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A questão de Deus

Deus
Por Dom Henrique Soares da Costa

Apesar do ateísmo prático que vemos presente em tantos níveis e ambientes de nossa sociedade ocidental, apesar da enganosa sensação difusa de emancipação e euforia, o problema da fé em Deus não pode ser tranquila e pacificamente descartado pelo homem; trata-se, ao invés, de uma questão que coloca em questão o próprio homem, a existência de cada um de nós!

É importante perceber que o problema da fé em Deus está associado a três grandes dimensões da existência humana:

A Origem e Fundamento da Vida

Experimentamos a realidade como inconsistente em si mesma e nossa vida como fugaz e passageira (cf. Ecl 1,2-11.14). E isto nos coloca o problema do Sentido, do Donde e do Aonde de tudo:

Por que tudo existe? Para quê? Donde provém? Para onde vai?

Eis aqui, de modo irreprimível, a questão sobre Deus!

O judaísmo e o cristianismo creem num Deus criador, origem e fim da existência humana; um Deus do Qual viemos, no Qual existimos, para o Qual caminhamos, em Quem temos existência e consistência… Assim construiu-se a nossa civilização ocidental. Ora, a modernidade deixou de lado a ideia de um Criador e mudou a compreensão do mundo e da natureza, passando da contemplação ao pragmatismo explorador: o homem é o criador, o transformador e o senhor! No entanto, se olharmos bem, quanto mais a ciência avança, tanto mais se percebe a grandiosidade e, ao mesmo tempo, a fragilidade do universo… Assim, de modo insistente e incômodo volta a questão sobre Deus! O homem é sempre novamente obrigado a perceber que o universo, que a realidade não estão simplesmente à sua disposição, mas, em si mesmo, têm algo de mistério que nos ultrapassa de longe! De onde vem tudo? … Por quê? Para quê?

O Sentido da Existência

A questão surge diante da consciência que o ser humano tem da morte e torna-se presente em cada experiência da falta de sentido, de morte, de muitas situações da vida. Inevitavelmente surge a pergunta sobre Deus: Por que tem de ser assim? Onde está o Sentido? Por que se cala? Tal experiência nos faz pressentir que a resposta não se encontra neste mundo, em nossa realidade intra-mundana, abrindo-nos, então, para a busca de um Absoluto que nos possa salvar, arrancar-nos do absurdo, do tédio e do vazio existencial… Caso contrário, o homem deve conformar-se a ser somente um grito sem resposta, uma sede não saciada, uma carência sem plenitude possível, uma vida sem sentido!

A Pergunta sobre o Bem e o Mal

Somos potencialmente capazes do melhor e do pior; por isso buscamos normas universais de conduta que nos permitam optar pelo bem. Ora, se Deus não existe, tudo é permitido, pois não é possível responder a esta questão fundamental: se não há o Bem e o Mal últimos a partir do qual avaliar e julgar toda conduta, se não há uma Referência última, para além de nós mesmos, de nossa subjetividade, então é impossível justificar de modo consistente uma conduta moral. Não basta o sentido da dignidade humana e da solidariedade: sem uma raiz última em que fundamentar tais valores, também eles perecerão!
Ora, o Deus da tradição judeu-cristã aparece como a interpelação última que nos faz sentir responsáveis pelo mundo e pelos outros: Ele nos descobre o rosto do próximo; Ele é o defensor das vítimas, “do estrangeiro, da viúva e do órfão” – não está nunca com o opressor, mas com o oprimido e não vê a história do ponto de vista dos vencedores, mas do ponto de vista dos massacrados, do que está só, dos machucados no caminho da vida…

Também aqui, portanto, o mundo é obrigado a procurar um fundamento moral mais profundo e mais sólido que aqueles apresentados pelos humanismos secularizados que estão na moda. Nem mesmo todas as belas profissões de fé nos direitos humanos e na paz e justiça entre os povos, têm conseguido livrar o mundo atual de injustiças e violências brutais e gritantes!

Por tudo isso, é claro que o homem, se quer ser fiel a si mesmo, claro que uma sociedade, se desejar ser sadia, não podem fazer pouco de perguntar sobre Deus… Um Deus que responda à questão “que é” e “para que é” o ser humano.

Ora, o drama é que o mundo atual silenciou a questão de Deus, construindo uma existência preocupada simplesmente com o intramundano, abdicando de buscar o Absoluto! Daí o secularismo e o relativismo, a abdicação da verdade e a indiferença aos valores: tudo vale porque nada vale! Isto se manifesta fundamentalmente em duas atitudes de hoje: a fuga ante a morte e a mentalidade de aproveitar a vida numa dissipação do consumismo hedonista, do espetacular e da busca sôfrega de novidades como distração. Assim, o sentido da vida é banalizado e ficam poucos resquícios de Deus!

A consequência última de tal situação é o medo, velado e nunca admitido:

“O homem numas muitas vezes se exalta como norma absoluta. Noutras deprime-se até ao desespero. Donde sua hesitação e angústia” (Vaticano II – GS 12b).

Não há como fugir: só quando o homem se abre para Deus como Realidade absoluta, ele encontra o sossego do seu coração…