, e foi assinalada por muitos milagres (1).
Explicamos, qual seja a inteligência da primeira palavra, que Cristo proferiu na Cruz. Agora, meditando, faremos por colher daquela palavra alguns frutos, e estes preciosos, e de muita utilidade para nós e para todos. Primeiro que tudo desta primeira parte do sermão, que Cristo pregou na cadeira da Cruz, aprendemos que a Sua caridade é muito mais ardente, do que nós podemos conhecer, ou imaginar, e é por isto, que o Apóstolo escrevendo aos Efésios, lhe diz:
"E conhecer também a caridade de Cristo, que excede todo o entendimento" (Ef 3, 19)
Com esta passagem da sua epístola dá ao Apóstolo a conhecer, que nós pelo mistério da Cruz podemos saber que a grandeza da caridade de Cristo é tamanha, que excede todo o saber humano, por ser maior do que a força da nossa inteligência pode compreender, pois nós, quando sofremos alguma grande dor, ou dos olhos, ou dos dentes, ou da cabeça, ou de outra alguma parte, tanto dela nos deixamos dominar, que a mais nada damos atenção; e por isso nem recebemos amigos, que venham visitar-nos, nem outros indivíduos, que por diversos motivos nos queiram falar.
Explica-se literalmente a primeira palavra de Cristo na Cruz
"Meu Pai perdoa-lhes; não sabem o que fazem" (Lc 23, 34)
Cristo, Jesus, Verbo do Pai Eterno, e de quem seu mesmo Pai disse claramente: Ouvi-o (Mt 17), e, que de Si mesmo disse também claramente: Um só é o vosso Mestre, o Cristo (Mt 23), para desempenhar cabalmente a Sua missão, não só nunca deixou de ensinar, enquanto viveu; porém, mesmo da cadeira da Cruz fez uma pregação curta, mas ardente, proveitosíssima, de muita eficácia e inteiramente digníssima de ser recolhida pelos cristãos no íntimo do coração, de lá ser guardada, meditada e posta em prática. A primeira sentença é esta: Jesus então dizia: Meu Pai perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem (Lc 23, 34), a qual quis o Espírito Santo, que como nova e insólita fosse profetizada por Isaías naquelas palavras:
"E rogou pelos transgressores" (Is 53, 12)
Com quanta verdade o Apóstolo São Paulo, disse (1Cor 13, 5): A caridade não busca os seus próprios interesses, pode facilmente conhecer-se da ordem daquelas sentenças; pois delas, três dizem respeito ao bem dos outros, três ao bem próprio, e uma é comum, o Senhor, porém, teve primeiramente cuidado dos outros, e em último lugar de Si.
Breve introdução sobre a Paciência e o Apóstolo Patrono
Estamos na terra para fazermos penitência e merecermos; não é ela, portanto, lugar de repouso, mas de trabalhos e sofrimentos. As dores, adversidades e outras tribulações hão de ser as mais belas jóias da nossa corôa no paraíso. Pratiquemos a paciência: 1. Quando a morte nos arrebata os parentes ou amigos; 2. Na pobreza; 3. Nos desprezos e perseguições; 4. Nas desolações espirituais; 5. Nas tentações; 6. Nas doenças. A resignação na morte, para fazer a vontade de Deus, é bastante para assegurar a nossa salvação eterna. Pondera que nesta vida, quer queiras, quer não, terás necessariamente de padecer. Procura por isso padecer de maneira meritória, isto é, pacientemente; violenta-te e evita romper em queixas e lamentos. Se te venceres, Deus te fará experimentar durante a tribulação uma doçura desconhecida dos mundanos, mas muito conhecida daqueles que amam a Deus. Se Deus te visitar com doenças, pobreza, perseguições e outras adversidades, humilha-te diante dEle, e dize com o bom ladrão:
"Recebemos o que mereciam nossas ações” (Lc 23, 41).
