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Reflexões sobre cada uma das sete dores de Maria

1ª Dor: Profecias de Simeão

Neste vale de lágrimas o homem nasce para chorar. Deve padecer e suportar os males que lhe sobrevêm cada dia. Entretanto, muito mais infeliz seria a vida se cada um soubesse os males futuros que o esperam. Desgraçadíssimo seria aquele a quem tocasse tal sorte, disse Sêneca. Usando de misericórdia conosco, oculta-nos o Senhor as cruzes vindouras. Quer que só uma vez as padeçamos, à hora e momento certos. Não usou entretanto da mesma compaixão com Maria. Destinara-a para ser a Rainha dos mártires e em tudo semelhante a seu Filho. Devia por isso sofrer continuamente e ter sempre diante dos olhos as penas que a esperavam. E elas eram a Paixão e morte de seu amado Filho.

Nas palavras de Simeão reconhece Maria os pormenores da Paixão de Jesus

Eis que São Simeão recebe em seus braços o Menino-Deus, e prediz a Maria que aquele Filho seria o objeto das contradições e perseguições dos homens.

“Eis aqui está posto este Menino como alvo a que atirará a contradição: e uma espada de dor transpassará até a tua alma” (Lc 2,34).

Disse a Virgem a Santa Matilde que a esse vaticínio se lhe mudou toda alegria em tristeza. Efetivamente, como foi revelado a Santa Teresa, a bendita Mãe sabia dos sacrifícios que seu Filho devia fazer da vida para a salvação do mundo. Mas naquele momento, de um modo mais particular e distinto, conheceu as penas e a cruel morte, reservadas a seu pobre Filho no futuro. Conheceu, então, que o havia de contradizer, e contradizer em tudo: em sua doutrina, porque, em vez de nele crerem, o haviam de condenar como blasfemador, por ter dado testemunho da divindade. Pois não disse o ímpio Caifás: Ele blasfemou contra Deus; é réu de morte? (Mt 26,65). Contradizê-lo na hora e na estima, porque, apesar de sua nobre e real estirpe, o desprezaram como vilão: Porventura não é ele o Filho do carpinteiro? Não é sua mãe essa, que é chamada Maria? (Mt 63,55). Sendo ele a própria Sabedoria, foi tratado como ignorante: Como sabe este as letras, não tendo aprendido? (Jo 7,15). Foi escarnecido como falso profeta: E vendavam-lhe os olhos, davam-lhe na face, o interrogavam, dizendo: Adivinha quem foi que te deu? (Lc 22,64). Chamavam-no de louco. Muitos diziam: Perdeu o juízo; por que o estais ouvindo? (Jo 10,20). Disseram-no ébrio, glutão, amigo dos vinhos: Eis o homem, glutão, que bebe vinho e faz amizades com publicanos e pecadores (Lc 7,34).

Espalharam que era feiticeiro: É pelo príncipe dos demônios que ele expulsa demônios (Mt 10, 34); que era herege e endemoninhado: Não dizemos nós bem que tu és samaritano e que tens um demônio? (Jo 8, 48, 52). Em suma, Jesus foi apontado por celerado tão notório, que nem se precisava processo para condená-lo. Pois não disseram os judeus a Pilatos: Se este não fosse malfeitor, não to entregaríamos! (Jo 18,30). Sofreu também contradição na alma. Até o Eterno Pai para satisfazer a justiça divina o contrariou, desatendendo-lhe o pedido:

“Meu Pai, se é possível, passe de mim este cálice” (Mt 26,39).

No excesso de seu sofrimento, chegou a suar sangue. Contradisseram e perseguiram-no, enfim, no corpo e na alma. Basta dizer que foi ele martirizado em todos os seus membros sagrados: nas mãos, nos pés, no rosto, na cabeça, em todo o corpo, e finalmente morreu consumido pelas dores, já sem sangue e coberto de opróbrios, sobre um madeiro infame.

Maria sofreu sempre à vista de seu Filho

O profeta Natã comunicou a Davi o castigo pelo pecado cometido: Morrerá certamente o filho que te nasceu (2Rs 12,14). Desde então, não pôde o rei já encontrar descanso no meio de todas as delícias e grandezas reais. Chorou, jejuou e deitou-se na terra nua. Maria, pelo contrário, recebeu com suma paz a profecia sobre a morte do Filho, e continuou a sofrer sempre em paz. Mas, vendo sempre diante dos olhos aquele amável Filho, que dor padeceria então continuamente! Não o ouvia sempre pronunciar as palavras da vida eterna? Não era contínua testemunha da santidade de todos os seus atos?

Grande foi o tormento de Abraão durante os 3 dias de jornada para o monte Mória, com seu amado Isaac, ciente de que ia perdê-lo. Entretanto, ó Deus! não três dias, mas trinta e três anos, sofreu Maria pena semelhante. Semelhante, digo? Não; tanto maior quanto mais amável era o seu Filho, que o de Abraão. Maria revelou a Santa Brígida não ter vivido um momento na terra, em que não fosse dilacerada por essa dor. Sempre que via meu Filho, disse a Virgem, sempre que o vestia, que lhe olhava as mãozinhas e os pés, abismava-se novamente minha alma no sofrimento, porque me lembrava da Paixão que o aguardava.

O abade Roberto contempla a Mãe, aleitando o Filho e dizendo-lhe: O meu amado é para mim como um ramalhete de mirra (Ct 1,12). Ah! Filho meu, aperto-te em meus braços porque és muito querido. Porém, quanto mais me és querido, mais te tornas para mim um ramalhete de mirra e de dores, ao lembrar- me de tuas penas.

Considerava a Senhora, diz São Bernardino, como seu Filho, a fortaleza dos santos, seria reduzido à agonia; sendo a beleza do paraíso, ficaria desfigurado; sendo Senhor do mundo, seria preso como réu; sendo Criador do universo, estaria coberto de chagas; sendo Juiz dos juízes, sofreria condenação; sendo glória do céu, ouviria desprezos; sendo Rei dos reis, levaria uma coroa de espinhos e um irrisório manto de rei de comédia.

Apoiando-se numa revelação de Santa Brígida, diz o Padre Engelgrave, jesuíta, que a aflita Mãe sabia de todos os pormenores das penas preparadas a seu Filho. Ao dar-lhe de beber, pensava no vinagre e no fel que lhe haviam de oferecer. Ao envolvê-lo em faixas, já em mente antevia as cordas de sua prisão. Ao carregá-lo nos braços, recordava a cruz de sua crucificação. Ao vê-lo dormindo, lembrava-se do sono da morte que o esperava.

“Cada vez que vestia a túnica ao meu Filho, disse a Virgem a Santa Brígida, pensava que um dia lha arrancariam violentamente para crucificá-lo. Quando lhe contemplava as mãos e os pés, parecia-me ver os cravos, que os haviam de transpassar. E isso contemplando, aljofravam lágrimas aos meus olhos e acerba dor invadia-me a alma.”

A dor de Maria aumentou com a crescente amabilidade do Fiho

De Jesus afirma o Evangelho que, como em anos, ia crescendo também em graça, diante de Deus e dos homens.

“E Jesus crescia em sabedoria e em idade e em graça, diante de Deus e dos homens” (Lc 2,52).

Crescia em graça e sabedoria perante os homens, isto é, na opinião deles. Perante Deus, porém, neste sentido o explica Santo Tomás: As ações de Jesus teriam servido para lhe aumentar cada vez mais o mérito, se a plenitude da consumada graça não lhe tivesse sido conferida desde o princípio, em razão da união hipostática. Ora, se Jesus crescia em estima e amor para os homens, quanto mais então para sua Mãe Santíssima! Mas, ah! com o aumento do amor, mais aumentava também a dor, à só lembrança de perder esse Filho por uma tão cruel morte. E quanto mais se avizinhava o tempo da Paixão, mais cruelmente a espada, predita por Simeão, atravessava o coração materno de Maria. Assim o revelou o anjo a Santa Brígida.

Se, pois, Jesus e sua Mãe Santíssima não recusaram sofrer por nosso amor pena tão atroz, durante a vida toda, não é justo que nos queixemos em nossos pequenos padecimentos. Jesus Crucificado apareceu, certa vez, a Sóror Madalena Orsini, dominicana, experimentada, havia muito tempo, pela tribulação. Animou-a a ficar com ele na cruz, suportando aquele sofrimento. Mas ela respondeu: Senhor, só penastes na cruz três horas e eu j á sofro há muitos anos. Então o Redentor replicou: Mas como falas com ignorância! Desde o primeiro instante em que fui concebido, sofri no coração tudo quanto depois, ao morrer, padeci na cruz – Quando, pois, sofrermos qualquer tribulação e quisermos nos queixar, imaginemos que Jesus e Maria nos dão a mesma resposta.

