É COSTUME atribuir a murmuração às mulheres; mas os homens são muitas vezes culpados da mesma falta. Eles chamam a isto «apreciar».
Nosso Senhor, falando dos murmuradores, disse:
«Não julgueis, para que não sejais julgados»
A Sua advertência para não «apreciarmos» os outros requer que não façamos maus juízos, nem procuremos o pior nos outros. Só Deus vê o coração do nosso próximo; nós não vemos senão a face. Na Inglaterra, os juízes usam cabeleiras postiças nos tribunais, para mostrar que é a lei que está fazendo o julgamento, e não os seus pontos de vista pessoais. Isto é feito em reconhecimento da verdade, cuja noção existe mais ou menos clara em todos os homens – que algo de atrevido há em permitir que até os mais prudentes de entre nós se dediquem a marcar a categoria dos nossos amigos ou a catalogar os nossos inimigos.
Quando julgamos os outros, também nos julgamos a nós próprios. Nosso Senhor manda-nos não julgarmos, para não sermos julgados; e às vezes o julgamento que fazemos dos outros é a condenação das nossas próprias faltas. Quando uma mulher chama a outra «manhosa», revela que sabe o que é manha. O ciúme pode ser um tributo pago pela mediocridade ao gênio: o ciumento admite, então, a superioridade do seu rival, mas, porque ele próprio não pode atingir esse nível, tenta fazê-lo descer ao seu. Outras formas de crítica são igualmente reveladoras daquele que critica.
Nosso Senhor disse-nos que as faltas do murmurador são muitas vezes maiores do que aquelas que ele critica no próximo.
«Como é que podes ver o argueiro que está no olho do teu irmão, e não vês a trave que está no teu? Com que direito dirás ao teu irmão:
—Irmão, deixa-me tirar o argueiro do teu olho, se não podes ver a trave que está no teu? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho e, então, cuidarás em tirar o argueiro do olho do teu irmão»
O «argueiro» é apenas um bocadinho de palha, uma lasquita de madeira. Mas a trave é um pedaço bastante grande de madeira. Considerarmo-nos dignos de julgar os outros é já termo-nos por seus superiores, sermos culpados do pecado do orgulho, a enorme «trave» que obscurece a nossa visão. Não podemos murmurar sem exagerarmos o nosso valor, ou depreciarmos o dos nossos semelhantes… e, frequentemente, fazemos ambas as coisas. Na verdade, o murmurador tem tendência para projetar sobre as outras pessoas a falta que ele mesmo julga ter. Ninguém se irrita mais quando lhe dizem uma mentira, do que o mentiroso inveterado. O murmurador incurável fica furioso, quando ouve dizer que também a ele o criticaram pelas costas.
Nosso Senhor mandou os murmuradores examinar esse direito que se arrogam de condenar as faltas dos outros.
«Aquele que dentre vôs não pecou, atire a primeira pedra»
A ilação é clara: apenas a inocência tem o direito de condenar. Mas a inocência deseja sempre tomar sobre si a culpa dos outros, para reparar as faltas alheias como se fossem suas próprias. O amor reconhece o pecado, mas o amor também morre por ele.
Nós sentimos instintivamente que detrair os nossos irmãos é injusto, e mostramo-lo pelas palavras que usamos, quando estamos prestes a denegrir o nome de alguém. De fato, são palavras com que tentamos desculpar-nos: «Não se deve faltar à caridade, mas…», ou, «que não devemos criticar, mas…», ou, «não gosto de julgar os outros, mas…». Estas palavras pressagiam a navalha… e o efeito sobre o que a brandiu é sempre de escuridão psicológica.
«O que ama o seu irmão habita na luz… Quem o odeia está nas trevas»
Deus ofereceu uma bela recompensa aos que não julgam; eles próprios não serão julgados, quando forem levados perante o tribunal celeste. Contudo, o julgamento de Deus — ao qual escaparão — é, decerto, mais misericordioso do que qualquer que nós façamos. Quando David pecou, perguntaram-lhe se preferia receber o castigo de Deus ou dos homens; e ele escolheu o julgamento de Deus, por nele achar maior misericórdia.
Nós, homens e mulheres, não somos bastante prudentes ou inocentes, para nos julgarmos mutuamente, e a única decisão que podemos, com justiça, tomar acerca dos nossos irmãos que prevaricam, é verificá-lo e dizer:
«Deixá-los-emos a Deus»
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(SHEEN, Dom Fulton. Rumo à Felicidade – WAY TO HAPPINESS. Tradução de Dr. A. J. Alves das Neves, pároco de São Pedro da Cova. Livraria Figueirinhas, Porto, 1956, p. 189-191)