NUNCA como hoje, neste período de tréguas (porque dificilmente podemos chamar aos nossos tempos «pacíficos»), houve tão grande presteza para o sacrifício. Este espírito ainda não se patenteia em toda a sua clareza; permanece oculto, como a água debaixo da terra.
O potencial de sacrifício apresenta-se de duas maneiras: uma mórbida e sádica, outra saudável e esperançosa. O sintoma da primeira espécie de sacrifício é a submissão ao totalitarismo de quase uma quarta parte dos povos do globo. O comunismo oferece uma versão laica da doutrina cristã do sacrifício. Proclama que a abnegação, os expurgos, as liquidações, a violência da revolução são necessários, antes de o homem poder entrar numa espécie nova de paraíso terrestre. O comunismo encontrou em muitos a adesão, não porque os seus ensinamentos sejam verdadeiros, mas porque os homens se enfastiaram da água chilra do liberalismo, que não considerava mal bastante abominável para ser condenado nem bem tão excelente que valesse a pena morrer por ele. O comunismo está a preencher o vácuo criado pelo abandono do imperativo divino:
«Tomai a vossa cruz todos os dias e segui-me»
Há, porém, sinais mais salutares desta ânsia de sacrifício: a exigência, que há na juventude, de algo difícil. Aqueles, de entre os jovens, que encontraram uma «causa», servem-na sem desfalecimento, enquanto creem que ela vai contribuir para a salvação do mundo. Se se objeta que há jovens que se entregam à anarquia social e à licença carnal, responderei que isso nada prova a respeito da fraqueza da juventude, ou da sua rebelião contra a lei e contra a autoridade. Considero-o antes como um protesto contra a fraqueza de gerações passadas, que misturavam verdade com erro, virtude com vício e tiraram à vida o seu caráter de seriedade. O espírito revolucionário da juventude é um protesto contra um fracasso dos seus antepassados, que consistiu em não lhe terem transmitido valores austeros e bem definidos, pelos quais valesse a pena morrer; a sua revolta é um gesto de desprezo pelo passivo barbarismo da sociedade em que nasceram. A sua licença carnal é uma revolta contra o vazio da vida, vivida apenas com fins egoístas; tentam compensar a falta de sentido que nesta não veem, com a intensidade de experiências eróticas. Nas piores incriminações contra a juventude, sempre podemos divisar uma esperança; estas coisas denunciam um esforço para um destino mais amplo e para uma vida de dedicação.
Há um período da História Romana que se parece muito com o nosso; nele escolheram os homens como filosofia o estoicismo, que tinha por ideal esta divisa: «cerra os dentes e suporta». Nos tempos modernos, outra filosofia ainda menos adequada ao espírito do homem que o estoicismo romano nasceu da crise das duas guerras mundiais. Apareceu primeiro na Alemanha, depois da primeira Guerra Mundial, e na França, nos nossos dias; é conhecida com o nome de existencialismo.
O estoicismo preparou o homem para o niilismo social, a decadência da civilização; o existencialismo convida o homem a aceitar um niilismo interior, a decadência da personalidade humana, que abandonou a Deus. Os filósofos existencialistas, ao menos, veem claro, não há dúvida, quando mandam os homens escolher entre duas supremas alternativas: Deus ou o nada. Uma vez que esta escolha foi feita, não se poderá permanecer ao nível da mediocridade: ou a gente se afundará na loucura e no suicídio ou se erguerá para Deus pelo sacrifício e abnegação.
A grande maioria das pessoas do nosso tempo, especialmente gente moça, está pronta para uma difícil ascensão; o que lhe falta são chefes. Estes, criados num ambiente de estufa, que tentou dar à cruz uma forma aerodinâmica e limar as suas arestas agudas de tal jeito que não pudessem feri-los, — não estão preparados para satisfazer os mais veementes anseios de uma humanidade que tem fome de cruz. Podem observadores superficiais pensar que o chefe popular é aquele que promete, de graça, todas as regalias alguma vez sonhadas: — anos de férias pagas, reformas para os operários aos trinta anos. Mas o futuro chefe que há de fascinar a imaginação dos americanos, particularmente da juventude, trará uma cruz às costas.
Passaram os dias em que os homens se atraíam com promessas. E chegou o tempo de os seduzir apelando para o heroísmo, para o sacrifício e para a renúncia. Milhões se alistarão sob a bandeira daquele que der ao povo algo mais digno de ser amado do que eles mesmos. O Calvário parecia bem longínquo nos dias em que o progresso contínuo dava a esperança de não mais cessar; mas uma década de reveses aproximou-o de nós e aumentou-lhe a sedução. A nova América aguarda uma oportunidade para sacrificar os interesses egoístas a uma causa digna. Quando surgirem chefes que queiram sacrificar-se como vítimas aos valores mais altos que conhecemos, então advirão tempos melhores para todos.
Voltar para o Índice do livro Rumo à Felicidade, de Fulton Sheen
(SHEEN, Dom Fulton. Rumo à Felicidade – WAY TO HAPPINESS. Tradução de Dr. A. J. Alves das Neves, pároco de São Pedro da Cova. Livraria Figueirinhas, Porto, 1956, p. 222-224)