Exemplo

Narra o Padre Roviglione, da Companhia de Jesus, que certo jovem tinha a devoção de visitar todos os dias uma imagem da Senhora das Dores, cujo peito era transpassado por sete espadas. Uma noite teve ele a infelicidade de cair em pecado mortal. No dia seguinte, indo visitar a imagem da Virgem, viu-lhe no peito oito espadas em lugar de sete. Enquanto contemplava o prodígio, ouviu uma voz interna que lhe disse que seu pecado tinha transpassado com mais uma espada o coração de Maria. Isso muito o enterneceu e foi logo confessar-se com grande contrição, e pela intercessão de sua advogada recuperou a graça divina.

Oração

Ó minha bendita Mãe, não só uma espada, porém tantas quantas foram os meus pecados, tenho eu acrescentado ao vosso coração. Não a vós, que sois inocente, minha Senhora, mas a mim, réu de tantos delitos, são devidas as penas. Já que contudo quisestes sofrer tanto por meu amor, impetrai-me pelos vossos merecimentos uma grande dor de minhas culpas, e a paciência necessária para sofrer os trabalhos desta vida. Por maiores que sejam, sempre serão leves em comparação dos castigos que tenho merecido, e de meus pecados, que me têm tornado tantas vezes digno do inferno. Amém.

2ª Dor: Fuga de Jesus para o Egito

O próprio Jesus é espada de dor para sua Mãe

Ferida pelo caçador, aonde vai, leva a corça consigo a sua dor, carregando no corpo a seta cruel. Assim também Maria, depois do funesto vaticínio de São Simeão, levou consigo a dor, que consistia na contínua memória da Paixão do Filho. Algrino aqui aplica o texto dos Sagrados Cânticos: Os cabelos de tua cabeça são como a púrpura do rei, que é atada em dobras (7,8). Essa cabeleira cor de púrpura simboliza a constante contemplação da Paixão de Jesus. A Virgem a tinha tão viva diante dos olhos, como se já estivesse vendo o sangue a correr das chagas dele. Era assim Jesus a espada que atravessava o coração de Maria. E, à medida que ele lhe parecia mais amável, mais profundamente a feria a dor por ter de perdê-lo um dia.

Consideremos agora a segunda espada de dor que feriu o coração de nossa Mãe, quando fugiu para o Egito, a fim de livrar o Menino-Deus da perseguição de Herodes.

A ordem de fugir

Mal ouviu Herodes que era nascido o Messias esperado, temeu loucamente que o recém-nascido lhe quisesse usurpar o trono. São Fulgêncio de Ruspe censura-lhe a loucura, dizendo: Por que estás inquieto, Herodes? Esse rei, nascido agora, não vem para vencer os reis em combate. Não; ele vem para subjugá-los de um modo admirável, morrendo por eles. Esperava, pois, o ímpio rei lhe viessem os santos Magos revelar o lugar do nascimento do real Menino, a fim de tirar-lhe a vida. Vendo-se contudo logrado, ordenou a morte de todos os meninos que então se achavam em Belém e seus arredores. Foi então que o anjo apareceu em sonhos a José com a ordem: Levanta-te, toma o menino e sua mãe, e foge para o Egito (Mt 2,13). Segundo o parecer de Gerson, São José avisou a Maria logo na mesma noite, e, tomando ambos o Menino Jesus, puseram-se a caminho. É isso o que se deduz das palavras do Evangelho:

“E levantando-se, José tomou consigo, ainda noite, o Menino e sua Mãe e retirou-se para o Egito”.

Ó Deus, disse então Maria (como contempla Santo Alberto Magno), assim deve fugir dos homens aquele que veio para salvá-los? Logo conheceu a aflita Mãe como já começava a verificar-se no Filho a profecia de Simeão: Eis aqui está posto este Menino como alvo a que atirará a contradição (Lc 2,34). Viu que, apenas nascido, já o perseguiam e queriam matar.

“Que pesar para o coração de Maria, escreve São Pedro Crisólogo, ao ouvir a intimação do cruel exílio, ao qual ela e o Filho eram condenados! Foge dos teus para os estranhos, do templo do verdadeiro Deus para a terra dos ídolos! Há lástima que se compare à de uma criança que, apenas nascida, já se vê obrigada a fugir, levada nos braços de sua Mãe?”

Incômodos da fugida

Bem pode cada qual adivinhar o que padeceu Maria nessa viagem. Da Judeia ao Egito era muito longe a jornada. Com Sebastião Barradas, fala-se, geralmente, em mais de cem horas de caminho. Por isso a viagem durou pelo menos trinta dias. Além disso, como descreve Boaventura Barrádio, era o caminho desconhecido e péssimo, cortado de carrascais e pouco frequentado. Estava-se no inverno e a Sagrada Família teve de viajar debaixo de aguaceiros, neves e ventos, por estradas alagadas e lamacentas. Quinze anos tinha então Maria; era uma donzela delicada, nada afeita a semelhantes viagens. Finalmente não tinham os fugitivos quem lhes servisse. José e Maria, na frase de São Pedro Crisólogo, não tinham nem criados nem criadas; eram senhores e criados ao mesmo tempo. Meu Deus! como excita a compaixão ver essa tenra virgenzinha, com esse Menino recém-nascido ao colo, fugindo por este mundo! Boaventura Baduário pergunta: Aonde iam comer e dormir? Em que hospedagem ficariam? Qual podia ser o alimento deles, senão um pedaço de pão duro trazido por São José ou recebido como esmola? Onde hão de ter dormido durante a viagem, especialmente durante as 50 horas da travessia do deserto, sem casas e hospedarias? Onde, senão sobre a areia ou debaixo de alguma árvore do bosque, ao relento, expostos aos ladrões e às feras, tão abundantes no Egito? Oh! quem encontrasse então esses três grandes personagens, tê-los-ia certamente tomado por ciganos e mendigos.

A pobreza da Sagrada Família no Egito

No Egito Maria habitou em um lugar chamado Matarieh, conforme afirmam Burcardo de Saxônia e Jansênio Gandense, embora Strabo diga que moravam na cidade de Heliópolis. Aí sofreram extrema pobreza, durante os sete anos que permaneceram escondidos, segundo Santo Antonino e Santo Tomás e outros autores. Eram estrangeiros, desconhecidos, sem rendimentos, sem dinheiro e sem parentes. A muito custo conseguiam sustentar-se com o fruto de suas fadigas. Por serem pobres, escreve São Basílio, era-lhes bem penoso conseguir o indispensável para passar a vida. Ludolfo de Saxônia dá conta – e sirva isso de consolo aos pobres -, que tal era a pobreza de Maria, que muitas vezes nem tinha um pedaço de pão para o Filho, quando, obrigado pela fome, lhe pedia algum.

Morto Herodes, de novo apareceu em sonhos o anjo a José, ordenando-lhe que voltasse à Judeia. Aqui, descreve Boaventura Baduário a aflição da Santíssima Virgem pelo muito que sofreu Jesus durante o regresso. Tinha ele então sete anos, sendo grande demais para os braços de Maria, e ainda pequeno para vencer a pé tão longas estradas.

Imitação da Sagrada Família pela paciência e desprendimento

Jesus e Maria passaram pelo mundo como fugitivos. Eis uma lição para nós. Temos de viver na terra como peregrinos, sem apegos aos bens que o mundo nos oferece. Pois depressa teremos de deixá-los para passarmos à eternidade.

“Não temos aqui cidade permanente, mas procuramos a futura” (Hb 13,14).

És um hóspede neste mundo; apenas o vês de passagem, acrescenta Santo Agostinho. Aprendamos com Jesus e Maria a abraçar as cruzes, porque sem elas não podemos viver neste mundo. Neste sentido foi concedido à venerável Verônica de Binasco, agostiniana, acompanhar, numa visão, a viagem de Maria e do Menino Deus para o Egito. No fim da jornada disse-lhe a Mãe de Deus: Filha, viste com que trabalho chegamos a esta terra. Fica sabendo que ninguém recebe graças sem ter padecido. – Quem, entretanto, desejar sentir menos os trabalhos desta vida, deve levar em sua companhia a Jesus e Maria.

“Toma o Menino e sua Mãe”, disse o anjo a São José. Àquele que traz com amor a esse Filho e a essa Mãe em seu coração, tornam-se leves e até suaves e agradáveis todas as penas. Amemo-los portanto; consolemos Maria, acolhendo em nosso coração a seu Filho, que hoje ainda continua a ser perseguido pelos pecados dos homens.

