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Recaída em Culpa

Meditação para o Terceiro Domingo da Quaresma. Recaída em Culpa

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, segundo São Lucas 11, 14-28

14Jesus estava a expulsar um demónio mudo. Quando o demónio saiu, o mudo falou e a multidão ficou admirada. 15Mas alguns dentre eles disseram: «É por Belzebu, chefe dos demónios, que Ele expulsa os demónios.» 16Outros, para o experimentarem, reclamavam um sinal do Céu. 17Mas Jesus, que conhecia os seus pensamentos, disse-lhes:

«Todo o reino, dividido contra si mesmo, será devastado e cairá casa sobre casa. 18Se Satanás também está dividido contra si mesmo, como há-de manter-se o seu reino? Pois vós dizeis que é por Belzebu que Eu expulso os demónios. 19Se é por Belzebu que Eu expulso os demónios, por quem os expulsam os vossos discípulos? Por isso, eles mesmos serão os vossos juízes. 20Mas se Eu expulso os demónios pela mão de Deus, então o Reino de Deus já chegou até vós.

21Quando um homem forte e bem armado guarda a sua casa, os seus bens estão em segurança; 22mas se aparece um mais forte e o vence, tira-lhe as armas em que confiava e distribui os seus despojos. 23Quem não está comigo está contra mim, e quem não junta comigo, dispersa.»

Perigo da recaída (Mt 12,43-45) – 24«Quando um espírito maligno sai de um homem, vagueia por lugares áridos em busca de repouso; e, não o encontrando, diz: ‘Vou voltar para minha casa, de onde saí.’ 25Ao chegar, encontra-a varrida e arrumada. 26Vai, então, e toma consigo outros sete espíritos piores do que ele; e, entrando, instalam-se ali. E o estado final daquele homem torna-se pior do que o primeiro.»

A verdadeira bem-aventurança – 27Enquanto Ele falava, uma mulher, levantando a voz do meio da multidão, disse: «Felizes as entranhas que te trouxeram e os seios que te amamentaram!»

28Ele, porém, retorquiu: «Felizes, antes, os que escutam a Palavra de Deus e a põem em prática.»

Meditação para o Terceiro Domingo da Quaresma

SUMARIO

Como o Evangelho nos fala da recaída no pecado, destinaremos a nossa próxima meditação a considerar quanto esta recaída é:

1.° Injuriosa a Deus;

2.° Funesta ao homem.

— Tomaremos depois a resolução:

1.° De fixarmos cada dia, segundo o nosso exame de consciência, o pecado que nos importa mais corrigir, a fim de evitarmos, principalmente neste ponto, a recaída nele;

2.° De nos excitarmos cada dia a viver melhor nesse dia do que na véspera.

O nosso ramalhete espiritual será a palavra do Evangelho:

“O último estado do pecador reincidente é pior do que o primeiro” – Fiunt novissima hominis illius pejora prioribas (Mt 12, 45)

Meditação para o Dia

Adoremos Nosso Senhor ensinando-nos no Evangelho deste dia a gravidade da recaída em culpa: O estado, diz Ele, daquele que, depois de ter sido livre do demônio, se lhe entrega de novo, vem a ser pior do que o primeiro. Agradeçamos-Lhe tão importante advertência, e supliquemos-Lhe a graça de nos aproveitarmos dela.

