Não leu o primeiro capítulo? Leia agora mesmo: “Elementos Gerais sobre a Eucaristia”
É bem verdade que Jesus Cristo está presente na hóstia?
Perfeitamente. Assim nos ensina a nossa fé católica e disto não podemos duvidar jamais. Nosso Senhor está real, verdadeira, e substancialmente presente na hóstia consagrada.
Se alguém ousa negar este dogma de fé, incorre em excomunhão, além de cometer grave pecado de incredulidade.
Não basta acreditar que Cristo aí está presente por Sua influência santificadora, ou que a hóstia é um sinal, uma imagem de Sua presença mística na Igreja?
Não basta. Tal modo de pensar seria herético. A hóstia não é somente sinal ou imagem de Cristo; é o próprio Jesus Cristo substancialmente presente. Nem tão pouco se pode confundir a presença física de Jesus no Santíssimo Sacramento com a sua presença mística na Igreja.
Que diferença existe entre a presença de Cristo na Igreja e a Sua presença na Eucaristia?
Cristo está presente na Igreja misticamente e, na Eucaristia, está fisicamente.
Estar misticamente presente significa: ser o princípio de vida sobrenatural que anima toda a Igreja. Jesus é a Cabeça donde procede toda a vida divina para a Igreja, que é Seu corpo místico. Assim devemos dizer que Jesus Cristo está presente em sua Igreja.
Esta presença não importa, por si só, na estadia física da Humanidade de Cristo dentro de nossos templos. É tão somente uma influência divina de Nosso Senhor sobre as almas. É ainda uma assistência divina à Igreja para preservá-la do erro.
Neste sentido disse Jesus aos Apóstolos, quando subia ao Céu:
“Eis que estarei convosco até o fim dos séculos”
Não promete Ele, neste passo, mais que Sua presença mística, e não uma estadia física de Sua Humanidade.
Na Eucaristia, porém, Cristo não está somente de modo místico. Está fisicamente, isto é, corporalmente e com sua humanidade real. Além de comunicar a vida divina à Igreja e a cada alma neste Sacramento, Ele ainda está aí corporalmente presente, com a mesma realidade com que esteve visível entre os homens e com que é visível no Céu.
Não se diz que todos os Sacramentos prolongam a Humanidade de Cristo? Logo, Ele está presente em todos os Sacramentos, e não só na Eucaristia!
Aqui se impõe a mesma distinção que já fizemos acima. Cristo está nos demais Sacramentos misticamente; na Eucaristia, está corporalmente.
Os Sacramentos prolongam a Humanidade do Senhor enquanto comunicam as mesmas virtualidades santificadoras de sua presença. Isto é, prolongam misticamente os efeitos de santificação que esta Santíssima Humanidade produziu estando presente outrora entre os homens.
A Eucaristia, porém, não estende tão só os efeitos santificantes da presença do Senhor outrora entre nós. Ela encerra o próprio Senhor, tal qual estava no meio dos homens.
Deste fato é que conclui o Doutor Angélico ser a Eucaristia mais excelente que todos os outros Sacramentos; “enquanto nos outros Sacramentos se contém certa virtude instrumental participada de Cristo“, diz ele, — na Eucaristia “se contém o próprio Cristo substancialmente” (1).
Como se prova a presença corporal de Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento?
Prova-se pela palavra formal de Nosso Senhor, que disse ao instituir este Sacramento:
“Tomai e comei. Isto é o meu Corpo”
Não é preciso nada mais claro para quem crê na palavra de Jesus. Se Ele manda tomar este alimento, numa circunstância solene, e afirma sem circunlóquios: — “Isto é o meu Corpo” — é porque, de fato, Ele está corporalmente presente neste alimento.
Acrescentemos ainda que este foi o sentido em que sempre se interpretou a palavra de Jesus na última ceia. Até o século VIII não houve discrepância sobre o genuíno sentido de tal palavra.
A primeira heresia que feriu a presença tido em que sempre se interpretou a palavra foi pelos iconoclastas. Nova negação da Presença Real só reapareceu no século XI, quando Berengário impugnou a transubstanciação.