Exemplo

Um dia apareceu Nossa Senhora à venerável Coleta, religiosa franciscana, e mostrou-lhe o Menino Deus todo chagado, dizendo-lhe então: Vê, assim é que os pecadores tratam continuamente meu Filho; renovam-lhe sua morte e minhas dores. Reza muito, minha filha, reza por eles para que se convertam. Semelhante visão teve Sóror Joana de Jesus e de Maria. Meditando na perseguição feita ao Menino Deus por Herodes, ouviu um ruído, como se gente armada andasse perseguindo alguém. Viu em seguida um menino muito formoso que, completamente esgotado, buscava refúgio junto dela. Joana – disse-lhe o Menino -, ajuda-me a esconder-me; estou fugindo dos pecadores, que, como Herodes, me perseguem e querem matar.

Oração

Assim, pois, ó Maria, nem depois de vosso Filho ter sido imolado pelos homens, que o perseguiram até à morte, cessaram esses ingratos de persegui-lo com seus pecados, e de afligir-vos, ó Mãe dolorosa? E eu mesmo, ó meu Deus, não tenho sido um desses ingratos? Ah! minha Mãe dulcíssima, impetrai-me lágrimas para chorar tanta ingratidão. E pelas muitas penas que sofrestes na viagem para o Egito, assisti-me com vosso auxílio na viagem que estou fazendo para a eternidade, a fim de que possa um dia ir amar convosco meu Salvador perseguido, na pátria dos bem-aventurados. Amém.

3ª Dor: Perda de Jesus no Templo

Maria perde a venturosa presença de Jesus

Que nossa perfeição consiste na paciência, é aviso que nos dá o apóstolo São Tiago.

“A paciência efetua uma obra perfeita, para que perfeitos e íntegros sejais, em nada deficientes” (1,4).

Deu-nos o Senhor como um exemplo de perfeição a Virgem Maria. Por conseguinte, a cumulou de padecimentos, para que assim nós pudéssemos nela admirar e imitar a heroica paciência. Uma das maiores dores de sua vida foi esta que hoje vamos meditar: a perda de seu Filho no templo. Quem é cego de nascença, pouco sente a privação da luz do dia. Mas quem já teve vista e gozou da luz, muito sofre vendo-se dela privado pela cegueira. O mesmo se dá com as almas que estão espiritualmente cegas por causa do pó das coisas deste mundo. Pouco conhecem a Deus e pouco sentem a pena de não o encontrar. Mas aquele que, iluminado pela luz celeste, foi achado digno de gozar simultaneamente do amor e da presença do Sumo Bem, oh! esse sofre amargamente, quando se vê privado de tudo isso. Por aí meçamos quanto foi dolorosa para Maria essa terceira espada de dor. Estava acostumada à contínua alegria da dulcíssima presença de seu Jesus, e eis que agora o perde em Jerusalém e dele se vê longe, durante três dias.

Conforme São Lucas, costumava a bem-aventurada Virgem ir com José, seu esposo, e com Jesus visitar todos os anos o templo, por ocasião da festa da Páscoa. Foi então que Jesus, já na idade de doze anos, ficou-se em Jerusalém sem que Maria o percebesse. Julgava-o na companhia de outras pessoas, mas, não o encontrando à tarde do primeiro dia de jornada, depois de haver perguntado por ele, voltou imediatamente à cidade para procurá-lo. Finalmente, depois de três dias de ansiedade, o encontrou no templo. Meditemos qual deve ter sido a aflição dessa atribulada Mãe durante esses três dias. Em toda parte perguntava por ele, com as palavras dos Cânticos: Vós porventura não vistes aquele a quem ama a minha alma? (3,3). Mas perguntava em vão. Rubem lastimava-se por causa de seu irmão José: O menino não está mais aqui e para onde irei agora? (Gn 37,30). Exausta de fadiga, sem encontrar seu amado Filho, com quanto maior ternura Maria tinha de se lastimar: Meu Jesus não aparece, e eu não sei mais o que fazer para o encontrar; aonde irei sem o meu tesouro?

Das lágrimas que derramou durante esses três dias, podia então dizer o mesmo que Davi dizia das suas: Minhas lágrimas foram para mim o pão, dia e noite; enquanto se me diz todos os dias: Onde está o teu Deus? (Sl 41,4).

Mui judiciosamente Pelbarto faz observar que a aflita Mãe não dormiu naquelas noites, passando-as em pranto e rogos para que Deus a fizesse achar o Filho. Frequentemente dirigia-se ao Filho, diz Vulgato Bernardo, e gemia com as palavras dos Cânticos: Dize-me onde descansas pelo meio-dia, para que eu não ande como uma desnorteada (1,6). Meu Filho, dize-me onde estás, a fim de que eu cesse de errar à tua procura, em vão.

Grandeza desta dor

a) Pela ausência de Jesus. – Há quem diga que essa dor não só foi uma das maiores, senão que foi a maior e mais acerba de todas as dores na vida de Nossa Senhora. E não falha razão a esse parecer. Em primeiro lugar, Maria nas outras dores tinha Jesus consigo. Padeceu amargamente pela profecia de Simeão no templo. Padeceu na fugida para o Egito, mas sempre com Jesus. Na presente dor, porém, sofreu longe de Jesus e sem saber onde ele estaria. Desfeita em lágrimas, suspirava por isso com o Salmista: Até a luz dos meus olhos não a tenho (Sl 37,11). Ai de mim! a luz dos meus olhos, o meu caro Jesus, não está comigo, vive longe de mim, e nem sei onde. Pelo amor que tinha a seu Filho, diz Vulgato Orígenes, essa Mãe Santíssima sofreu mais na perda de seu Jesus, que qualquer mártir no padecimento da morte. Que longos foram esses três dias para Maria, a quem eles pareciam três séculos. Dias cheios de amarguras, em que nada a podia consolar! Quem me poderá consolar? suspirava com Jeremias.

“Por isso eu choro e os meus olhos derramam rios de lágrimas, porque se alongou de mim o consolador” (Lm 1,16).

Queixava-se sempre com Tobias: Que alegria poderei eu ter, eu que sempre estou em trevas, e que não vejo a luz do céu? (5,12).

b) Pela ignorância do motivo da ausência. – Razão e finalidade das outras dores compreendia-as a Virgem Maria, sabendo que eram a redenção do mundo e a vontade de Deus. Nesta, porém, ignorava a causa da ausência de seu Filho. Sofria a Mãe dolorosa vendo-se privada de Jesus, diz Landspérgio, porque em sua humildade se julgava indigna de estar ao lado dele e tomar conta de um tão grande tesouro. Pensava talvez: Quem sabe se não o servi como devia? se cometi alguma negligência que tenha motivado a sua partida? Orígenes escreve: Maria e José receavam que Jesus os tivesse abandonado. Não há, certamente, pena mais cruciante para uma alma amante de Deus, do que o receio de o haver desgostado. Por isso, somente nesta dor é que ouvimos Maria queixar-se. Tendo achado Jesus, amorosamente lhe perguntou: Filho, por que fizeste assim conosco? Olha que teu pai e eu te buscamos aflitos! (Lc 2,48). Essas palavras não encerram censura, como pretendem blasfemamente os hereges. Revelam apenas a intensa dor que a mãe experimentou na ausência do amado Filho. Dionísio Cartuxo também as considera como amorosa queixa e não como censura.

Nosso consolo na aridez espiritual

Essas penas de nossa Mãe devem primeiramente servir de conforto às almas que se veem privadas das consolações e da suave presença do Senhor. Chorem, se quiserem, mas chorem com paz e resignação, como Maria chorou a ausência de seu Filho. Cobrem ânimo e não temam por isso ter perdido a graça divina. O próprio Deus disse a Santa Teresa: Ninguém se perde sem o saber, e ninguém fica enganado sem querer ser enganado. Por apartar-se dos olhos da alma que o ama, não se aparta ainda o Senhor de seu coração. Esconde-se, muitas vezes, para ser procurado com maior amor e mais desejo. Mas quem quiser achar Jesus, precisa procurá-lo não entre os prazeres e as delícias do mundo, porém entre as cruzes e mortificações, como Maria. “Nós te procuramos com aflição.” Aprendamos com a Virgem Maria, diz Orígenes, o modo de procurar a Jesus.