E mesmo que não tenhas perdido a inocência batismal, certamente já terás merecido um longo purgatório. Por isso alegra-te se fores castigado neste mundo e não no outro. Consola-te também nos sofrimentos internos com a esperança do céu. Recorda-te das palavras de São Paulo:
“Os padecimentos deste mundo não tem comparação com a glória futura que será manifestada em nós” (Rom 8, 18)
“O que aqui é para nós uma tribulação momentânea e ligeira produz em nós, de um modo maravilhoso no mais alto grau, um peso eterno de glória” (2 Cor 4, 17)
Se tua vida te parecer insuportável, olha para teu divino Salvador, que te precede, carregando a cruz. Ouve o que Ele diz:
“Quem quiser vir após mim, renuncie a si mesmo e tome todos os dias a cruz sobre si” (Lc 9, 23)
Teu Salvador vai sempre adiante, e só pára ao chegar ao monte Calvário, para ai morrer por ti. Acostuma-te a submeter-te já antecedentemente na oração a todos os sofrimentos que talvez te sobrevirão; assim procederam os santos e por isso estavam sempre prontos a abraçar todas as cruzes, mesmo as que lhes sobrevinham inesperadamente. Suplica, finalmente, ao Senhor instantemente que te conceda a graça da paciência, pois, sem a oração, nunca obterás essa grande graça. Justamente na oração encontraram os santos mártires a coragem para suportar os mais atrozes tormentos e a morte mais ignominiosa. Se recorreres ao Senhor com confiança, Ele te livrará dos teus padecimentos ou então te concederá a graça de suportá- los com paciência. Ele mesmo disse:
“Vinde a mim todos que andais em trabalhos e vos achais carregados e eu vos aliviarei” (Mt 11, 28)
Meditação para a Vigésima Quarta Quarta-feira depois de Pentecostes
SUMARIO
Com um espírito e máximas tão contrárias, como o temos meditado, e evidente que Jesus Cristo e o mundo deve seguir caminhos diferentes. Consideraremos: 1.° Em que diferem estes dois caminhos; 2.° Que o caminho de Jesus Cristo é o único que deve seguir todo o cristão. — Tomaremos depois a resolução: 1.° De perguntarmos a nós mesmo muitas vezes:
"Como obraria Jesus Cristo?"
A fim de obrar do mesmo modo; 2.° De Lhe protestarmos frequentes vezes que queremos, como Ele, desprezar a ambição, o desejo de juntar riquezas e de gozar, e ter, a seu exemplo, uma vida sempre modesta e sem afetação. O nosso ramalhete espiritual será a palavra que Nosso Senhor dizia dos homens mundanos:
"Deixai-os seguir o seu caminho: cegos são" - Sinite illos: coeci sunt (Mt 15, 11)
Evangelho de São Mateus 27, 32-33; São Marcos 15, 21-22; São Lucas 23, 26-32; São João 19, 17
Carregando a sua cruz encaminhou-se Jesus para o lugar chamado Calvário, em Hebreu, Gólgota. Ao sair da cidade encontraram eles um homem de Cirene que por ali passava de volta do seu campo, chamado Simão, pai de Alexandre e de Rufo e o constrangeram a carregar a cruz atrás de Jesus. Acompanhava-o uma grande multidão de povo e de mulheres, que, batendo nos peitos o lamentavam. Mas Jesus, voltando-se para elas disse: “Não choreis por mim, mas chorai por vós e por vossos filhos, porque tempo virá em que se há de dizer: felizes as estéreis, as entranhas que não geraram e os seios que não amamentaram. Então começarão a dizer às montanhas: — caí sobre nós; e aos outeiros: ocultai-nos. Porque se o lenho verde é assim tratado que há de ser do seco?” Conduziram também com Ele dois outros malfeitores para serem mortos.
