Conversão no Sanhedrin (Sinédrio)
I
Os três anos passados na intimidade de Jesus Cristo, tinham feito de João a testemunha do Evangelho, e as relações familiares com o Filho de Deus são suficientes para explicar o seu conhecimento e garantir-lhe a sinceridade. Mas, quem nos explicará a nova energia, que vai fazer do discípulo predileto um apóstolo e um mártir, e essa transformação súbita e inefável, que do pescador de homem, fará hoje o mais sublime dos Evangelistas? Este espírito precisava ainda de um último raio de luz; era mister uma chama a este coração para fundir-se e tornar-se de bronze a alma fiel e terna.
O Espírito Santo fez o milagre, o milagre necessário, sem o qual nada se explica, milagre que Jesus Cristo profetizara no Evangelho de São João. Foi unicamente em São João que a teologia referente ao Espírito Santo recebeu as revelações e os desenvolvimentos que formam um conjunto doutrinário completo.
Conta-nos o discípulo que, na última entrevista de Jesus, na véspera de sua morte, os apóstolos ouvindo-O falar em partida, ficaram enternecidos; mas o Senhor lhes dissera:
“Não se inquiete o vosso coração, porque meu Pai vos dará outro Consolador que ficará eternamente convosco”
Jesus dizia então qual seria a origem, a natureza, a operação deste outro consolador. É o Espírito que procede do Pai, e que é enviado pelo Pai e pelo Filho: processão eterna, processão substancial que João explicará mais tarde com esta palavra decisiva de sua primeira epístola:
“Há três que dão testemunho no céu; O Pai, o Verbo e o Espírito Santo; e estes três só fazem um”
Chama-se este Espírito O «Espírito da Verdade», luz das inteligências, enviado a fim de despertar no espírito dos apóstolos a doutrina do Evangelho, assim como o sol desperta no seio da terra os gérmens adormecidos:
“É o Espírito que o Pai há de enviar em meu nome, ele vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar tudo o que vos tenho dito” (Jo 14, 26).
“Ele dará testemunho de mim” (Jo 15, 26)
“Ensinar-vos-á toda a verdade. Não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará as coisas que hão de vir. Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu, e vo-lo anunciará” (Jo 16, 13-15)
Este Espírito fora igualmente anunciado como Espírito de força; os apóstolos tinham recebido ordem de ficar no Cenáculo até que fossem “revestidos daquela força do Altíssimo”.
O Pentecostes justificou as divinas promessas. As línguas de fogo que os apóstolos viram descer sobre suas cabeças, no silêncio do cenáculo, representavam a chama e a luz interior com as quais o Espírito de verdade vinha abrasá-los. O vento que abalou o lugar onde oravam, era a imagem daquele sopro cheio de força que iria derrubar os ídolos do paganismo e renovar a face da terra. A alegria que encherá mais tarde o coração dos apóstolos, diante dos carrascos, é a presença e a graça do Espírito consolador que o Mestre lhes prometera.
Não é preciso procurar alhures o segredo da transformação que faz do filho de Zebedeu o Evangelista do Verbo, e do terno discípulo o intrépido confessor da verdade. Pode-se mesmo dizer que nesse sentido, não era o mesmo homem que, pescador na véspera, ia no dia seguinte exprimir, escrever e produzir coisas tão sobre-humanas; na verdade, é outro homem, é o homem do Pentecostes.
Esta transformação vemo-la manifestar-se em sua vida e em suas obras. A alma de São João, cheia dos dons de Deus, parecia um navio ainda ancorado no porto e à espera apenas do vento para começar a carreira: o Espírito soprou no cenáculo e o apóstolo partiu.
Uma das recomendações de Jesus fora que eles se associassem dois a dois para pregar o Evangelho: Et coepiteos mittere binos. Eis porque, de agora em diante, João não anda mais só; a princípio tornou-se inseparável de Simão Pedro (1). Não era só o prelúdio e o exemplo da associação que devia ser uma das forças de conquista do futuro. Os Doutores quiseram ver nessa união dos dois apóstolos o emblema da união da doutrina e do amor. Para eles Pedro e João constituem a verdade aliada à caridade, uma levando a luz, outra o calor; uma, senhora dos espíritos, outra, soberana das almas; mas ambas invencíveis, quando andam juntas, de mãos dadas.