 Jesus deve ser tudo para nós

Outro bem fora de Jesus não devemos procurar neste mundo. Jó não era infeliz quando perdeu tudo quanto possuía na terra: fortuna, filhos, saúde e honras, a ponto de passar de um trono para um monturo. Como sempre, tinha a Deus consigo, e ainda assim era feliz. Perdera os dons de Deus, mas não o perdera, a Deus, escreve Santo Agostinho. Verdadeiramente infelizes são aqueles que perderam a Deus. Se Maria se lamentou da perda do Filho, por três dias, quanto mais deveriam os pecadores chorar a perda da graça divina. Pois não lhes diz o Senhor: Não sois o meu povo e eu não quero ser o vosso Deus? (Os 1,9). Não é pecado um rompimento entre Deus e a alma? Vossas iniquidades vos separam de vosso Deus (Is 59,2). Ainda que os pecadores possuíssem todos os bens da terra, tendo perdido a Deus, tudo o mais outra coisa não é que “fumaça e aflição”, como confessou Salomão (Pr 1,14). Como é grande a infelicidade desses pobres obcecados! Deles afirma Vulgato Agostinho: Perdem um boi e não deixam de ir procurá-lo; perdem um jumento e não têm repouso. Entretanto descansam, comem e bebem, tendo perdido a Deus, o Sumo Bem!

Exemplo

A Venerável Benvenuta rogou a Nossa Senhora a graça de poder sentir a dor que ela sentiu, quando perdeu seu Filho no templo. Apareceu-lhe então a Mãe de Deus, tendo nos braços o Menino Jesus. À vista daquela encantadora criança, caiu Benvenuta em êxtase, mas de repente se viu privada da presença do Menino-Deus. Tamanha dor sentiu então, que invocou a Maria para não morrer de pesar. Depois de três dias apareceu-lhe a Santíssima Virgem e lhe disse: Ouve, minha filha; tua dor não foi senão uma pequena parcela da minha, ao perder no templo o meu Filho.

Oração

Ó Virgem bendita, por que assim vos afligis, buscando o vosso Filho, como se não soubésseis onde ele está? Não vos recordais que está em vosso coração? Não sabeis que ele se compraz entre os lírios? Vós mesma o dissestes: “O meu amado é para mim e eu sou para ele, que se apascenta entre as açucenas” (Ct 2,16). Vossos pensamentos e afetos, tão humildes, tão puros, tão santos, são outros lírios que convidam o Divino Esposo a habitar em vós. Ah! Maria, vós suspirais por Jesus, vós que não amais senão a Jesus! Eu é que devo suspirar, eu e tantos pecadores que o não amamos, e o temos perdido por nossas ofensas. Minha Mãe amabilíssima, se por minha culpa vosso Filho ainda não tornou à minha alma, fazei que eu o ache de novo. Bem sei que ele se faz achar por quem o busca. Mas fazei que eu o procure como devo. Vós sois a porta pela qual se chega a Jesus, fazei que também eu chegue a ele por meio de vós. Amém.

4ª Dor: Encontro com Jesus caminhando para a morte

Como o amor é também o sofrimento de uma mãe

Para avaliar a grandeza da dor de Maria perdendo seu Filho pela morte, devemos – na frase de São Bernardino – representar-nos vivamente o amor que a tal Mãe consagrava a tal Filho. Todas as mães sentem como próprias as dores dos filhos. A mulher cananeia, quando pediu ao Senhor lhe livrasse a filha do demônio, disse tão somente: Senhor, tem compaixão de mim; minha filha está atormentada pelo demônio (Mt 15,22). Que mãe, porém, jamais amou a seu filho, quanto Maria amou a Jesus? Era-lhe Jesus Filho e Deus ao mesmo tempo. Que viera ao mundo para atear em todos os corações o fogo do amor divino, foi o que o próprio Salvador protestou: Eu vim trazer fogo à terra; e que quero senão que ele se acenda? (Lc 12,49). Ora, de que chamas devia ter ele abrasado o coração de sua santa Mãe, tão puro e limpo de todo o afeto mundano? Em suma, como o disse a Santíssima Virgem a Santa Brígida, seu coração, pelo amor, estava unido completamente ao de seu Divino Filho. Este misto de serva e Mãe, de Filho e Deus, ateou no coração de Maria um incêndio composto de mil incêndios. Porém em mar de dores converteu-se toda essa fogueira de amor, quando chegou a dolorosa Paixão de Jesus. Escreve por isso São Bernardino: Se ajuntássemos as dores do mundo, não igualariam todas elas às penas da Virgem gloriosa. Segundo a sentença de Ricardo de São Lourenço, tanto maior foi o seu sofrimento vendo padecer o Filho, quanto maior lhe era a ternura com que o amava. E isso especialmente ao encontrá-lo com a cruz às costas, rumo ao Calvário. Vamos contemplar agora essa quarta espada de dor.

Agonia da Virgem no começo da Paixão de seu Filho

Inundados de lágrimas andavam os olhos de nossa Mãe, ao ver chegar o momento da Paixão e ao notar que faltava pouco tempo para perder o seu Filho. Um suor frio lhe cobria o corpo, causado pelo vivo terror que a assaltava à ideia do próximo e doloroso espetáculo. Assim lemos nas revelações de Santa Brígida. Finalmente chegou o dia marcado e Jesus despediu-se, chorando, de sua Mãe, antes de ir ao encontro da morte. O Ofício da Compaixão de Maria, que figura entre as obras de São Boaventura, assim descreve o procedimento da Santíssima Virgem na noite em que foi preso o Salvador:

“Passastes em claro a noite, enquanto repousavam os outros”.

Pela manhã, vieram os discípulos, uns após outros, trazer-lhe notícias de Jesus, cada qual mais aterradora. Verificaram- se então as palavras de Jeremias: Chorou sem cessar durante a noite, e as suas lágrimas correm pelas faces; não há quem a console entre todos os seus amados (Lm 1,2). Quem lhe falava dos maus-tratos feitos a seu Filho, em casa de Caifás. Quem lhe descrevia os desprezos recebidos no palácio de Herodes. Mas deixo tudo para chegar ao nosso ponto. Finalmente veio João e anunciou a Maria que o iníquo Pilatos tinha condenado Jesus à morte da cruz. De juiz injustíssimo o chamo eu, porque o iníquo condenou o Senhor com os mesmos lábios que lhe reconheceram a inocência, diz São Leão Magno. Ah! Mãe dolorosa, disse-lhe João, já vosso Filho foi condenado à morte; já o levam para o Calvário carregando ele mesmo a cruz aos ombros. Assim escreveu depois no seu Evangelho: E levando a cruz aos ombros, saiu para aquele lugar que se chama Calvário (Jo 19,17). Se quereis vê-lo, Senhora, e dar-lhe o último adeus, vinde comigo à rua por onde deve passar.

Encontro de Maria com seu Filho

Partiu Maria com São João. Da passagem do Filho lhe faltavam os rastos de sangue pelo caminho, conforme ela mesma o disse a Santa Brígida. Boaventura Baduário fala de um atalho que a Mãe aflita tomou para ficar depois esperando numa esquina pelo Filho atribulado. Aí estava à espera dele, quando foi reconhecida pelos judeus e deles teve de ouvir injúrias contra seu amantíssimo Jesus. Talvez tivesse de escutar até motejos contra si mesma. E ai! que martírio lhe não causou a vista dos cravos, dos martelos, das cordas, funestos instrumentos da morte do Filho! Em lúgubre desfile, passavam eles diante da Mãe de Jesus. De repente, fere seus ouvidos um estridente som de trombeta; vão ler a sentença de morte lavrada contra Jesus. Meu Deus! que espada de dor transpassou então a alma dessa Mãe dolorosa! Mas já desfilaram o arauto, e os instrumentos do martírio, os oficiais da justiça. Maria ergue os olhos e vê… ó Deus, um homem, na flor dos anos, todo coberto de sangue e de chagas, da cabeça aos pés, coroado de espinhos, carregando às costas um pesado madeiro. Olha-o e quase não o reconhesse mais. Tem de exclamar com Isaías: Vimo-lo, e não tinha parecença do que era (53,2). As feridas, as contusões e o sangue enegrecido desfiguraram- no de tal modo, que se lê: Seu rosto se achava como que encoberto e parecia desprezível, por onde nenhum caso fizemos dele (Is 53,3). No entanto o amor o revelou a Maria. Tendo-o reconhecido, que temor e que amor transpassaram seu coração materno! Assim geme São Pedro de Alcântara em suas meditações: De um lado desejava contemplá-lo, de outro não tinha coragem de olhar para o seu rosto, tão digno de comiseração. Fitaram-se, finalmente. Como se lê em Santa Brígida, o filho afastou dos olhos o sangue coalhado que lhe impedia a vista, então Mãe e Filho fitaram-se! Ó céus, que olhares cheios de dor! Transpassaram, como setas, esses dois corações que tanto se amavam e queriam.