Assim devemos concluir que o sentido autêntico da afirmação na última ceia, no pensamento dos mais antigos cristãos, era a presença corporal de Jesus Cristo na Sagrada Hóstia.
Os Apóstolos teriam entendido a palavra de Jesus Cristo: — «Isto é o meu Corpo» — como significando a Presença Real do Senhor no Sacramento?
Perfeitamente, assim a entenderam os Apóstolos. Tanto é que Nosso Senhor, tendo-lhes preceituado a seguir: — “Fazei isto em memória de mim” — não cessaram de reproduzir o divino mistério da Consagração Eucarística. Os “Atos dos Apóstolos”, por exemplo, nos relatam que os discípulos “perseveravam na doutrina dos Apóstolos e na comunhão da fração do pão” (At. 2, 42).
Como explicar que os Apóstolos não se espantaram ouvindo Jesus dizer sobre o pão: — «Isto é meu corpo»?
A palavra de Jesus não causou aos Apóstolos a menor estranheza, como se pode ver pelo Evangelho. Eles nada objetam. É que aí se concretizava uma promessa que Jesus fizera, de dar a Sua carne como alimento e o Seu sangue como bebida.
Quando Jesus falara um dia, à beira do lago, num célebre discurso, que daria Sua carne como alimento, tal dizer lhes causara então estranheza, como aos demais judeus. Nosso Senhor, porém, afirmou e reafirmou a mesma promessa, e provou que tinha poder de realizar milagres afim de dar Sua própria carne como alimento. Enfim, os Apóstolos creram e aguardavam a realização da divina promessa. É o que está relatado no Evangelho de São João, Cap. VI, 22 e seguintes.
Nenhuma estranheza lhes causou, por isto, a afirmação da última ceia:
“Tomai e comei, isto é o meu Corpo”
Cheios de fé no poder soberano do Senhor e esperançosos sempre de que Ele cumpriria com a promessa de dar Seu Corpo em alimento, aquela palavra foi recebida por eles com plena compreensão de sentido e sem nenhuma tergiversação de espírito.
Existe, pois, relação entre o discurso de Jesus à beira do lago e a palavra da última ceia?
Existe. Relação essencial, fundamental. As palavras da última ceia, embora muito claras, supõem algum discurso preliminar, não para explicá-las, mas para justificá-las. Pois não se justificaria que Jesus, abruptamente, sem preâmbulos, tomasse um pão e afirmasse a identificação deste alimento com o Seu próprio Corpo, sem antes ter proposto o que iria fazer. Perante os incrédulos de todos os tempos Jesus até se arriscaria ao ridículo.
O sermão de Cafarnaum explicou tudo com muita antecedência. Provocou as objeções. Refutou-as. De a até os pormenores da possibilidade da Presença Real. «(Conferir Jo VI, 63).
Podeis resumir os tópicos principais deste discurso?
Convém que se leia todo o capítulo VI do Evangelho de São João, para se ter uma ideia completa deste discurso e de suas relações com a última ceia Ei-lo:
1. Depois disto, passou Jesus para a outra banda do lago da Galileia. chamado lago de Tiberíades. 2. Seguiu-o grande multidão de povo, porque riam os milagres que fazia aos doentes. 3. Subiu então Jesus ao monte, onde se sentou em companhia dos seus discípulos. 4 Estava próxima a festa pascal dos judeus.
5. Erguendo os olhos e vendo que numerosa multidão o vinha procurar, disse Jesus a Filipe: “Onde compraremos pão, para que esta gente tenha que comer?”.
6. Mas isto dizia apenas no intuito de pô-lo à prova: porque bem sabia o que havia de fazer.
7. Respondeu-lhe Filipe: “Duzentos dinheiros de pão não chegariam para que cada um deles recebesse um bocadinho”.
8. Ao quê, observou um dos discípulos, André irmão de Simão Pedro: 9 “Está aqui um menino com cinco pães de cevada e dois peixes; mas que é isto para tanta gente?”
10. Disse Jesus: “Mandai a gente sentar”. Havia muita relva no lugar. Sentaram-se, pois, os varões em número de uns cinco mil. 11. Tomou Jesus os pães, deu graças e mandou-os distribuir aos que estavam sentados; da mesma forma, os peixes, quanto queriam.
12. Depois de todos fartos, disse a seus discípulos: recolhei os sobejos para que nada se perca.
13. Recolheram, pois, e chegaram a encher doze cestos com os pedaços dos cinco pães de cevada que sobejaram, aos que tinham comido.
14. Vendo o povo o milagre que Jesus acabava de fazer, exclamaram: “Este é realmente o profeta que devia vir pelo mundo…”
15. Reparando Jesus que queriam vir e levá-lo d força para proclamá-lo Rei, tornou a retirar-se para o monte, sozinho.Jesus a caminhar sobre as águas
16. Ao anoitecer desceram os discípulos ao lago, 17, embarcaram e dirigiram-se para a outra banda, rumo a Cafarnaum. Já era escuro, e ainda Jesus não viera ter com eles. 18. Iam as vagas muito empoladas com forte ventania. 19. Tendo remado uns vinte e cinco a trinta estádios, avistaram a Jesus a andar sobre as águas e aproximar-se da embarcação. Encheram-se de terror. 20. Jesus, porém, lhes disse: “Sou eu; não temais!”
21. De boa vontade receberam-no então no barco — e logo o barco tocou na praia que demandavam.Jesus promete a Eucaristia
22. No dia seguinte, o povo que ficam na outra margem do lago advertiu que não estivera aí senão um único barco e que Jesus não embarcara com seus discípulos, mas que os discípulos tinham partido sozinhos. 23. Entrementes, chegaram outras embarcações, de Tiberíades, para perto do lugar onde o Senhor, depois de render graças, dera de comer o pão. 24. Ora, vendo a gente que Jesus e seus discípulos já não estavam lá, embarcaram e foram até Cafarnaum, em busca de Jesus. 25. Deram com ele na outra banda do lago, e perguntaram-lhe: “Mestre, quando foi que chegaste aqui?”
26. Respondeu-lhes Jesus: “Em verdade, em verdade vos digo: Andais à minha procura, não porque vistes milagres, mas porque comestes dos pães e ficastes fartos. 27. Não vos afadigueis por um manjar perecedor, mas, sim, pelo manjar que dura para a vida eterna e que o Filho do Homem vos dará; pois, a Ele é que Deus Pai acreditou”.
28. Ao que lhe tornaram: “Que nos cumpre fazer para praticarmos as obras de Deus?”
29. Respondeu-lhes Jesus: “A obra de Deus está em que tenhais fé naquele que, Ele enviou”.
30. Replicaram-lhe eles: “Que sinal nos dás para que o vejamos e te demos fé? Qual a tua obra? 31. Nossos pais comeram o maná, no deserto, conforme está escrito: “Do céu que lhes deu pão a comer”.
32. Respondeu-lhes Jesus: “Em verdade, em verdade vos digo: Não foi Moisés que vos deu o pão do céu; meu Pai é que vos dará o verdadeiro pão do céu: 33, o pão divino que desce do céu e dá a vida, ao mundo”.
34. Disseram-lhe eles: “Senhor, dá-nos sempre esse pão”.
35. Tornou-lhes Jesus: “Eu sou o pão da vida; quem vem a mim jamais terá fome; e quem crê em mim jamais terá sede. 36. Bem vos dizia eu que não credes, ainda que me tenhais visto. 37. Tudo quanto o Pai me dá vem a mim; e eu não repelirei a quem vier ter comigo; 38 porque desci do céu, não para cumprir a minha vontade, mas, sim, a vontade daquele que me enviou. 39. É esta a vontade de quem me enviou: que não deixe perecer nada de quanto me confiou; mas que o ressuscite no último dia. 40. Sim, a vontade de meu Pai é esta: que todo o homem que vir o Filho e crer nele, tenha a vida eterna — e eu o ressuscitarei no último dia”.
41. Murmuraram, pois, dele os judeus por ter dito “eu sou o pão (vivo) que desceu (desci) do céu”.
42. Diziam: “Porventura, não é este aquele Jesus filho de José? E não lhe conhecemos nós o pai e a mãe? Como diz, pois: eu desci do céu?”
43. Tornou-lhes Jesus: “Não murmureis entre vós.
44. Ninguém pode vir a mim, se não o atrair o Pai que me enviou; e eu o ressuscitarei no último dia.
45. Está escrito nos profetas: Serão todos ensinados por Deus. Quem ouve o Pai e lhe aceita a doutrina vem a mim. 46 Não que alguém tenha visto o Pai; somente quem é de Deus viu o Pai. 47 Em verdade, em verdade vos digo: quem crê (em mim) tem a vida eterna.
48. Eu sou o pão da vida. 49 Vossos pais comeram o maná, no deserto, porem morreram. 50 Mas este é o pão que desce do céu, para que quem dele comer não morra. 51 Eu sou o pão vivo que desceu (desci) do céu. Quem comer desse pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo”.
52. Disputaram então entre si os judeus, dizendo: “Como pode esse dar-nos a comer a sua carne?”
53. Replicou-lhes Jesus: “Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tendes (tereis) a vida em vós. 54 Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia; 55 porque a minha carne é verdadeiro (verdadeiramente) manjar, e o meu sangue verdadeira (verdadeiramente) bebida. 56 Quem come a minha carne e bebe o meu sangue fica em mim, e eu nele. 57 Do mesmo modo que o Pai me enviou, e como eu vivo pelo Pai. assim também viverá por mim quem me receber em alimento. 58 Este é o pão que desceu do réu; não é como o (maná) que vossos pais comeram, porém morreram. Quem come este pão viverá eternamente”.
59. Assim falou Jesus, ensinando na sinagoga de Cafamaum.
60. Muitos dos seus discípulos que o tinham escutado disseram: “É dura esta linguagem; quem a pode ouvir?
61. Sabia Jesus que disto murmuravam seus discípulos, pelo que lhes disse: “Isto vos escandaliza? 62 E tal, se virdes subir o Filho do Homem para onde estava antes? 63 O espírito é que vivifica; a carne nada vale. As palavras que acabo de dizer-vos são espírito e vida. 64 Mas há entre vós alguns que não creem”.
É que Jesus sabia desde o princípio quem eram os descrentes e quem o havia de entregar.
65. E prosseguiu: “Por isso é que vos disse que ninguém pode vir a mim, se não lhe for dado por meu Pai.
66. A partir dai, muitos dos seus discípulos se retiraram e já não andavam com Pie. 67 Perguntou Jesus aos doze: “Quereis também vós retirar-vos?”
68. “Senhor — respondeu-lhe Simão Pedro — a quem havíamos de ir? Tu tens palavras de vida eterna; 69 e nós cremos e sabemos que és o Santo de Deus (Cristo, o Filho de Deus). (2)
Lendo com atenção este capítulo, poderemos relevar nele os seguintes pormenores:
a) O começo até o versículo 22 demonstra, com dois milagres, as possibilidades da Presença Real do Corpo de Jesus na Eucaristia. São estes milagres: a multiplicação dos pães (v. 1-14) e Jesus caminhando sobre as águas do lago (v. 16-22).
Quem sacia as multidões com cinco pães e dois peixinhos pode também colocar-se sob as espécies de pão para servir de alimento sobrenatural. Caminhando sobre as águas, prova Jesus que pode libertar Seu Corpo das leis ordinárias da natureza, como o fará na Eucaristia.
b) Do versículo 22 ao versículo 35, Jesus dispõe as turbas à fé nas promessas do pão eucarístico.
c) Do versículo 35 ao 47, fala vagamente da Eucaristia. Diz-se o “pão que desceu do céu”. Estas palavras, embora já se refiram à Eucaristia, como se depreende do contexto, não explicam ainda, entretanto, sob que forma Jesus é o pão que desceu do céu. Poderiam os discípulos interpretá-las como se Jesus fora, tão só figurativamente, pão das almas pela fé. De fato, adaptando-se à índole e educação dos judeus. Nosso Senhor os preparava, por uma adesão plena da fé, à revelação do mistério eucarístico.
d) Os versículos 48-59 expõem a doutrina da Eucaristia nos termos mais positivos. Tão claro é o modo de falar, que os discípulos se escandalizam, porque não podem compreender como Jesus dará Sua Carne por alimento e Seu Sangue como bebida.
e) Para refutar as objeções e dissipar as dúvidas, o Senhor aduz o argumento de sua futura ressurreição e subida ao céu. — (v. 61-62). Explica-lhes que lhes vai dar como alimento não um corpo morto mas uma carne com propriedade de carne glorificada, a modo de espírito. Este texto encerra, portanto, profunda explicação sobre o modo pelo qual está Jesus na hóstia: o modo dos espíritos, que não se circunscrevem a lugares.
Enfim, a confissão final de Pedro em nome dos Apóstolos: — “Aonde iremos, Senhor? Só vós tendes as palavras da vida eterna. Nós cremos e sabemos que sois o Filho de Deus vivo!” — comprova que os Apóstolos entenderam o que Jesus lhes dizia, creram na promessa feita, e, de certo, a aguardaram com grande fé e amor.
Eis porque acolheram sem tergiversação a palavra da última ceia:
“Tomai e comei. Isto é o meu corpo”
Mas não devem ser entendidas só metaforicamente as palavras de Cristo tanto em Cafarnaum como na última ceia?
Não. Estas palavras devem ser entendidas em sentido real. Trata-se do corpo real, físico, de Cristo, que se dará em alimento.
É impossível aí sentido metafórico, porque as expressões “comer o meu corpo e beber o meu sangue”, como as empregou Jesus, não revestem jamais, nem na Escritura, nem no linguajar comum, sentido metafórico de alimento.
Em poucos passos da Escritura onde aparecem metaforicamente, as expressões “comer a carne de alguém” e “beber o sangue de alguém”, revestem sentido de hostilidade, não sentido de alimentação espiritual. (Conf. por ex. Jó 19, 22 — Sl 26, 2).
Demais, tão longe andaram de metáfora as palavras de Jesus, que os ouvintes as materializaram completamente, como se vê nos versículos 52 e 60. E se Jesus estivesse acaso criando um novo sentido metafórico para aquelas expressões, Ele logo Se explicaria. Muito ao contrário, entretanto, reafirmou ainda com mais vigor o que dissera, dando como condição para a vida eterna que lhe comam a carne e bebam o sangue (V. 53 e seguintes).
Mas, dizendo Jesus: «O espírito é que vivifica; a carne para nada vale. As palavras que vos acabo de dizer são espírito e vida» — não quer dizer que não se deve interpretar o contexto como falando de sua presença física na hóstia, e sim como presença espiritual?
Não. Jesus quer somente dizer que não se devem tomar em sentido material as palavras sobre a Eucaristia, como se Ele fora dar em forma de postas a Sua carne para ser comida. Deste modo o entendiam os judeus. Jesus lhes esclarece que não dará sua carne a comer feita em pedaços como eles entendem mas sim vivificada pelo espírito. Assim entenderam este texto Santo Agostinho (De Civitate Dei, cap. 24) e Santo Tomás (Catena Áurea, in Joan. Ev. cap. VI).
A carne, como carne, não serviria ao objetivo que o Senhor tinha em vista que é
alimentar o espírito. Só o espírito pode dar vida ao espírito. E as palavras que Jesus fala se referem à vida sobrenatural do espírito, não à vida material. Ele vai dar alimento à vida espiritual; portanto, não se trata de servir em postas a sua carne. Trata-se, já se vê, ainda que dando sua carne como verdadeiro alimento — trata-se de uma forma nova sob a qual a dará, em que ela revestirá as propriedades de espírito.
Este mistério se elucidou cabalmente quando Cristo se deu sob as aparências do pão. Então já se vê que, usando do poder divino, colocou aí sua Santa Humanidade com propriedades de espírito, ou seja, sem ocupar lugar, sem se circunscrever a dimensões, desvestida das aparências materiais.
Além do discurso das promessas eucarísticas e da afirmação de Cristo na ceia, há outras provas ecriturísticas de sua Presença Real?
Há ainda a prova explícita de São Paulo, na Primeira Epístola aos Coríntios, cap. XI, vers. 23-30, que diz:
23. Porquanto eu recebi do Senhor o que vos ensinei, a saber: que o Senhor Jesus, na noite em que foi entregue, tomou o pão, 24 e, havendo dado graças, o partiu e disse: “Tomai e comei; isto é o meu corpo, que será entregue por vós; fazei isto em memória de mim”. 25. Da mesma forma, depois da ceia, tomou o cálice dizendo: “Este cálice é o novo testamento em meu sangue; fazei isto em memória de mim todas as vezes que o beberdes”. 26 Porque todas as vezes que comerdes esse pão e beberdes o cálice, anunciareis a morte do Senhor, até que Ele venha. 27. Pelo que, quem comer (este) pão, ou beber o cálice do Senhor indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor, 28. Examine-se, pois, a si mesmo o homem, e assim coma deste pão e beba do cálice. 29. Porque quem come e bebe (indignamente), come e bebe a sua própria condenação, não fazendo discernimento do corpo (do Senhor). 30. Por isso é que há entre vós tantos fracos e enfermos, e muitos que dormem.
Este texto é muitíssimo claro. Fala historicamente da instituição da Eucaristia e de seu uso na Igreja primitiva. A respeito deste texto devemos observar:
a) Que o Apóstolo diz ter recebido por revelação do Senhor o fato da instituição da Eucaristia (v. 23).
b) O Apóstolo, na explicação doutrinária do fato, claramente focaliza o aspecto de renovação do sacrifício do Calvário: — “anunciareis a morte do Senhor” — e o aspecto de comunhão: — “todas as vezes que comer¬des”…, — próprios da Eucaristia.
c) Ele expressa positivamente que o corpo de Cristo está aí de modo real, pois diz: “quem comer este pão indignamente, será réu do corpo do Senhor” (v. 27).
Como alguém seria réu do corpo do Senhor, se o Senhor aí não estivesse realmente? Mais: diz que “come e bebe a própria condenação aquele que não discerne aí o corpo e o sangue de Cristo” (v. 29).
Além destas provas, que outras poderemos aduzir de que Cristo está presente na Eucaristia?
Prova escriturística nenhuma além destas se pode aduzir. Mas depois das provas supra — palavras do próprio Cristo, palavras do Apóstolo São Paulo — nem há necessidade de qualquer outra prova. Se estes documentos não provam a presença real, outros não lograrão prová-la, ainda acumulados aos milhares.
Entretanto, poder-se-á confirmar com novos argumentos, principalmente da Tradição, o que temos visto precedentemente.
a) A primeira confirmação está no fato de todos os evangelistas falarem da Presença Real sempre com os mesmos termos. São João nos transmite o discurso da promessa eucarística. Os demais (Mt 26; Mc 14; Lc 22) nos dão a narrativa da instituição.
E, pormenor curioso: a palavra essencial que designa a presença do corpo de Cristo — “Isto é o meu corpo” — é transmitida nos mesmos termos, pelos três evangelistas que narram a instituição e por São Paulo.
b) Já notamos precedentemente: nunca jamais, antes do século VIII, se pôs em dúvida a Presença Real de Cristo no Sacramento do Altar. E quando, no século XI, apareceu Berengário negando a transubstanciação, para logo celeuma verdadeira se ergueu entre os próprios leigos contra a nefanda heresia. Poucos dogmas na Igreja gozaram de ensino tão amplo, tão firme, tão unânime, quanto o da Presença Real.
c) Deve-se mesmo dizer que, no alvorecer do Cristianismo, nos séculos de perseguição principalmente, toda a religião cristã se sintetizava na prática da Eucaristia, o que é explícita e valiosa confissão da Presença Real. Dir-se-ia que, ao lado da Divindade de Cristo, o dogma da Presença Real era o mais essencial à fé cristã primitiva. Leiam-se, por exemplo, os escritos mais antigos, como o “Didachê”, a “Apologética” de São Justino, as “Cartas” de Santo Inácio Mártir. Através destes livros aparece claro que todas as práticas cristãs se agrupavam em torno da Liturgia Eucarística, ou seja, dos divinos Mistérios. Tudo uma perene confissão da Presença Real de Jesus Cristo na hóstia.
d) A perenidade da Liturgia Eucarística e a confissão da Presença Real de Cristo no Santíssimo Sacramento é um fato histórico. Acompanha a Igreja através de todas as vicissitudes.
Estes dados da Tradição constituem verdadeira prova, pelo menos, de que a palavra de Cristo deve, de fato, ser interpretada como afirmando a Presença Real de seu corpo na divina Eucaristia.
Não têm os Santos Padres em seus escritos expressões que por vezes nos levam a crer interpretassem a Eucaristia como uma figura, um símbolo apenas de Cristo?
Tem, sim, alguns Padres expressões tais. Mas são fáceis de ser aclaradas por outras bastante óbvias, de modo que não sobra margem para se dizer que estes Padres descressem da Presença Real.
Assim Tertuliano tem um texto que interpreta a palavra “Hoc est corpus meum” — como significando — “figura corporis mei” (Adv. Mc 4, 40). Mas, no mesmo contexto ele traz o seguinte: — “Acceptum panem et distributum discipulis corpus suum illum tecit”, o que quer dizer: “Ao pão que tomou e distribuiu aos discípulos (o Senhor) o fez seu corpo”. E em vários outros passos de seus escritos se encontra clara a profissão de fé na Presença Real.
Outros Padres, dos séculos 4º e 5º, falam tão obscuramente da Eucaristia, que causa estranheza em quem os lê, observa o teólogo Pesch: “Mas este fato se explica” — diz este mesmo teólogo — pela chamada “disciplina arcani”, que especialmente deviam observar com relação à Eucaristia” (3).
Toda vez, portanto, que acaso encontramos em Padres da Igreja expressões menos óbvias, devem elas ser esclarecidas à luz de outras partes de seus escritos.
Mesmo apesar de usarem aqui e acolá termos dúbios, todos dão, noutras partes, motivo para uma interpretação de acordo com o dogma, e não há um só dentre eles que negue claramente a Presença Real de Cristo na Eucaristia.
Não há também argumentos de ordem experimental e científica, comprovantes da Presença Real?
Comprovantes de ordem experimental e científica não há e não os pode haver, propriamente. O mistério da Presença Real exorbita de toda experimentação científica. Já dissemos que Jesus está presente na hóstia a modo dos espíritos. E nem seria possível outro modo de entender a presença física do Senhor nas estreitezas da hóstia. Ora, a substância espiritual escapa às experimentações científicas. Nem a mais aguda e penetrante lente de microscópio, nem o mais potente raio X poderão, por exemplo, lobrigar a alma que vivifica nosso corpo. Assim também não penetrarão a presença corporal de Cristo na hóstia.
Que estranhar aliás, neste fato, se refletimos que, na ordem natural das coisas, nunca conseguimos perceber com os sentidos as realidades imateriais, cuja presença, entretanto, não ousamos negar? Ninguém, por exemplo, ousa pôr em dúvida a presença da memória e da inteligência, em determinadas pessoas. No entanto, são realidades que escapam ao escalpelo, ao microscópio e ao raio X.
E os milagres e aparições de Cristo na hóstia não comprovam sua Presença Real?
Sem dúvida. Não são, entretanto, provas científicas e experimentais, pois a experimentação científica sempre se pode realizar naturalmente, e os milagres são fatos extraordinários e não naturais. Nem tão pouco valem as aparições de Jesus na hóstia como argumento de fé teológica; esta se fundamenta na Escritura e na Tradição Eclesiástica somente. Mas não deixam os milagres de ser comprovantes de grande valor, que, provada historicamente a sua autenticidade, movem sobremaneira a fé vacilante e enferma.
Houve numerosos milagres eucarísticos através dos séculos, que não vem a propósito citar aqui, pela exiguidade de espaço. Rememoremos apenas:
a) São Cipriano em seu livro De lapsis fala de vários milagres eucarísticos, que ele mesmo presenciou (4).
b) São Gregário Nazianzeno também conta no livro Adversus Donatistas (2, II) milagres que se deram com membros de sua própria família.
c) São Basílio narra o fato miraculoso que se passou com certo judeu: enquanto um sacerdote distribuía a Santa Comunhão, ele viu que todos os comungantes recebiam um menino; quis também participar e, com surpresa, o menino que recebeu se transformou em pão (Brillant, opus cit., p. 711-712).
d) São numerosas as aparições de Cristo na Eucaristia, muitas delas de fama histórica. Podem-se citar as famosas aparições de Braine (1153), de Dounai (1254), de Ulmes (1668), de Bordeaux (1822), de Dubono (1866).
e) Em Paray-le-Monial, onde Cristo apareceu revelando seu divino Coração, existe uma placa comemorativa dos grandes milagres eucarísticos, aparições uns, outros sem aparição visível de Cristo. São 128, assim divididos: 32 na França, 20 na Alemanha, 16 na Itália, 16 na Espanha, 9 na Bélgica, 9 na Holanda, 13 em países do Oriente, 5 na Grã-Bretanha, 4 na Áustria, 4 na África (5).
Todos estes milagres serviram de motivo para conversão de numerosas almas e robustecerem, de certo, muita fé vacilante.
Para os que cremos, porém, convictamente, mesmo sem ver milagres, acima de tudo vale a palavra de Cristo, que não pode mentir e não queria enganar a ninguém:
“Tomai e comei, isto é o meu corpo”
Que deve fazer quem sente vacilante a sua fé na Presença Real de Cristo na Eucaristia?
Deve reafirmar constantemente, pela oração, a sua fé nas palavras do Senhor.
Notemos que a fé não é ato da inteligência a compreender o mistério. É, sim, ato da vontade fazendo a inteligência se submeter à revelação divina.
Dirá, pois, a alma de fé vacilante:
“Sinto repugnância em crer, porque não entendo. Não obstante, quero crer, porque sei que Deus, soberana inteligência não erra, soberana verdade hão me engana, soberano poder tudo pode realizar… Submeto, pois, minha inteligência ao mistério que não posso penetrar… Eu quero sinceramente crer, apesar das oposições da minha ignorância e rebeldia. “Eu creio, Senhor! Ajuda, porém, a minha incredulidade!” (Marcos, 9, 23)
A esta oração repetida, ajuntará o homem de fé trepidante o estudo dos motivos de credibilidade na Eucaristia, os quais vêm propostos em nossos bons catecismos e apologéticas.
Referências:
(1) Suma Teológica III P. Q. 65, art. 3
(2) Tradução do Pe. Huberto Rohden — Editora Vozes
(3) Pesch “De Eucharistia”, n.º 619
A “Disciplina Arcani” era a prescrição existente, nos tempos de perseguição, de que não se comunicassem a profanos os divinos mistérios.
(4) “De Lapsis”, 25, 26 – cit. apud. Brillant – «Eucaristia» (1947 – Paris).
(5) Os dados históricos destes milagres se encontram em Corblet — «Histoire du Sacrement de l’Eucharistie» — (Paris, 1883).
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(Miranda, Padre Antônio. Doutrina Eucarística: Respostas às perguntas mais naturais que espírito humano formula diante do Mistério da Eucaristia. Editora O Lutador, 1955, p. 24-53)