Na opinião de Santo Agostinho, os dois apóstolos personificam, um, a vida ativa, outro, a vida contemplativa. Pedro é a energia da ação e do combate. João é a quietude da contemplação, repousando em silêncio perto do objeto que adora, e antevendo as calmas alegrias da eternidade (2).
Os apóstolos não se dirigiram logo às nações. O Pastor lhes dissera que deviam primeiramente ir às ovelhas de sua casa de Israel. Os Judeus deviam ter as primícias do Evangelho, e São João começou pelos de Jerusalém (3).
Naquela época, Jerusalém era quase uma cidade romana. Sob Herodes Ascalonito, ao dizer de Plinio, tornara-se ela a mais magnifica cidade do Oriente; mas perdera muito da sua religiosa originalidade. O príncipe cortesão edificara bem perto um circo e um teatro onde se celebravam as festas quinquenais em honra de Augusto. Concertara e transformara o templo, porém profanando-o; e, em cima da porta principal da casa santa, via-se brilhar a águia de ouro de Roma e de Júpiter, como um duplo insulto à religião e à liberdade (4).
Enquanto os fariseus exageravam o culto até a superstição, e apegavam-se aos ritos, sem, no entanto, conseguirem preservar as crenças, haviam bajuladores, chamados herodianos, que não conheciam outro Messias senão o príncipe, outras leis senão os seus favores, outras festas senão os espetáculos para os quais ele os convidava; e os costumes iam se dissolvendo na orgia e no sangue. A crise da fé não era menos mortal. Os intelectuais de então, chamados saduceus pretendiam que se devia gozar a todo custo neste mundo, pois que nada se sabia do outro, e pouco caso faziam da imortalidade. Assim a cidade santa começava a ser uma cidade profana. Seu importante papel apagava-se, seu sacerdócio expirava; ela própria começava a abdicar sua missão, deixando cair a barreira que outrora a separava do paganismo (5).
Contudo, guardava ainda ao culto nacional fidelidade escrupulosamente zelosa. Mesmo os primeiros discípulos de Jesus Cristo não tinham rompido com a Sinagoga (6). Frequentavam o templo, como o fizera o Mestre, e foi nessa casa abençoada que João deu o primeiro testemunho de Jesus.
Havia poucos dias que fora celebrado o Pentecostes legal. Os estrangeiros ainda estavam em grande número em Jerusalém, quando, juntos, Pedro e João, subiram ao templo. Dirigiram-se primeiro, pelo pórtico exterior até à Porta Bella, como chamavam a porta de Sur ou Seir. O historiador Josepho dá-lhe o nome de Coríntia porque era feita de bronze de Corinto; e entre as dez portas que davam entrada ao templo, esta era considerada a mais notável pelos ricos ornamentos que a decoravam (7).
Ora, diz o Evangelho, era a nona hora, correspondente à nossa terceira hora da tarde, e os apóstolos dirigiam-se ao templo para orar (8). Sob este rico pórtico achava-se um pobre mendigo, coxo de nascença, que traziam ali todos os dias, e que fazia um lúgubre contraste com o brilho do magnifico edifício. Mas ouçamos os Atos:
“Este homem, vendo Pedro e João entrarem no templo, pediu-lhes uma esmola.
Pedro e João voltando-se disseram-lhe: Olhai para nós.
Ele os olhava com atenção esperando receber alguma coisa.
Então Pedro disse-lhe: Não tenho ouro nem prata, mas aquilo que tenho, isso te dou. Em nome de Jesus de Nazaré, levanta te e anda.
E, tomando-o pela mão direita, levantou-o, e imediatamente se consolidaram as pernas e os pés. E dando um salto, pôs-se de pé, e andava e entrou com eles no templo, andando, e saltando e louvando a Deus.”
Is cúm vidisset Petrum et Joannem incipientes introire in templum rogabat ut eleemosynam acciperet.
Intuens autem in eum Petrus com Joanne dixit: Respice in nos.
At ille intendebat in eos, sperans se aliquid accepturum ab eis.
Petrus autem dixit: Argentum et aurum non est mihi: quod autem habeo, hoc tibi do. In nomine Jesu Christi Nazareni surge et ambula.
Et appreherisâ manu ejus dexterâ allevavit eum, et protinus consolidatae sunt bases ejus et plantae.
Et exiliens stetit, et ambulabat. Et intravit cum illis in templum, ambulans et exiliens, et laudans Deum (At 3)
Este dom de milagres era um dos poderes do novo apostolado. O Mestre antes de deixar seus apóstolos, e nas últimas horas passadas entre eles, conferira-lhes essa virtude, como devendo ser a confirmação divina da Sua palavra e a sanção de Sua autoridade: Ide, dissera ele, pregai a toda criatura. E logo: E estes sinais verão os que crerem,… (9), e determinara o caráter particular que era a caridade.
São João faz notar, assim como o mostra o seu Evangelho, que cada lição de Jesus era precedida de uma graça. Era o método misericordioso que iam adotar os apóstolos e a Igreja de Jesus Cristo, para converter o mundo. Esta conversão foi antes devida à bondade maravilhosa do que o fruto de uma eloquência brilhante. Fora ainda menos produto da opulência. Os apóstolos nada tinham: eles mesmos o declararam: Eu não tenho ouro nem prata, diz o príncipe da Igreja. Mas é sempre no momento de maior pobreza que a Igreja e seu chefe operam as maiores maravilhas. Para dar não é necessário ter; para dar é preciso amar, e para amar, é preciso crer.
Pedro acreditava, João amava: Olha para nós, dizem eles ao coxo da porta: Respice in nos, volta-te para aqueles que enviou um Deus feito pobre para te curar, e, em nome de Jesus Nazareno, levanta-te agora e anda!
É ainda nesse mesmo nome que tudo se levanta e anda no céu e na terra. E não está longe o dia em que todo o universo, também entrevado, mendigo também, com a mesma palavra e no mesmo nome se levantará, andará, e irá ao templo prestar ao Deus que não conhecia, fé, homenagem e ação de graças.
A lei judaica proibia aos coxos e aos cegos a entrada no templo (10). Uma vez curado, o enfermo, o que teve mais pressa de fazer, foi ali entrar seguindo os apóstolos. Além disso, não havia para eles cortejo mais belo; e querendo-se ter uma imagem perfeita da missão apostólica, pode-se pensar em Pedro e João, a doutrina e a caridade, orando juntos, apoiando-se um no outro, e com um pobre ao lado.
“Todo o povo, vendo este homem andar e louvar a Deus, ficou tomado de admiração pelo que acabava de acontecer.
E como ele não mais deixava a Pedro e João, o povo estupefato, rodeava-os, no pórtico de Salomão”
Et vidit omnis populus eum ambulantem, et laudantem Deum.
… Et impleti sunt stupore et extasi in eo quod contigerat illi.
Cum teneret autem Petrum et Joannem, cucurrit omnis populus ad eos ad porticum quae appellatur Salomonis, stupentes (At 3, 9)
Era um dos novos e magníficos pórticos construídos por Herodes, o Grande, no mais rico estilo grego, com colunas de mármore, videiras de ouro trepando pelas cornijas, véus de púrpura e pinturas, cuja descrição fiel se encontra no historiador Josepho. Chamavam-no o pórtico de Salomão, porque se erguia sobre o grande terraço construído por aquele príncipe, a quatrocentos côvados acima do vale (cerca de 160 metros). Unia-o uma ponte à grande praça que se estendia desde o barranco de Tyropaeon até o declive da montanha de Sion, cujos limites e ruínas os antiquários reconhecem perfeitamente (11).
Era ali que se reuniam, sob o velarium pintado de diversas cores, os Judeus prosélitos e os Judeus da Porta, que não podiam penetrar no interior do templo. Foi também ali que Pedro, tomando a palavra, pronunciou o discurso que os Atos lhe atribuem, assim como a São João: Loquentíbus illis.
Este discurso tão simples quão corajoso, era a afirmação da divindade e da ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, com toda a eloquência dos fatos:
“Deus vos enviou seu próprio filho Jesus, e o condenastes. Era o Justo e o Santo e o renegastes. Era o autor da vida (12), e o matastes; mas Deus o ressuscitou, somos disso testemunhas, e disso damos prova, fazendo milagres em seu nome. Portanto, convertei-vos, Deus vos perdoará, porque sois ainda seu povo escolhido, pois foi por ignorância que o entregastes” (At 3, 12ss)
Tal é o resumo das palavras de Pedro e João. Foram ouvidos; cinco mil homens presentes creram em seu testemunho e foram batizados. Esta fé, este batismo da multidão, esta conversão em bloco, provocada pela atenção de um fato público, ocorrido nesse mesmo lugar, apenas quarenta dias antes daquela prédica, é uma das provas mais fortes da verdade da Ressurreição.
Mas havia gente a quem não convinham tais conversões. Eram primeiro os sacerdotes, que saíram do templo, curiosos eles também, de ouvir aqueles profetas singulares. Com eles veio também «o magistrado do templo», como chamavam o oficial superior que comandava dia e noite os corpos prepostos à guarda de Sion, e por quem todo ajuntamento era reputado sedicioso. Parece que ocupava um lugar bastante elevado, pois Josepho o nomeia logo abaixo do grão sacerdote (13). Mas os que desejavam com mais fúria a repressão eram os saduceus. Como se sabe, professavam uma espécie de epicurismo misturado com o judaísmo, e ninguém ignora que entre os partidários da vida livre foi que o cristianismo encontrou, em todos os tempos, os mais violentos adversários. O crédito deles prevaleceu. Os apóstolos foram presos sem outra forma de processo. Mas como chegara a noite, deixou-se para reunir o conselho no dia seguinte, e Pedro e João passaram essa noite na prisão: Possuerunt eos in custodiam (14).
Onde era essa prisão? A natureza do delito, a autoridade de Caifás, que era da seita dos Saduceus, parece supor que a casa onde foram guardados os dois apóstolos, segundo a expressão do texto, outra não fosse senão a própria casa do grão-sacerdote; não seria aquela mesma onde tinham posto o Senhor na noite de sua paixão? Não queremos insistir em uma simples conjectura (15). Mas a alma cristã sente certa doçura em ver Pedro e João encontrando-se no lugar onde Jesus sofrera recentemente, ali achando seus traços, sua coragem, seu ardor; honrando-se com seus ferros, animando-se com o sucesso desse primeiro dia; Pedro beijando as travas que lhe tinham sido profetizadas, João saboreando o cálice que lhe fora prometido; e ambos passando a noite naquela ação de graças que, durante três séculos, tantas latomias, tantos cárceres e catacumbas iriam ouvir!
II
No dia seguinte foi a vez de outro testemunho. Com efeito, cada nação tem algures uma magistratura, que reúne a glória e a luz do país, e é ali que comparece toda doutrina que revendia o império dos espíritos. A doutrina dos apóstolos não podia escapar a esta lei comum, e ambos foram levados ao Sanhedrim.
O Sanhedrim, conselho supremo da nação, compunha-se de setenta membros, presididos pelo grão-sacerdote. Este tribunal realizava as sessões todos os dias, e eram de sua competência as mais graves causas civis e religiosas, como a profecia falsa, a idolatria e a blasfêmia. Josepho conta que os próprios reis curvavam a cabeça às suas sentenças. Trata-se aqui apenas de dois pobres pescadores. Ostentava-se, porém, todo o aparato judicial para tal solenidade. Annas, o antigo príncipe dos sacerdotes presidia, Caifás, João, Alexandre estavam a seu lado (16).
Em redor deles grupavam-se os anciãos, os escribas e os principais do povo (17).
Os apóstolos compareceram. Foram interrogados. Em que nome fazeis estas coisas? perguntaram a ambos. E Pedro respondeu. Não era mais o Pedro fraco que Caifás vira outrora renegar seu Mestre à voz de uma criada. Ele rogava aos príncipes do povo e aos anciãos que escutassem sua palavra. Não falava com veemência aos chefes da nação. Respeitava-lhes a autoridade, porém sem diminuir em nada os direitos da verdade. Aqueles que mataram seu Mestre, anunciava a divindade do Senhor Jesus Cristo de Nazaré: eles O tinham crucificado, porém Deus o ressuscitara; eles O tinham repudiado, no entanto era a pedra angular onde todo o edifício se devia reunir. Blasfemavam o seu nome, não havia, porém, debaixo dos céus outro nome em que houvesse a salvação (At 9, 8-12).
Os juízes ficaram confusos. Olhavam esses homens sem cultura, sem letras, sabendo apenas a língua do país, sine litteris et idiotae, e não compreendiam esta nova eloquência. Era a eloquência cristã, eloquência inspirada, eloquência apostólica, simples porém certa, que começava naquele dia a exercer o império cujo centro devia ser sustentado menos pelas mãos do gênio do povo do que pelas da santidade. Os magistrados perguntavam entre si quem eram esses oradores. Lembravam-se de tê-los visto no atrium, tímidos ou apóstatas, quando julgavam seu Mestre (18), e não sabiam donde lhes tinha vindo subitamente tal coragem (19).
O mendigo também lá estava em pé junto deles. Os juízes sentiam aquela aflição indescritível que se sente quando se está às voltas com uma força invisível e misteriosa(20). Sem poder para contestar e sem esperanças de vencer, quiseram transigir, e tendo deliberado, voltaram ao conselho para proibir aos discípulos que pronunciassem esse Nome.
Ficaram eles indignados, e a uma só voz, responderam:
“Se é justo, diante de Deus ouvir-vos antes a vós do que a Deus julgai-o vós mesmos. Porque não podemos deixar de falar de coisas que temos visto e ouvido” – Petrus verò et Joannes respondentes dixerunt ad eos: Si justum est in conspectu Dei, vos potiusaudire quàm Deum, judicate.
Non enim possumus quse vidimus et annuntiamus non loqui (At 9, 19)
Foi preciso ceder. O testemunho era formal e o milagre manifesto. O povo instintivamente se pronunciava em favor daqueles que acabavam de curar um homem do povo. O conselho teve medo de recomeçar contra os discípulos a série de intrigas ou violências que tinham tido tão mal resultado contra Jesus. Contentaram-se com as ameaças, e foram absolvidos, mais firmes e intrépidos do que nunca.
Os Atos contam o acolhimento que tiveram na assembleia dos irmãos: foi uma ovação. Quando acabaram de contar o que se tinha passado, o cenáculo em peso levantou-se para agradecer a Deus por tão belos princípios:
“Senhor, sois realmente vós quem fizestes o céu e a terra, o mar e tudo o que há neles! Porque se agitaram as nações e meditaram os povos planos vãos? Levantaram-se os reis da terra, e os príncipes se coligaram contra o Senhor e contra o seu Cristo. Agora, pois, Senhor, olha para suas ameaças, e concedei a vossos servos que com toda a confiança falem a vossa palavra. Estendei vossa mão poderosa para sarar as enfermidades e operar maravilhas e prodígios, pelo nome de vosso santo Filho” – Qui cum audissent, unanimiter vocem ad Deum et dixerunt: Domine, tu es qui fecisti coelum et terram, mare, etc. (At 4, 24)
Logo foram atendidos. O cenáculo tremeu, o Espírito Santo o encheu; novas energias penetraram as almas: de agora em diante, nada mais poderá conter-lhes a palavra.
Ela deu frutos imediatos, convertendo os seus juízes. Segundo tradição a mais autorizada, dois doutores da lei, Nicodemos e o famoso Gamaliel, seu mestre, declararam-se cristãos. São João Crisóstomo acrescenta que receberam o batismo das mãos de Pedro e João (21). Começava a aurora da verdade a iluminar os cumes.
Referências:
(1) Petrus Joannen admodùm amabat, perque totum Evangelium haec necessitudo ostenditur, nec non et in Actibus apostolorum (São João Crisóstomo, In joan. Homil. LXXXVIII)
(2) Duas vitas novit Ecclesia, quarum est una in labore, altera in requie; una in viâ, altera in patriâ; una in opere actionis, altera in mercede contemplationis; una bona sed adhuc misera, altera melior et beata… Ista significata est per apostolum Petrum, ilia per Joannem (Santo Agostinho, in Joan. Tract. CXXlV, cap. XXI; col. 1974)
(3) (Et dixit eos praedicare) remissionem peccatorum in omnes gentes, incipientes ab Jerosolymâ (Lc 24, 47)
(4) V. Joseph Antiq. Jud. XV, VIIII, I.
M. de Sauley, Hist. d’Hêrode le Grand, p. 179, 204, 227 e passim.
M. de Saulcy achou o local e os restos do teatro de Herodes, à direita da antiga via de Jerusalém a Samaria.
(5) M. de Champigny, Rome et la Judée.
(6) São João Crisóstomo, in Actus apost. Homil. IV.
(7) Joseph. de Bèllo Jud. lib. VI, cap. VI; edit. graec. Lib. VII, c. XII, p. 916.
(8) Petrus autem et Joannes ascendebant in templum ad noram orationis nonam (At 3, I)
(9) Et dixit eis: Euntes in mundum universum, predicate Evangelium omni creaturae (Mc 16, 15)
Signa autem eos qui crediderint haec sequenter… (Mc 16, 17)
(10) Caecus et ciaudus non intrabunt in templum (II Reg. V, 8)
(11) Joseph. Antiq. Jud. lib. XX, cap. VIII, p. 699, et lib. XV. cap. XIV, p. 544.
M. de Sauley determinou perfeitamente a geografia do templo e dependências, no seu recente trabalho sobre o cerco de Jerusalém.
Em sua História de Herodes, descreve da maneira seguinte o pórtico de que nos ocupamos: p. 234.
«Este tríplice pórtico, ou pórtico real, era certamente a obra mais esplendida que jamais existira à luz do sol. Com efeito, sendo já o vale bastante profundo para permitir dificilmente sondar a sua profundidade, Herodes construiu um pórtico tão alto que provoca vertigens. O pórtico era ornado de quatro ordens de colunas dispostas em todo o cumprimento e fronteiras uma da outra. A circunferência dessas colunas era tal, que necessitavam três homens para abraçá-la. Eram em número de cento e sessenta e duas. Os capiteis de estilo coríntio eram os mais belos possíveis. Os tetos ornados de esculturas sobre madeira em alto relevo e desenhos variados. A obra toda era tão maravilhosamente brilhante que aquele que não a tivesse visto, não podia crer em tanto esplendor, e quem a visse, sentia-se presa da admiração»
(12) O texto grego diz: O mestre da vida, ducem vitae.
(13) Joseph. De Bello Jud. VI, v. 3.
(14) Et, injecerunt in eos manus, et possuerunt eos in custodiam in crastinum: erat enim jam vespera (At 4, 3)
(15) Fecharam Jesus, diz São Boaventura numa prisão em subsolo, que ainda se pode ver ou pelo menos as ruínas. (Méd. sur l avie de J. C, c. LXXV.
“A casa de Caifás é hoje a igreja armênia. No santuário do lado da epístola, abaixando-nos, entramos num pequeno oratório que dizem ter sido a prisão para onde levaram o Salvador da noite mesmo em quem foi preso” (Le comte. J. d’Estourmel, Journal d’um Voyage em Orient).
(16) Joseph. Antiq. Jud. lib. XX, cap. 111, p. 690.
Todos esses nomes acham-se na história daquele tempo. Caifás era ainda o grão-sacerdote do armo, João, filho de Ananus foi mais tarde governador de Acrabacena e Gophuitica ; Alexandre Tibério devia set governador da Judeia depois de Fadus.
(17) Factum est autem in crastinum ut congregarentur principes eorum, et seniores, et serlbae in Jerusalem (At 4, 5)
(18) Cognoscebant eos quia cum Jesu fuerant, in passione, inquit. Hi enim soli tunc unà erant, quandò viderunt íllos humildes, dejectos; quod illos maximè in admirationem rapiebat, repentina nempè mutatio. Nam illic erant Annas et Caiphas, et obstupefaciebat eos illa tanta libertas (São João Crisóstomo, in Act, Homil. X)
(19) Videntes autem Petri constantiam et Joannis, comperto quod homines essent sine litteris et idiotæ, admirabantur, et cognoscebant eos quoniam cum Jesu fuerant (At 4, 13)
(20) Hominem quoque videntes stantem cum eis qui curatus fuerat, nihil poterant contradicere (At 4, 14)
(21) São João Crisóstomo, in Act. Homil. XIX, p. 182.
«Nicodemus nepos meus (inquit Gamaliel), cum à Domino audisset, baptizatus est à sanctis Petro et Joanne» (Revelatio Luciano facta, ad calcem opp. S. August. t. VII, p. 810).
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(BAUNARD, Monsenhor L’abbé Loui. O Apóstolo São João. Rio de Janeiro, 1974, p. 160-175)