Margarida, filha de Tomás Morus, encontrando o pai que era levado ao cadafalso, apenas pôde exclamar duas vezes: Meu pai, meu pai! e caiu-lhe aos pés desmaiada. Maria, à vista do Filho que caminhava para o Calvário, não desmaiou. Não era conveniente que a Mãe de Deus perdesse o uso da razão, como diz Suárez. Não morreu, porque o Senhor a reservava para maiores aflições. Embora não morresse, padeceu, entretanto, tormento suficiente para lhe dar mil mortes. Queria a Mãe abraçar o Filho, mas os algozes injuriosamente a repeliam, e empurraram para diante o acabrunhado Salvador. E Maria o foi seguindo. – Eis a descrição que da cena nos dá um autor sob o nome de Santo Anselmo.

Maria segue Jesus até o Calvário

Ah! Virgem Santíssima, aonde ides? Ao Calvário? Tereis ânimo de ver pregado à cruz Aquele que é a vossa vida? Moisés falou como um profeta: E a tua vida estará como suspensa diante de ti (Dt 28,66).

Faz S.ão Lourenço Justiniano dizer a Jesus: Ó minha Mãe, não venhas comigo; aonde vais? aonde pretendes ir? Se me acompanhares, serás atormentada pelo meu, e eu pelo teu suplício! Entretanto, a amorosa Mãe não quer abandonar a seu Jesus, embora vê-lo morrer lhe deva causar acerbíssima dor. Adiante vai o Filho, e atrás segue a Mãe para ser crucificada com ele, diz Guilherme, abade.

Escreve São João Crisóstomo: Até das feras nós nos compadecemos. Víssemos uma leoa acompanhando seus leõezinhos à morte, e mesmo dessa fera teríamos compaixão. E não nos apiedaremos de Maria, que vai seguindo o Cordeiro Imaculado, levado ao suplício? Participemos, pois, de sua dor; com ela acompanharemos seu Divino Filho, levando pacientemente as cruzes que nos manda o Senhor. Pergunta São João Crisóstomo: por que razão quis Jesus Cristo sofrer sozinho nas outras dores, e somente nesta aceitar que o ajudasse o Cirineu a levar a cruz? E responde: para ensinar-nos que só a cruz de Jesus não bastará para nossa salvação, se não carregamos também a nossa com resignação até à morte.

Exemplo

Apareceu, um dia, o Salvador a Sóror Diomira, religiosa em Florença, e disse-lhe: Pensa em mim e ama-me, que eu pensarei em ti e te amarei. Apresentou-lhe ao mesmo tempo um ramalhete de flores com uma cruz, querendo-lhe assim significar que as consolações dos santos na terra hão de ser sempre acompanhadas da cruz. A cruz une as almas a Deus.

São Jerônimo Emiliano sendo soldado, carregado de vícios, foi encarcerado pelos inimigos numa torre. Aí, movido pelo sofrimento e iluminado por Deus a mudar de vida, recorreu a Maria Santíssima, e com auxílio dessa divina Mãe começou a viver santamente. Desse modo mereceu a graça de ver um dia, no céu, o lugar de honra que lhe estava preparado por Deus! Foi depois fundador dos Padres Somascos, morreu como um Santo e foi canonizado pela Santa Igreja.

Oração

Ó minha Mãe dolorosa! pelo merecimento da dor que sentistes, vendo vosso amado Jesus conduzido à morte, impetrai-me a graça de também levar com paciência as cruzes que Deus me envia. Feliz serei, se souber acompanhar-vos com minha cruz até à morte. Vós e Jesus, que éreis inocentes, carregastes uma cruz tão pesada, e eu, pecador, que tenho merecido o inferno, recusarei carregar a minha? Ah! Virgem imaculada, de vós espero socorro para sofrer com paciência todas as cruzes. Amém.

5ª Dor: Morte de Jesus

Maria assistiu à agonia de seu Filho na cruz

Aqui temos a contemplar uma nova espécie de martírio. Trata-se de uma mãe condenada a ver morrer diante de seus olhos, no meio de bárbaros tormentos, um Filho inocente e diletíssimo.

“Estava em pé junto à cruz de Jesus, sua Mãe” (Jo 19,25).

É desnecessário dizer outra coisa do martírio de Maria, quer com isso declarar São João; contemplai-a junto da cruz, ao lado de seu Filho moribundo e vede se há dor semelhante à sua dor. Demoraremo-nos a considerar essa quinta espada de dor que transpassou o coração de Maria: a morte de Jesus.

Quando nosso extenuado Redentor chegou ao alto do Calvário, despojaram-no os algozes de suas vestes, transpassaram-lhe as mãos e os pés com cravos, não agudos, mas obtusos (segundo a observação de um autor), para maior aumento de suas dores, e pregaram-no à cruz. Tendo-o crucificado, elevaram e fixaram a cruz e o abandonaram à morte. Abandonaram-no os algozes, mas não o abandonou Maria. Antes ficou mais perto da cruz para lhe assistir à morte, como ela mesma revelou a Santa Brígida. Mas de que servia, ó Senhora minha, irdes presenciar no Calvário a morte de vosso Filho? pergunta São Boaventura. Não vos deveria reter o vexame, já que o opróbrio dele era também o vosso, que lhe éreis a Mãe? Pelo menos não deveria reter-vos então o horror ao delito de criaturas que crucificavam o seu próprio Deus? Mas, ah! o vosso coração não cuidava então da própria, e sim da dor e da morte do Filho querido. Por isso quisestes assisti-lo e acompanhá-lo com vossa compaixão. Ó Mãe verdadeira, diz o Vulgato Boaventura, ó Mãe amante, que nem o horror da morte pode separar do Filho amado!

Mas, ó meu Deus, que doloroso espetáculo! Na cruz, agonizando, está o Filho e junto à cruz a Mãe agoniza também, toda compadecida das penas desse Filho. O lastimoso estado em que viu seu Jesus moribundo na cruz, revelou-o Maria a Santa Brígida, dizendo:

“Estava meu Jesus pregado ao madeiro, saturado de tormentos e agonizante. Seus olhos encovados estavam quase cerrados e extintos; os lábios pendentes e aberta a boca; as faces alongadas, afilado o nariz, triste o semblante. Pendia-lhe a cabeça sobre o peito; seus cabelos estavam negros de sangue, o ventre unido aos rins, os braços e as pernas inteiriçados, e todo o resto do corpo coalhado de chagas e de sangue”.

Todas essas penas de Jesus eram outras tantas chagas no coração de Maria, observa o Pseudo-Jerônimo. Aquele que então estivesse presente no Calvário, diz Arnoldo de Chartres, veria dois altares onde se consumavam dois grandes sacrifícios: um era o corpo de Jesus, outro era o coração de Maria. Mais me agradam, porém, as palavras de São Boaventura, declarando que só havia um altar: a cruz do Filho onde a Mãe era sacrificada juntamente com o Cordeiro Divino. Por isso, pergunta-lhe:

“Ó Maria, onde estáveis? Junto à cruz? Ah! com muito maior razão digo que estáveis na mesma cruz, imolando-vos crucificada com vosso Filho”.

O Pseudo-Agostinho assevera: A cruz e os cravos feriram ambos, o Filho e a Mãe; juntamente com o primeiro foi também crucificada a segunda. O que faziam os cravos no corpo de Jesus, prossegue o Vulgato Bernardo, operava o amor no coração de Maria. De modo que, enquanto o Filho sacrificava o corpo, a Mãe sacrificava a alma, como se expressa São Bernardino.

Maria não pôde aliviar as penas de seu Filho

Fogem as mães da presença dos filhos moribundos. Quando, porém, uma mãe é obrigada a assistir um filho em agonia, procura dar-lhe todo alívio possível. Ajeita-o na cama, para que fique mais a gosto, e dá-lhe algum refresco. Desse modo a pobrezinha vai disfarçando sua dor. Ah! Mãe de todas a mais aflita! ó Maria, a vós é imposto assistir Jesus moribundo, mas não vos é facultado procurar-lhe alívio algum. Maria ouve o Filho dizer que tem sede, sem que lhe seja permitido dar-lhe um pouco de água para dessedentá-lo. Pode dizer-lhe apenas, conforme as palavras de São Vicente Ferrer: Meu Filho, tenho tão somente a água de minhas lágrimas. Vê como seu pobre Jesus, pregado àquele leito de dores por três cravos de ferro, não podia achar repouso. Queria abraçá-lo para consolá-lo, e para que ao menos expirasse em seus braços, mas não o podia fazer. Nota que seu Filho, mergulhado num mar de angústias, procura quem o conforte, segundo a predição de Isaías: Eu calquei o lagar sozinho… Eu olhei em roda e não havia auxiliar; busquei e não houve quem me ajudasse (63, 3 e 5). Mas que consolação podia ele achar entre os homens, se todos lhe eram inimigos? Mesmo pregado na cruz, uns blasfemavam dele e outros o escarneciam: E os que iam passando blasfemavam dele (Mt 27,39). Outros lhe diziam no rosto: Se és Filho de Deus, desce da cruz (27,40). Desafiavam-no alguns: Salvou a todos e a si mesmo não se pode salvar… Se é o rei de Israel, desça agora da cruz (27,42). Além disso, a Santíssima Virgem revelou a Santa Brígida:

“Ouvi alguns dizerem do meu Filho que era um ladrão; outros, que era um impostor; outros, que ninguém merecia tanto a morte como ele. Esses insultos eram para mim espadas de dor”.

O que mais aumentou, contudo, a dor de Maria, na sua compaixão para com o Filho, foi ouvir-lhe a queixa: Meu Deus, meu Deus, por que me desamparastes? (Mt 27,46). Palavras foram essas que nunca mais me saíram da mente, disse a divina Mãe a S. Brígida. Assim a aflita Mãe via Jesus atormentado por todos os lados. Queria aliviá-lo e não podia fazê-lo.

Maior era ainda o sofrimento, ao ver que com sua presença aumentava a pena do Filho. Daí, pois, a frase do Vulgato Bernardo:

“A plenitude das dores do coração de Maria derramou-se como uma torrente no Coração de Jesus. Sim, Jesus na cruz sofria mais pela compaixão de sua Mãe, que por suas próprias dores. Junto à cruz estava a Mãe, muda de dor; vivia morrendo, sem poder morrer”.

Jesus Cristo, assim refere Passino, revelou à Bem-aventurada Batista Varano de Camerino, que nada o fez sofrer tanto como a comiseração de sua Mãe ao pé da cruz, e que por isso morreu sem consolação. E conhecendo a bem- aventurada, por uma luz sobrenatural essa dor de Jesus, exclamou: Senhor, não me faleis dessa vossa pena, que eu não posso mais!

Maria ao pé da cruz é nossa Mãe espiritual

Pasmavam as pessoas que então consideravam essa Mãe, diz Simeão Fidato de Cássia, por verem-na quedar-se silenciosa, sem uma queixa ou lamento, no meio de tamanha dor. Mas, se os lábios guardavam silêncio, não o guardava contudo o coração. Pois a Virgem não cessava de oferecer à Divina Justiça a vida do Filho pela nossa salvação. Por aí vemos o quanto cooperava pelos seus sofrimentos para fazer-nos nascer à vida da graça. E se nesse mar de mágoas, que era o coração de Maria, entrou algum alívio, então este único consolo foi certamente o animador pensamento de que, por suas dores, cooperava para nossa eterna salvação. O próprio Salvador revelou a Santa Brígida: Minha Mãe tornou-se Mãe de todos no céu e na terra, por sua compaixão e seu amor. Com efeito, outro sentido não tinham as palavras com que Jesus se despediu de sua Mãe. Como derradeira lembrança deu-nos a ela por filhos, na pessoa de São João: Mulher, eis o teu filho (Jo 19,26). Começou desde então a Senhora a exercer para conosco esse ofício de mãe estremecida. Atesta S. Pedro Damião (assinala-o Salmeron) que estando por isso Maria entre a cruz do Filho e do bom ladrão, por suas preces converteu e salvou este último. Assim o recompensou por serviços prestados outrora, quando a Sagrada Família procurava o Egito. Nessa ocasião mostrara-se o bom ladrão prestimoso e afável, conforme contam vários autores. E a Santíssima Virgem continua e continuará sempre a exercer este ofício de Mãe desvelada.

Exemplo

O Venerável Joaquim Piccolomini, um fervoroso servo de Maria, já em criança, costumava visitar três vezes ao dia uma imagem de Nossa Senhora das Dores. Aos sábados, jejuava em honra da Virgem. Fazia mais. Levantava-se no meio da noite, para meditar sobre as dores de sua Mãe celeste. Vejamos como Maria recompensou o seu servo. Joaquim era ainda moço quando ela lhe apareceu e o fez entrar na Ordem dos Servitas. Outra vez lhe apareceu pelos últimos anos da vida, tendo nas mãos duas coroas. Uma era de rubis como prêmio pela compaixão com os sofrimentos dela; era de pérolas a outra, em recompensa da virgindade guardada por Joaquim. Pela terceira vez veio vê-lo à hora da morte. O Venerável pediu-lhe a graça de morrer na Sexta-feira Santa. Ao que a Virgem o consolou, dizendo: Eia, pois, prepara-te; amanhã é Sexta-feira Santa e morrerás, como desejas, indo comigo ao céu. E assim de fato aconteceu. Quando se cantava na igreja a Paixão do Senhor, entrou Joaquim em agonia. E às palavras “Inclinando a cabeça (Jesus) morreu”, o Venerável entregou sua alma a Deus. No mesmo instante espalhou-se pela igreja um vivo fulgor e uma suave fragrância.

Oração

Ó aflitíssima entre todas as mães, morreu, pois, vosso Filho tão amável e que tanto vos ama. Chorai, que bem razão tendes para chorar. Quem poderia vos consolar jamais? Só pode dar-vos algum lenitivo o pensar que Jesus com sua morte venceu o inferno, abriu aos homens o paraíso, que lhes estava fechado, e fez a conquista de tantas almas. Do trono da cruz Ele reinará sobre tantos corações que, pelo amor vencidos, o servirão com amor. Dignai-vos, entretanto, ó minha Mãe, consentir que me conserve a vossos pés, chorando convosco, já que eu, pelos meus grandes pecados, tenho mais razão de chorar que vós. Ah! Mãe de Misericórdia, em primeiro lugar pela morte de meu Redentor, e depois pelo merecimento de vossas dores, espero o perdão e a salvação eterna. Amém.

6ª Dor: A lançada e a descida da Cruz

Maria saúda as chagas de Jesus, como fontes de nossa salvação

Ó vós todos, que passais pela estrada, atendei e vede se há dor semelhante à minha dor (Lm 1,12). Almas devotas, escutai o que hoje vos diz a Mãe dolorosa: Filhas diletas, não quero que procureis consolar-me, porque meu coração já não pode achar consolação na terra, depois da morte de meu caro Jesus. Se quereis dar-me gosto, vinde e vede se houve no mundo dor semelhante à minha, ao ver como me arrebataram com tanta crueldade Aquele que era todo o meu amor. Mas, Senhora, já que não buscais consolo, mas antes sofrimento, eu vos direi que nem com a morte de vosso Filho findaram as vossas dores. Ainda hoje, daqui a pouco, sereis ferida dolorosamente por uma espada. Vereis uma lança cruel transpassar o lado de vosso Filho, já sem vida. E depois tereis de receber, em vossos braços, seu corpo descido da cruz.

Estamos na sexta dor da pobre Mãe de Jesus. Contemplemo-la com atenção e lágrimas de piedade. Até então vieram as dores cruciar Maria, uma a uma. Mas agora assaltaram-na todas juntas. Basta dizer a uma mãe que seu filho morreu, para toda inflamá-la o amor ao filho que a deixou. Para consolo das mães atribuladas com a perda de algum filho, costumam pessoas recordar-lhes os desgostos que deles receberam. Porém eu, ó minha Rainha, se quisesse consolar-vos pela morte de Jesus, onde acharia algum desgosto dado por ele, para vo-lo recordar? Ah! Ele sempre vos amara, sempre vos obedecera e respeitara. Agora o perdestes. Quem há que possa exprimir vossa aflição? Exprimi-a vós mesma, que cruelmente a sofrestes!

Morto nosso Redentor, diz um piedoso autor, acompanharam-lhe a alma santíssima os amorosos afetos da excelsa Mãe, para apresentá-la ao Eterno Pai. Disse talvez o seguinte:

“Apresento-vos, ó meu Deus, a alma imaculada do meu e vosso Filho, que vos obedeceu até a morte; recebei-a em vossos braços. Eis satisfeita a vossa justiça e executada a vossa vontade; eis consumado o grande sacrifício para eterna glória vossa”.

Voltando-se depois para o corpo inanimado de seu Jesus:

“Ó chagas, disse então, chagas amáveis, congratulo-me convosco, porque por meio de vós foi dada a salvação ao mundo. Permanecereis abertas no corpo de meu Filho, como refúgio de todos quantos recorrem a vós. Quantos por vós hão de receber o perdão de seus pecados e inflamar-se no amor do Sumo Bem!”

A dolorosa cena do lanceamento

Porque não ficasse desfeita a festa do dia seguinte, sábado pascal, exigiram os judeus fosse logo retirado da cruz o corpo do Senhor. Mas como não podiam retirar o sentenciado antes de estar certamente morto, vieram alguns algozes, com pesadas clavas de ferro, e quebraram as pernas aos dois ladrões crucificados. Aproximaram-se também do corpo de Jesus. Enquanto chorava a morte de seu Filho, vê Maria esses homens armados que se chegam a Jesus. Estremece de terror, mas logo lhes diz: Ai! meu Filho já está morto: deixai de ultrajá-lo ainda mais, e de ainda mais me atormentar o pobre coração de mãe desolada! Pediu que não lhe quebrassem as pernas, observa Boaventura Baduário. Mas enquanto assim falava, ó Deus! vê um soldado erguer com ímpeto a lança e com ela abrir o lado de Jesus.

“Um dos soldados lhe abriu (a Jesus) o lado com uma lança, e imediatamente saiu sangue e água” (Jo 19,34).

A esse golpe de lança tremeu a cruz, e o Coração de Jesus foi dividido, como por revelação o soube S. Brígida. Saiu sangue e água, pois do primeiro restavam apenas essas últimas gotas. Quis o Salvador derramá-las para nos mostrar que j á não tinha sangue que nos dar. Foi para Jesus a injúria desse golpe de lança, mas a dor sentiu-a a Virgem Mãe, diz Landspérgio. Querem os Santos Padres que tenha sido propriamente essa a espada predita à Virgem por Simeão. Não foi uma espada de aço, mas de dor que transpassou a sua alma bendita, no Coração de Jesus onde sempre morava. Entre outros, diz São Bernardo: A lança, que abriu o lado de Jesus, transpassou a alma da Virgem, que não podia separar-se do Filho. Ao ser retirada a lança – revelou a Mãe de Deus a Santa Brígida – o sangue de meu Filho tingia-lhe a ponta; parecia-me nesse momento que meu coração estava transpassado, ao ver que o do meu Filho fora rasgado pelo golpe. E à mesma santa disse o anj o, que só por um milagre escapou Maria de morrer naquela ocasião. Nas outras dores, a Virgem tinha o Filho a seu lado, mas nem semelhante conforto lhe resta agora.

A Mãe dolorosa recebe nos braços o Filho sem vida

A atribulada Senhora receava, entretanto, que fizessem outras injúrias a seu amado Filho. Pediu a José de Arimateia lhe obtivesse, por isso, de Pilatos o corpo de Jesus, para que ao menos depois de morto o pudesse preservar dos ultrajes dos judeus. Foi José ter com Pilatos, expôs-lhe a dor e o desejo da aflita Mãe. Segundo o Pseudo-Anselmo, Pilatos, compadecendo-se da Mãe, lhe concedeu o corpo do Redentor. Eis que descem o Salvador da cruz em que morrera! Ó Virgem sacrossanta, destes com tanto amor vosso Filho ao mundo, e vede como ele vo-lo entrega! Por Deus, exclama a Senhora, em que estado, ó mundo, me entregas meu amado Filho! Era ele o meu querido, branco e rosado (Ct 5,10); e tu mo entregas negro pelas contusões e rubro não pela cor, mas pelas chagas de que o cobriste?! Era belo e ei-lo agora desfigurado! Encantava com seu aspecto, mas causa horror agora a quem o vê! Quantas espadas feriram a alma dessa Mãe, quando em seus braços depuseram o Filho descido da cruz! diz um autor sob o nome de São Boaventura. Contemplemos o indizível sofrimento de uma mãe à vista do seu filho sem vida.

Conforme as revelações de S. Brígida, encostaram três escadas para descerem o corpo de Jesus. Primeiro desprenderam os santos discípulos as mãos, depois os pés e entregaram os cravos a Maria, como refere Metafrastres. Segurando o corpo de Jesus, um por cima e outro por baixo, o desceram da cruz.

Ergue-se a Mãe, relata Bernardino de Busti, estende os braços para o Filho, abraça-o e senta-se aos pés da cruz. Contempla-lhe a boca aberta e os olhos obscurecidos; examina seu corpo rasgado pelas chagas e os ossos descobertos. Tira-lhe a coroa, e vê que horríveis chagas os espinhos fizeram naquela sagrada cabeça. Olha finalmente as mãos e os pés transpassados pelos cravos e diz: Ah! Filho, a que extremos te reduziu teu amor pelos homens! Que mal lhes fizeste para que assim te maltratassem? Tu me eras pai, irmão e esposo, fá-la dizer Bernardino de Busti; eras minha glória, minha delícia e meu tudo. Filho, vê como estou aflita, olha–me e consola-me. Mas ai! não me falas mais, porque estás morto. E dirigindo-se aos instrumentos de martírio: Ó espinhos cruéis, ó desapiedada lança, como pudestes assim atormentar vosso Criador? Mas por que acuso os espinhos, os cravos? Ah! pecadores, fostes vós que assim maltratastes a meu Filho!

Queixas de Maria sobre os pecadores

Assim então Maria se queixou de nós. E se agora pudesse sofrer, que diria? Que pena sentiria, vendo que os homens, mesmo após a morte de Jesus, continuam a maltratá-lo e crucificá-lo com seus pecados? Nunca mais atormentemos, pois, essa Mãe aflita! Se pelo passado a afligimos com nossas culpas, façamos agora o que ela nos diz. Mas que é que nos diz? “Tomai isto a sério, vós prevaricadores” (Is 46,8). Pecadores, voltai ao ferido Coração de Jesus; arrependei-vos, que ele vos acolherá. Pelo abade Guerrico, nos diz ainda a Senhora: Fugi de Jesus, vosso Juiz, para Jesus, vosso Salvador; fugi do tribunal para a cruz!

A Santíssima Virgem revelou a S. Brígida que, quando desceram seu Filho da cruz, ela lhe cerrou os olhos, mas não pôde fechar os braços. Jesus dava- nos assim a entender que seus braços hão de ficar sempre abertos para acolher todos os pecadores arrependidos.

Ó mundo, continua Maria, “eis que agora estás no tempo, no tempo de amor” (Ez 16,18). Meu Filho morreu para salvar-te; já não é para ti um tempo de temor, mas de amor. É tempo de amares Aquele que tanto quis sofrer, para provar quanto te ama. O Coração de Jesus foi ferido, diz S. Boaventura, a fim de nos mostrar pela chaga visível o seu amor invisível. E alhures o Santo faz Maria dizer: Se meu Filho quis que lhe fosse aberto o lado para dar-te seu coração, é justo que lhe dês também o teu.

Se, portanto, quereis, ó filhos de Maria, achar lugar no Coração de Jesus, sem receio de repulsa, ide a ele juntamente com Maria, por quem alcançareis tal graça. Assim nos exorta Hubertino de Casale.

Exemplo

Na cidade de Casena, viviam dois amigos muito viciados. Um deles, Bartolomeu, apesar da má vida, tinha por costume recitar todos os dias o Stabat Mater. Recitando-o, certa vez, pareceu-lhe que, com um seu amigo, se achava dentro de uma enorme fogueira. Viu então como a Santíssima Virgem lhe estendeu a mão, a ele, Bartolomeu, para o tirar do meio das chamas e dela recebeu o conselho de pedir perdão a Nosso Senhor. E Jesus Cristo mostrou-se pronto a perdoar por causa da intercessão de sua Mãe Santíssima. Mal terminara essa visão, quando vieram contar a Bartolomeu que seu amigo tinha sido morto a tiros. Viu assim o pecador que não fora puro sonho o que a imaginação lhe mostrara. Deixou por isso o mundo, e entrou para a Ordem dos Capuchinhos. No convento, levou uma vida austera e penitente, morrendo, por fim, em fama de santidade.

Oração

Ó Virgem dolorosa, ó alma grande pelas virtudes e também pelas dores, pois que ambas nascem do grande incêndio do amor que tendes a Deus, o único objeto amado por vosso coração. Ah! minha Mãe, tende piedade de mim, que não tenho amado a Deus e tanto o tenho ofendido. Vossas dores me enchem de grande confiança, e me fazem esperar o perdão. Mas isso não me basta; quero amar a meu Senhor. E quem me pode alcançar essa graça melhor que vós, que sois a Mãe do belo amor? Ah! Maria, a todos consolastes; consolai também a mim. Amém.

7ª Dor: Sepultura de Jesus

Queixa da Mãe dolorosa

Uma mãe, que se acha presente aos sofrimentos e à morte do filho, sente e sofre incontestavelmente todas as suas dores. Mas depois, quando o vê morto e prestes a ser sepultado, oh! então, o pensamento de deixá-lo, para nunca mais tornar a vê-lo, causa-lhe uma dor que excede todas as outras dores. Eis a sétima e última espada de dor que hoje vamos meditar. A Mãe Santíssima vira o Filho morrer na cruz, recebera-o depois de morto, e agora vê-se obrigada a deixá-lo finalmente no sepulcro, para não mais gozar de sua amável presença. Compreenderemos melhor esta última dor da Senhora, se subirmos ao Calvário e aí contemplarmos a desolada Mãe, ainda abraçada com o Filho morto. Então bem podia repetir com Jó: Meu Filho, mudastes-vos em cruel comigo (Jó 30,21). Todas as vossas belas prendas, vossa beleza, vossa graça, vossas virtudes, vossas amáveis maneiras: todos os vossos testemunhos de especial amor, todos os singulares favores que me dispensastes – tudo, em outras tantas penas, se me tem mudado. Quanto mais vossos benefícios em vosso amor me inflamaram, tanto mais agravam agora a perda vossa. Ah! Filho dileto, tudo perdi em vos perdendo! Ó verdadeiro Filho de Deus, – assim a faz queixar-se Bernardino de Busti com Pseudo-Bernardo – Vós me éreis pai, filho e esposo e vida; agora estou sem pai, sem esposo, sem filho; perdi tudo, numa palavra.

Maria acompanha Jesus à sepultura

Deste modo expandia a Mãe a sua dor, abraçada ao Filho sem vida. Mas os santos discípulos receavam lhes expirasse de dor a pobre Mãe, e por isso se apressam em tirar-lhe do regaço o Filho sem vida. Fazendo-lhe, pois, respeitosa violência, tiram-lho dos braços, o embalsamam com aromas, envolvem-no numa mortalha, preparada de propósito para ele. Nela quis o Senhor deixar impressa sua imagem, como hoje ainda se vê em Turim.

Levam o Sagrado Corpo à sepultura. Forma-se o cortejo fúnebre e os discípulos acompanham-no, juntamente com as santas mulheres. Entre as últimas, caminha a Mãe dolorosa, levando também ela o Filho à sepultura. Ter-se-ia a Senhora de boa mente sepultado viva com o Filho, como reza uma sua revelação a Santa Brígida. Mas, esta não sendo a divina vontade, acompanhou resignada o sacrossanto corpo de Jesus ao sepulcro, no qual, como refere Barônio, depositaram também os cravos e a coroa de espinhos. No momento de fechá-lo com a pedra, voltaram-se os discípulos para Maria com as palavras: Eia, Senhora, vai ser fechado o túmulo. Animo! contemplai vosso Filho pela última vez e dai-lhe um derradeiro adeus! Assim, pois, ó dileto Filho, – teria então dito talvez a Senhora, – assim, pois, não mais te tornarei a ver? Recebe com meu último olhar o último adeus de tua aflita Mãe; recebe meu coração, que deixo contigo no sepulcro! – Era-lhe ardente o desejo de sepultar também sua alma com o Filho, observa Vulgato Fulgêncio. A pobre Virgem assim falou a Santa Brígida: Na sepultura de meu Filho estavam sepultados dois corações. – Finalmente, os discípulos tomaram a pedra e fecharam no túmulo o corpo de Jesus, aquele tesouro que não tem igual nem no céu nem na terra. Intercalemos aqui uma digressão. Maria deixa seu coração sepultado com Jesus, porque lhe é Jesus o único tesouro.

“Porque onde está o vosso tesouro, aí está também o vosso coração” (Lc 12,34).

E nós onde sepultaremos o nosso? Nas criaturas, talvez? no desprezível pó? Por que não em Jesus? Ainda que haja subido ao céu, quis entretanto permanecer no meio de nós no Sacramento, justamente para possuir e guardar nossos corações. Voltemos, porém, a Maria. Antes de se afastar do sepulcro, bendisse aquela pedra sagrada, como refere Boaventura Baduário: Ó pedra feliz, que agora encerras Aquele que tive nove meses no seio, eu te bendigo e invejo. Deixo-te guardando este meu Filho que é todo o meu bem, todo o meu amor”. E dirigindo-se ao Pai Eterno, rezou: Meu Pai, a vós encomendo este Filho, que é vosso e meu.

Maria despede-se da sepultura do Filho

Tais foram as despedidas de Maria junto ao sepulcro do Filho, de onde depois voltou a casa. Triste e aflita ia a pobre Mãe, diz Pseudo-Bernardo, despertando lágrimas em quantos a viam passar. Acrescenta também que os santos discípulos e as santas mulheres choravam mais por causa de Maria do que sobre a perda do Mestre.

Quer Boaventura Baduário que as parentas de Maria a tenham velado com um lúgubre manto. Na volta – diz ele – passou a Virgem pela cruz, banhada ainda com o sangue de seu Jesus. Foi a primeira a adorá-la com as palavras: Ó Cruz, eu te beijo e te adoro; agora não és mais um madeiro infame, mas o trono do amor e o altar da misericórdia, consagrado com o sangue do divino Cordeiro, sacrificado em teus braços pela salvação do mundo. Assim se despede da cruz e volta para casa. Aí olha em torno de si e não vê mais o seu Jesus. Em vez da presença de seu querido Filho, surgem-lhe à memória todos os quadros de sua desapiedada morte. Recorda os abraços dados ao Filho no presépio de Belém, os colóquios durante tantos anos, os mútuos afetos, os olhares cheios de amor, e as palavras de vida eterna saídas daqueles lábios divinos. Então se lhe apresenta ante os olhos a cena funesta daquele dia: vê os cravos, os espinhos, as carnes dilaceradas do Filho, suas chagas tão profundas, seus ossos tão descarnados, sua boca assim aberta, seus olhos assim apagados. Ai! que noite de dores foi aquela para a Mãe de Deus! Dirigia-se a São João e lhe perguntava cheia de tristeza: João, onde está o teu Mestre? Perguntava depois a Madalena: Filha, dize-me, onde está o teu dileto? Quem no-lo arrebatou? – Em prantos se expandiam a Senhora e os que a rodeavam. E tu, minha alma, não choras? Dirige-te à Virgem Dolorosa e pede-lhe lágrimas, como São Boaventura: Deixa-me chorar, ó Senhora, porque sou eu o culpado e vós sois inocente! Pede-lhe admita que chores com ela: Deixa que eu chore contigo. Ela chora de amor; chora tu de dor por teus pecados. E poderás assim ter a felicidade daquele de quem se trata no seguinte exemplo.

Exemplo

Conta o Padre Engelgrave que havia certo religioso tão atormentado pelos escrúpulos, que às vezes quase se entregava ao desespero. Mas como era devotíssimo de Nossa Senhora das Dores, recorria sempre a ela em suas angústias espirituais, e, contemplando suas dores, se sentia confortado. Na hora de sua morte, perseguiu-o o demônio mais que nunca com os escrúpulos, induzindo-o à desesperação. Mas a piedosa Mãe, vendo seu pobre filho tão angustiado, apareceu-lhe e disse-lhe: Filho meu, por que tanto temes e te entristeces, tu que tantas vezes me consolaste, compadecendo-te de minhas dores? Animo! Mandou-me Jesus a consolar-te. Anda, consola-te, enche-te de alegria e vem comigo para o céu. A essas palavras, o devoto religioso, cheio de consolação e de confiança, expirou placidamente.

Oração

Ó minha Mãe dolorosa, não vos quero deixar chorando sozinha. Quero acompanhar-vos com minhas lágrimas. Esta graça hoje vos peço: obtende-me uma contínua memória com uma terna devoção à Paixão de Jesus e à vossa, para que os dias que me restam de vida me não sirvam senão para chorar vossas dores, ó minha Mãe, e as de meu Redentor. Essas vossas dores, espero eu, na hora de minha morte, me hão de dar coragem, força e confiança para não desesperar à vista do muito que ofendi ao meu Senhor. E elas me hão de impetrar o perdão, a perseverança e o paraíso, onde espero depois alegrar-me convosco, e cantar as misericórdias infinitas de meu Deus, por toda a eternidade. Assim o espero, assim seja. Amém.

 

Ó minha Senhora, vós roubais os corações dos homens pela vossa suavidade. Pois então já não roubastes o meu? Ó arrebatadora dos corações, quando me restituireis o meu? Não; guardai-o convosco e colocai-o, juntamente com o vosso, no lado aberto de vosso Filho. Tenho assim o que desejo, já que sois vós a minha esperança.

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