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O escaravelho

Na linda natureza de Deus

“Alô, rapazes! Depressa… Depressa!”

Francisco soltara o grito de alarme da borda do mato. Todos, mesmo os mais lerdos, correram direitinho para ele, que estava debaixo de majestoso carvalho, ostentando vitorioso sua presa, entre os dedos estendidos.

“Vejam este escaravelho! Estava justamente saindo do carvalho”.

De fato, era presa respeitável. Escaravelho tão vistoso, com antenas formidáveis como este, talvez riem o gabinete da História Natural do ginásio o possuísse. Na coleção de Francisco receberá naturalmente o lugar de honra.
Atraído pelas expressões de júbilo, veio também o professor.

“Sabem vocês que a vida desse cascudo, saído de larva e lagarta, é muito mais misteriosa do que a de qualquer outro animal? Os sábios observam há milhares de anos, meneando a cabeça, esta misteriosa metamorfose, essa vida quádrupla que vivem os besouros. Muita coisa é ainda incompreensível”.

“Olhe, Silva, diante de você vai rastejando uma lagarta cabeluda. Levante-a. Não, com a mão não. Dê a folha inteira. Veja com que sofreguidão ela come”.

“Notem”, disse o Silva levantando a folha, “é interessante como ela encomprida! Sem cessar está mudando a forma, o comprimento, e o tamanho”.

“Dessa pequenina observação ocorre-me uma idéia interessante. Esta pequena lagarta é verdadeira obra de arte. Qual é o engenheiro que seria capaz de edificar um prédio que a cada instante pudesse distender-se e contrair-se, sem ruído nem esforço, conjuntamente com seu encanamento de água, instalação elétrica, elevadores, portas, janelas, tudo? Aqui, nesta construção, portas, janelas, cortinas, tudo se move, se contrai e se estende sem ruptura ou fratura, nem entupimento nem nada… À lagarta tudo isso é possível! Durante esse contínuo movimento de contração e distensão deve circular o ar e o sangue ininterruptamente através de centenas de vasos. Quando se vira, fecham-se alguns condutos de um lado, devendo, por isso, abrir-se outros do lado oposto, senão a lagarta morreria asfixiada. No momento seguinte fecham-se de novo estes e abrem-se ainda outros. Sabem quantos músculos são necessários para isso? Você, Júlio, quantos músculos tem o homem?”

“28O”.

“Ora, a lagarta do salgueiro possui 8.OOO pares! Quer dizer que a lagarta é semelhante a um gigantesco navio que precisaria, para cada uma das suas manobras, de 8.OOO maquinistas e marinheiros. E observem como se move silenciosamente! É evidente que ela não tem noção dos 8.OOO pares de músculos. Mas, embora ela nada saiba a respeito, alguém lhos deu!

E esta já é sua segunda vida. A primeira, passou-se no ovo donde saiu. Daqui a pouco ela se vai retirar a um canto, enrola-se como uma múmia e passa assim os dias, sem alimento, bebida e movimento, aparentemente sem vida. É sua terceira vida, a de crisálida. Desta, sai uma nova fase: uma borboleta multicolor, um besouro, etc. É esta a quarta vida. Em todas as fases, porém é o mesmo ser. Que acontece durante esses períodos de transição? Que sente o inseto? Perguntas interessantes a que ninguém pode responder.

É uma maravilha! Talvez nenhum de vocês sabe que o escaravelho, ao sair do carvalho, ou quando “nasce”, já tem atrás de si uma longa história, já ultrapassou, por assim dizer, os seus melhores anos”.

“Como assim?”

“É que o bichinho teve de percorrer um longo caminho, antes de chegar a este ponto de desenvolvimento, de poder sair do carvalho e, por sua desgraça, cair nas mãos dum rapaz.

Vou tentar explicá-lo.

Um ovo minúsculo se esconde numa fenda da casca da árvore. Depois de alguns dias, nasce uma coisinha desajeitada, parecida com um verme, sem olhos, nem ouvidos, sem língua nem patas… Felizmente o monstrengo possui na frente, onde um animal decente tem a cabeça, dois fortes maxilares, com os quais começa a roer com valentia. Rói tudo o que encontra. Outra sorte é que sua cabeça esteja voltada para o tronco da árvore, pois se assim não fosse, morreria de fome irremediavelmente. Come, então, a farinha do tronco roído, e isto lhe basta para viver. Roendo sem cessar, ele vai, se introduzindo na árvore. O corredor é entulhado atrás. Sabem quanto tempo a coitada da lagarta vagueia pelo tronco, para cima e para baixo, para a direita e para a esquerda? Três anos. Três longos anos! Por isso eu disse que o escaravelho já tinha ultrapassado seus melhores dias, quando aparece à superfície do tronco. Durante três anos não fazer outra coisa senão furar, roer na escuridão mais negra e comer serragem! A nós parece insuportável tal vida. Sempre roer, em noite tenebrosamente calada… Não ver nada nem ouvir coisa alguma, e, além disso, nada saber!

E agora vem o mais misterioso: O pobre ser que passou três anos verdadeiramente tristes na escuridão da árvore, torna-se de repente muito esperto. Revela-se tão inteligente e tão calculador que só mesmo perguntando quem lhe ensinou tudo… Forçosamente um Ser extremamente sabido e previdente”.

“Mas, qual é o mistério?”

“Ouçam, depois de este verme cego ter vagueado por três anos pelo tronco e ter-se mantido cuidadosamente a boa distância da casca…”

“Ele tinha medo dos pica-paus?”

“Naturalmente! E é uma nova pergunta: Como soube ele que havia pica-paus e que eram seus figadais inimigos?… Mas, enfim, passados os três anos, abandona de repente os seus hábitos, e corajosamente se põe a caminho… em direção à casca. Tanto vai perfurando o tronco até que apenas uma tênue camada o afaste da luz do dia. Ali para. Não continua a roer, pelo contrário, trata de reforçar bem a fina camada que ficou, da serragem farinácea prepara um tabique, que, para segurar melhor, ele reforça com uma parede de cal. Donde tira este material? Dos seus intestinos. Interessante! Antes não existia cal no ventre; somente agora, que precisa do material. Quem ordenou isso tão providencialmente?
Quando, pois, a larva está pronta com seu trabalho de pedreiro, ela volta para o interior do tronco, onde constrói um cubículo oblongo; não devora mais a serragem, mas toma-a como colchão para se deitar — e agora, com a cabeça voltada para a entrada! — Começando seu terceiro período de vida, transforma-se em crisálida. Fica ali deitada como morta…, e nesta quietude sepulcral opera-se uma transformação misteriosa. Uma metamorfose, que em nossa ignorância, nos faz unicamente sacudir a cabeça, a coitada da larva sepulta-se, transforma-se em crisálida e da tumba se levanta agora um belo exemplar de escaravelho. Outra lagarta desce ao túmulo e dele ressurge uma bela e vistosa borboleta. Terceira larva como que se deita no leito de morte e, quando esfrega dos olhos o sono letárgico, reconhece-se metamorfoseada em abelha…”

“Senhor professor, surgiu-me uma idéia, posso dizer?” Interrompeu o Silva. Ele gostava de filosofar.

“Pois não, fale!” animou-o o mestre.

“Ocorreu-me, se não era possível representarmo-nos a morte do homem do seguinte modo: Quando nosso corpo atingiu certo grau de desenvolvimento, deixa de viver e é posto na sepultura como a crisálida. Mas este descanso sepulcral não é uma morte completa; vem a hora em que ele ressurge para uma nova vida, para a vida eterna”.

“Não há dúvida, sua comparação tem algo de real. Mas vamos ainda acrescentar alguns pensamentos ao caso do escaravelho. Como sabe a larva que, depois de três anos, vai tornar-se um besouro? Pois, devia sabê-lo! Ou não devia? Então alguém outro o sabia, porque o bichinho agiu como se o soubesse. Sabia que o ser que ia sair da crisálida, não poderia suportar a miserável existência no tronco, e haveria_ de procurar a liberdade, o sol. Estava também ciente de que o novo ente não teria os instrumentos necessários para conquistar a liberdade. Por isso, antes de recolher-se, abriu o caminho até a casca. Sabia também que devia proteger a saída do animal contra intrusos e ainda, que o grande escaravelho, ao sair da crisálida, não poderia virar-se no estreito cubículo, pelo que se deitou com a cabeça na direção da saída. Caso se deitasse em direção oposta, ser-lhe-ia fatal, pois, como sairia o besouro da árvore? E então quando acorda do sono, avança pelo corredor; um empurrão contra o tabique de cal, outro contra a fina parede da casca, e, está fora, na clara e livre natureza … Se não tiver a desgraça, como o nosso, do cair nas mãos ágeis dum rapaz.

É isso o que eu queria contar-lhes. Essa larva tola, cega, desmiolada, que se alimentava de serragem, em negra escuridão, é um grande pensador. Como é previdente! Quão bem sabe o que será dele! Ou não sabia?

Acho que não era ele quem o sabia! Em vez dele, sabia-o Aquele de quem Jesus disse: Não cai um pardal do telhado, sem que vosso Pai o saiba”.

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(TOTH, Monsenhor Tihamer. Na linda natureza de Deus. Editora S. C. J., 1945, p. 76-82)

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