PRIMEIRO PONTO

A recaída no pecado é injuriosa a Deus

1.° É uma horrível ingratidão: Deus tinha-nos perdoado os pecados precedentes; e este perdão dava-lhe direito a todo o nosso reconhecimento. Quanto não devíamos mostrar-nos obrigados e agradecidos pela generosidade que havia esquecido as nossas culpas, pela Sua graça que as tinha apagado, pelo sangue de Jesus Cristo que nos alcançou esta graça, pelo recobro dos nossos direitos ao céu e à posse eterna de Deus, finalmente pela gratuidade de tão grande benefício, pois que não somente não o havíamos merecido, mas dEle nos tínhamos tornado indignos pelo pecado! E eis que em vez de Lhe darmos graças, de O bendizermos por tanto amor, recomeçamos as nossas ofensas; importamo-nos tão pouco com a perda da graça, ou se o nosso pecado é apenas venial, com a diminuição dessa mesma graça! Que vergonha e culpável ingratidão! Ó alma cristã, quanto te degrada e avilta esta recaída! (1)

2.° É um indigno abuso da bondade e da paciência de Deus. Porque Deus é bom, cometemos o pecado à vontade. Ele perdoou-me este pecado, parece que dizemos conosco; perdoar-me-á ainda se o cometer uma segunda e terceira vez. E recaímos. Ó homem! Exclama São Paulo, como podes tu desprezar assim as riquezas da bondade, da paciência e da longanimidade de Deus? (2). Como não compreendes tu, que esta bondade de Deus é uma razão para melhor o servir, e que tirares daí motivo para O ofender, é entesourar para ti ira no dia da ira e da revelação do justo juízo de Deus? (3).

3.° É uma vergonhosa perfídia. Cada vez que nos confessamos ou comungamos, protestamos não recair; o sangue de Jesus, que nos é aplicado pela absolvição ou dado pela comunhão, vem selar os nossos protestos: e eis que na menor ocasião, para fazer a nossa vontade ou a dos outros, violamos essas sagradas promessas! Não é isto uma vergonhosa perfídia?

Ó meu Deus, perdão, misericórdia! – Miserere mei, Deus, secundum magnam misericordiam tuam (Sl 50, 1)

SEGUNDO PONTO

Quanto a recaída no pecado é funesta ao homem

1.° Esta recaída enfraquece-nos. Familiarizando-nos com o pecado, diminui o horror que lhe tínhamos, e por conseguinte a vontade de lhe resistirmos. Ora, antes de cometer o pecado, gozávamos da amizade de Deus; e recaindo perdemo-la, e merecemos o inferno se o pecado é mortal, e o purgatório se é venial. Oh! Quanto uma tal recaída enfraquece!

2.° Cada recaída aumenta a dificuldade de nos levantarmos.

“É impossível, diz São Paulo, que os que foram iluminados, que tomaram já o gosto ao dom celestial, e depois disto caíram, tornem a ser renovados pela paciência” – Impossibile est eos qui semel sunt illuminati… et prolapsi sunt, rursus renovari ad paenitentiam (Hb 6, 4-6)

Sem dúvida, esta impossibilidade não se deve entender à letra: enquanto o homem vive, pode salvar-se; mas indica ao menos uma grave dificuldade, que deve aterrar-nos. Com efeito, as recaídas inclinam a vontade para o mal, produzem o hábito, que se torna logo como uma segunda natureza: de sorte que já não queremos nem empregar os meios de nos levantarmos, nem remover os obstáculos que se opõem à conversão, nem combater as nossas más tendências. O pouco resultado que tiveram certos esforços, desgosta-nos de os renovar, e faz-nos crer que não podemos emendar-nos. Finalmente, a vergonha de tantas tentativas frustradas retem-nos, e ficamos sempre no mesmo estado. Tal é a espécie de impossibilidade com que São Paulo ameaça o pecador reincidente. Não deve isto fazer-nos tremer e inspirar-nos uma firme vontade de não recairmos mais?

Resoluções e ramalhete espiritual como acima

Referências:

(1) Quam vilis facta et nimis, iterans vias tuas (Jr 2, 36)

(2) An divitias bonitatis ejus, et patientiae, et longanimitatis contemnis? (Rm 2, 4)

(3) Ignoras quoniam benignitas Dei ad paenitentiam te adducit? Secundum autem duritiam tuam et impaenitens cor, thesaurisas tibi in die irae (Rm 2, 4 e 15)

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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo II, p. 134-138)