Meditação para a Quarta-feira da Pascoela
SUMARIO
Meditaremos sobre dois outros obstáculos à paz da alma, a saber, a vã alegria e a má tristeza.
— Tomaremos depois a resolução:
1.° De não cedermos à alegria, que embota e distrai a alma, mas de a moderarmos com alguns momentos de reflexão diante de Deus;
2.° Nos acessos de tristeza, de reanimarmo-nos com a confiança em Deus e a esperança do céu.
O nosso ramalhete espiritual será a palavra da Santíssima Virgem:
“O meu espírito se alegrou por extremo em Deus meu Salvador” – Exultavit spiritus meus in Deo salutari meo (Lc 1, 47)
Meditação para o Dia
Adoremos Jesus Cristo trazendo-nos a paz desde o dia de Seu nascimento como primeiro penhor do Seu amor (1), e oferecendo-no-la ainda depois da Sua ressurreição como primeiro fruto de todos os Seus méritos (2). Demos graças à Sua divina bondade por tão insigne beneficio, e prometamos-Lhe remover os obstáculos que nos impedirem de O gozar.
PRIMEIRO PONTO
A Vã Alegria, obstáculo à Paz Interior
Sem dúvida que há uma boa e suave alegria, que é um dom do céu, um fruto da paz com Deus, um alívio nas misérias desta vida, um auxílio até para a virtude, fácil de cair na tristeza, um dos encantos da religião, cuja celeste amabilidade revela ao mundo; finalmente uma necessidade do homem, que sem isso esmoreceria bem depressa na prática do bem. É esta alegria, que São Paulo chama um fruto do Espírito Santo (3), e que ele recomenda tanto aos fiéis (4). — Mas, fora desta santa alegria, que tira o seu motivo de Deus, há outra alegria, que tira o seu motivo da criatura, e é essa que dizemos ser incompatível com a paz interior. Pérfida alegria, de que se não desconfia, porque só apresenta prazer, e um prazer que muitas vezes não é criminoso; porque além disso o primeiro mal que causa à alma é a falta de reflexão a respeito de nós mesmos, que nos impede de sentir os outros males e de o sentir ela mesma. Esta alegria inconsiderada transtorna toda a economia do interior, distrai dentro, atrai fora, faz falar e obrar sem reflexão; o que levou o Espírito Santo a dizer: O coração dos insensatos está onde se acha a alegria (5); é inimiga do recato e da mortificação; faz falar alto, rir às gargalhadas, esquecer as regras da modéstia no porte, nos gestos, no olhar, no andar; entrega a alma a todos os ímpetos da imaginação, abre às portas dos sentidos a todos os objetos exteriores, por meio dos quais põe tudo em movimento dentro de nós, aí excita uma tumultuosa distração, que agita, perturba o coração; e nesta espécie de ebulição toda a unção da piedade se evapora. Um quarto de hora desta alegria, diz o autor da Imitação, dissipa todo o fruto de muitos dias de recolhimento de espírito (6), e é preciso frequentes vezes muito tempo e esforços para recobrar o que se perdeu.
Não nos entregamos nós muitas vezes a esta vã alegria, que distrai, e é a ruína da piedade?
SEGUNDO PONTO
A Má Tristeza, obstáculo à Paz Interior
A má tristeza sucede muitas vezes à vã alegria, dizem os nossos Sagrados Livros (7), e a paz não recebe menos dano de uma que da outra. Esta má tristeza reconcentra-nos, torna-nos descontentes, desconfiados, impacientes, desagradáveis aos outros e a nós mesmos; e é isto uma fonte de muitos males (8). Se, pois, quisermos estabelecer e conservar em nós o reino tão apetecível da paz, devemos guardar-nos da má tristeza como da excessiva alegria, e manter entre estes dois extremos o meio termo de uma alegria tranquila e moderada. Quando somos levadas à tristeza, devemos lembrar-nos da alegria de Maria em casa de Santa Isabel (9); essa alegria em Deus tão recomendada pelo Espírito Santo (10), tão pregada pelo Apóstolo (11), e que se tira da consideração da infinita bondade de Deus, da Sua ternura, da Sua misericórdia, do Seu amor, do que céu que Ele nos manda esperar, e das magníficas recompensas que nEle nos reserva. Ao contrário, quando os ímpetos de uma vã alegria ameaçam arrebatar-nos, convém que nos lembremos da tristeza de Maria ao pé da cruz, tristeza, segundo Deus, que o Apóstolo louvava nos Coríntios (2Cor 7, 9), e que deve inspirar-nos a consideração de Jesus Cristo padecendo e morrendo por nós, o conhecimento de todos os males da religião e da Igreja, o pensamento de tantas almas que se perdem, a lembrança dos nossos numerosos pecados, a consciência que temos das nossas misérias habituais; porque, diz o autor da Imitação, entregamo-nos muitas vezes a uma vã alegria, quando deveríamos chorar (12). Nos maus dias em que estamos, que assuntos para sérias reflexões, para uma justa dor que nos faça orar e gemer, sem ter porém a má tristeza que nos tiraria a paz da alma!
Resoluções e ramalhete espiritual como acima
Referências:
(1) In terrae pax hominibus bonae voluntatis (Lc 2, 14)
(2) Pax vobis
(3) Fructus Spiritus… gaudim… pax (Gl 5, 22)
(4) Gaudete in Domino semper; iterum dico: gaudete (Fl 4, 4)
(5) Cor stultorum ubi laetitia est (Eclo 7, 5)
(6) Compunctio multa bona aperit, quae dissolutio cito perdere consuevit (I Imitação 21, 1)
(7) Extrema gaudil luctus occupat (Pr 14, 13)
(8) Omnis plaga tristitia cordis est (Eclo 25, 17)
(9) Et exultavit spiritus meus in Deo salutari meo
(10) Servite Domino in laetitia (Sl 99, 2). Delectare in Domino (Sl 36, 4)
(11) Gaudete in Domino semper (Fl 4, 4)
(12) Saepe vane ridemus quando merito flere deberemus (Lib. 1, cap. 21, n. 2)
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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo II, p. 270-273)