Esmagado sob o peso da cruz, Nosso Divino Redentor atravessa as ruas de Jerusalém entre as multidões que o insultam, e seguido de assassinos e ladrões arrancados à prisão para o suplício e a morte. Quanta humilhação e vergonha! Nas estações da Via-Sacra, três vezes contemplamos Nosso Senhor caído por terra. Tão esmagador era o peso da cruz e tanto sangue lhe corria das chagas abertas! Temeram que expirasse, antes da morte ignominiosa do Calvário, e obrigaram o Cireneu a ajudá-lo a carregar a Cruz. E nesta via dolorosa, nesta hora de opróbrios e amarguras, surge entre a multidão uma mulher — Maria Santíssima. Vai ao encontro de seu Filho amado e o abraça, e segue com Ele até o Calvário! Ao contemplarmos este mistério do Rosário lembremos a cena do encontro de Maria com seu Divino Filho, unamo-nos às dores de Nossa Mãe Santíssima e recitaremos melhor nosso Rosário! As quedas de Jesus nos consolam e servem de tremenda lição. Uma lição de sangue e de dores. Mostram-nos como somos fracos, e como tantas vezes, recaímos no pecado, voltamos às mesmas vergonhosas misérias que nos humilham.
Aqui temos a contemplar uma nova espécie de martírio. Trata-se de uma mãe condenada a ver morrer diante de seus olhos, no meio de bárbaros tormentos, um Filho inocente e diretíssimo.
“Estava em pé junto à cruz de Jesus sua Mãe” (Jo 19, 25)
É desnecessário dizer outra coisa do martírio de Maria, quer com isso declarar São João: contemplai-a junto da cruz, ao lado de seu Filho moribundo e vede se há dor semelhante à sua dor. Demorar-nos-emos a considerar essa quinta espada de dor que transpassou o coração de Maria: a morte de Jesus. Quando nosso extenuado Redentor chegou ao altar do Calvário, despojaram os algozes de Suas vestes, transpassaram-Lhe as mãos e os pés com cravos, não agudos, mas obtusos (segundo a observação de um autor), para maior aumento de Suas dores, e pregaram-no à cruz. Tendo-O crucificado, elevaram e fixaram a cruz e O abandonaram à morte. Abandonaram-nO os algozes, mas não O abandonou Maria. Antes ficou mais porte da cruz para Lhe assistir à morte, como ela mesma revelou a Santa Brígida.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João 16, 16-22
«Ainda um pouco, e deixareis de me ver; e um pouco mais, e por fim me vereis.» 17Disseram entre si alguns dos discípulos: «Que é isso que Ele nos diz: ‘Ainda um pouco, e deixareis de me ver, e um pouco mais, e por fim me vereis’? E também: ‘Eu vou para o Pai’?» 18Diziam, pois: «Que quer Ele dizer com isto: ‘Ainda um pouco’? Não sabemos o que Ele está a anunciar!» 19Jesus, percebendo que o queriam interrogar, disse-lhes: «Estais entre vós a inquirir acerca disto que Eu disse: ‘Ainda um pouco, e deixareis de me ver, e um pouco mais, e por fim me vereis’? 20Em verdade, em verdade vos digo: haveis de chorar e lamentar-vos, ao passo que o mundo há-de gozar. Vós haveis de estar tristes, mas a vossa tristeza há-de converter-se em alegria! 21A mulher, quando está para dar à luz, sente tristeza, porque chegou a sua hora; mas, quando deu à luz o menino, já não se lembra da sua aflição, com a alegria de ter vindo um homem ao mundo. 22Também vós vos sentis agora tristes, mas Eu hei-de ver-vos de novo! Então, o vosso coração há-de alegrar-se e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria.
Hoje na nossa oração, acompanharemos Jesus Cristo: 1.° Subindo ao Calvário; 2.° Quando ali O crucificam. A meditação destes dous mistérios nos fará tomar a resolução: 1.° De suportarmos de boa vontade todas as penalidades da vida; 2.° De nos renovarmos no amor de Jesus crucificado. O nosso ramalhete espiritual será esta palavra de um santo: