Meditação para a Vigésima Segunda-feira depois de Pentecostes
SUMARIO
Meditaremos sobre três práticas da presença de Deus, que são:
1.° Comprazermo-nos nesta divina presença;
2.° Obrarmos sempre com o fim de agradar a Deus;
3.° Falarmos a Deus com frequentes orações jaculatórias.
— Tomaremos depois a resolução:
1.° De sermos fieis a estas três práticas;
2.° De desviarmos muitas vezes o nosso pensamento das criaturas para o elevar a Deus.
O nosso ramalhete espiritual será a palavra da Santíssima Virgem:
“O meu Espírito se alegrou por extremo em Deus meu salvador” – Exultavit spiritus meus in Deo salutari meo (Lc 1, 47)
Meditação para o Dia
Adoremos o Espírito Santo inspirando ao santo rei Davi a contínua atenção à presença de Deus (1), e fazendo-lhe achar neste exercício uma extrema alegria (2). Supliquemos-Lhe, que nos faça participar desta graça, e observar o conselho do Sábio:
“Nenhuma coisa vos embarace orar sempre” – Non impediaris orare semper (Ecl 18, 21)
PRIMEIRO PONTO
Comprazermo-nos na presença de Deus
Esta complacência na presença de Deus é a alegria de um Filho que vive na companhia de um pai querido. Pensa nele com gosto, contempla-o com amor, ainda que continuando o seu trabalho e as suas ocupações. É uma lembrança simples e amorosa, sem precipitação nem contenção, um olhar interior do coração para Deus, cheio de paz e doçura, acompanhado de um íntimo desejo de Lhe agradar.
“Levantei os meus olhos para vós, Senhor, que habitais nos céus. Assim como os olhos dos servos estão sempre atentos às mínimas insinuações de seus senhores, assim os nossos olhos estão fitos no Senhor nosso Deus” – Ad te levavi oculos meos, qui habitas in caelis. Ecce sicut oculi servorum in manibus dominoruum suorum,… ita oculi nostri ad Dominum Deum nostrum (Sl 122, 1-2)
É uma deleitação da alma nas inefáveis belezas e infinitas perfeições deste soberano Ser, presente conosco e em nós; é uma tranquila atenção às palavras interiores que Ele se digna dizer-nos; recebemo-las com gratidão, conservamo-las com amor, penetramo-nos delas. É uma completa renúncia de todo o nosso ser à vontade divina. Todo Vosso, todo para Vós, meu tesouro e meu tudo; só a Vós quero (3). É uma perpétua alegria em Deus, faça Ele o que fizer, tanto nos desconfortos como na prosperidade. Estamos só com Ele no pequeno céu da nossa alma, diz Santa Tereza; ali O gozamos à vontade, O contemplamos amorosamente, prostrados a seus pés, como Maria, irmã de Marta, e oferecendo-nos a Ele como uma vítima de amor sacrificada a tudo o que lhe apraz. Façamos esta doce experiência.
SEGUNDO PONTO
Obrarmos sempre com o fim de agradar a Deus
É um excelente modo de andar na presença de Deus fazermos tudo com o fim de Lhe agradar; é o que recomenda o Apóstolo com estas palavras:
“Ou vós comais ou bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para gloria de Deus” – Sive manducatis, sibe bibitis, sive aliud quid facitis, omnia in gloriam Dei facit (1Cor 10, 31)
Começamos este exercício de manhã, quando acordamos:
«Levanto-me, Senhor, para Vos agradar; a Vossa vontade é a minha, e não quero outra»
Vestimo-nos nestas disposições, continuamos todo o dia repetindo a cada ação:
«Tudo, Senhor, para Vos agradar. (4) Toda a minha alegria consiste no cumprimento da Vossa vontade. Contanto que Vos agrade, estou contente» (5)
À noite, antes de adormecermos, repetimos ainda:
«Meu Deus, nas Vossas mãos encomendo o meu Espírito. Dormirei e descansarei em paz no seio de Deus meu pai» – In manus tuas commendo spiritum meum (Sl 30, 6). In pace in idipsum dormiam et requiscam (Sl 9, 9)
Desta sorte, tanto de dia como de noite, passamos toda a vida em um contínuo cumprimento da vontade de Deus. Podemos dizer, como Jesus Cristo:
“Eu sempre faço o que é do seu agrado” – Quae placita sunt ei facio semper (Jo 8, 29)
Ou como a esposa dos Cantares:
“O meu amado é para mim, e eu para ele” – Dilectus meus mihi et ego illi (Ct 2, 16)
E se caímos em alguma falta, não nos perturbamos, mas unimo-nos mais intimamente a Deus, como o menino, que, conduzido pela mão de sua mãe, se agarra fortemente a ela depois de ter dado uma queda. Procedemos assim?
TERCEIRO PONTO
Falarmos a Deus com frequentes orações jaculatórias
As orações jaculatórias são como as asas espirituais, com que a alma se eleva a Deus, se une a Ele, vive nEle de uma vida deliciosa. Com elas, fala ao seu Deus como se O visse com os olhos do corpo, dizendo-Lhe, por exemplo:
Adoro-Vos, meu Deus; amo-Vos, bondade infinita; admiro-Vos, adorável conjunto de todas as perfeições.
Graças Vos dou pelos Vossos benefícios.
Perdoai-me as minhas numerosas faltas e negligencias.
Ajudai-me com a Vossa graça a amar-Vos melhor.
Quando estarei eu no Vosso paraíso, a fim de Vos amar mais? Ó quanto me tarda entrar nele! Nesta triste terra amo-Vos tão pouco! Sou atraído para baixo pela minha má condição, atraído para cima pelo desejo de Vos amar.
“Senhor! Eu padeço violência, compadecei-vos de mim” – Domine vim, patior, responde pro me (Is 38, 14)
“Oh! Quão prolongado é o meu desterro!” – Heu mihi! Quia incolatus meus prolongatus est! (Sl 119, 5)
Para se consolar de não amar a Deus quanto ela desejara, a alma oferece-Lhe, por espírito de amor, cada uma das suas obras e palavras, cada um dos seus pensamentos.
Tudo por Vosso amor, meu Deus! Nada que não seja por Vosso amor.
E a estas considerações, em que se detém mais ou menos, segundo as acha mais ou menos aprazíveis, vem ajuntar-se milhares de outras ou objetos de piedosos colóquios, que o Espírito de Deus lhe inspira.
«Tenho muito que fazer hoje, dizia uma alma santa; o meu Deus está em mim à minha espera; temos tantas coisas que dizer um ao outro! Eu me unirei a Ele, Lhe falarei, e o ouvirei (6); e se ele se calar, ou eu guardar silêncio diante dEle, Lhe pedirei que me ensine a falar-Lhe (7). Eu Lhe direi que O amo, que quero amá-lO cada vez mais: repetir-lh’o-ei incessantemente; e as minhas repetições, longe de Lhe desagradarem, Lhe serão agradáveis, tão bom, tão paternal é!»
Resoluções e ramalhete espiritual como acima
Referências:
(1) Oculi mei semper ad Dominum (Sl 24, 15)
(2) Ego vero delectabor in Dominum (Sl 24, 31)
(3) In maniubus tuis sortes meae (Sl 30, 16)
(4) Non mea voluntas sed tua fiat
(5) Domine, quid me vis facere? (At 9, 5). Quid mihi estt in caelo et a te quid volui super terram? (Sl 72, 25)
(6) Audiam quid loquator in me Dominus Deus (Sl 84, 9)
(7) Domine, doce nos orare (Lc 11, 1)
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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo V, p. 90-94)