Meditação para a Segunda-feira da Segunda Semana da Quaresma
SUMARIO
Como o Evangelho, apresentando-nos Nosso Senhor transfigurado enquanto orava, nos revela com isto que a oração é o meio de alcançarmos as graças do céu, meditaremos:
1.º A necessidade da oração;
2.° As condições requeridas para a fazer bem.
— Tomaremos depois a resolução:
1.° De sermos exatíssimos em prepararmos o nosso objeto de oração de tarde e de manhã, e de começarmos sempre o dia com este exercício;
2.° De conservarmos durante o dia os bons pensamentos e bons sentimentos da oração da manhã.
O nosso ramalhete espiritual será a palavra do Evangelho:
“Enquanto orava, pareceu todo outro o seu rosto” – Facta est, dum oraret, species vultus ejus altera (Lc 9, 29)
Meditação para o Dia
Adoremos Jesus Cristo em oração no Tabor. Quão profunda e fervorosa era esta oração! Que belo espetáculo aos olhos do céu e da terra! Enquanto estava absorto em Deus, o Seu rosto tornou-se refulgente como o sol, e a Sua vestidura branca como a neve. Demos graças a este divino Salvador por nos revelar com isto o preço da oração; supliquemos-Lhe que nos excite a amá-la, e que nos ensine a fazê-la (1).
PRIMEIRO PONTO
Necessidade da Oração
Todos os santos são unânimes em dizer-nos que a oração é essencial à salvação (2); que um dia sem oração é um dia perdido (3); que sem a oração a fé diminui com o gosto e sentimento das verdades cristãs e dos nossos divinos mistérios. Quem não medita em Deus e nas Suas perfeições infinitas, não tem já para com Ele senão frieza e indiferença; quem não reflete sobre os seus deveres, não sente já a sua importância, despreza-os, ou cumpre-os mal. Sem a oração, não ha petição bem feita: É impossível, dizia Santa Tereza, recitar até o Pai Nosso como convém; — o hábito, a distração, reduzem a oração a um simples movimento dos lábios, em que o coração não toma parte.
“O meu coração se secou, diz Davi, porque eu me esqueci de comer o meu pão” – Aruit cor meum, quia oblitus sum comedere panem meum (Sl 101, 5)
Sem a oração, não há recolhimento de espírito, amor, nenhuma virtude, diz São Boaventura (4). Finalmente, semelhante ao soldado exposto sem armas a todos os ataques do inimigo, estamos sem defesa contra o nosso próprio coração. — Ao contrário, com a oração, a fé torna-se de dia para dia mais viva, gostamos mais de Deus e das coisas de Deus, avaliamos o nada do mundo e a grandeza dos bens eternos; vemos os nossos pecados e defeitos com os remédios que lhes devem ser aplicados; o fogo das paixões extingue-se e dá lugar ao santo amor. É na meditação que o fogo sagrado se acende (5); finalmente, a vida toda muda-se e renova-se (6). Antes éramos levianos, pouco refletidos, covardes e sem energia, irascíveis, apegados a nós mesmos e ao nosso próprio senso; pela oração, tornamo-nos sisudos, meditativos, animosos, humildes e sem afetação; o que inspirou a Santo Agostinho esta bela palavra:
“Saber orar bem, é saber viver bem” – Recte novit vivere qui recte novit orare
É esta a ideia que fazemos da oração?
SEGUNDO PONTO
Condições requeridas para fazer bem a Oração
Há três principais: o hábito da meditação, o desapego, a repressão das paixões.
1.° O hábito da meditação. O espírito habitualmente distraído é essencialmente inábil para a oração: acostumado a não se fixar em coisa alguma, a saltar incessantemente de objetos para objetos, segue na oração o seu rumo habitual. Em vão lhe falaria Deus, ele não O ouve; ou se O ouve, não faz caso, e dirige os seus pensamentos para outra coisa. Não é senão no silêncio da alma contemplativa que Deus fala, que ouvimos a Sua voz, que a meditamos, que a saboreamos e tiramos proveito dela (7).
2.° O desapego. O coração apaixonado arrasta o espírito, cativa-o e tiraniza-o. Quereríamos pensar em Deus e na nossa salvação, mas as paixões absorvem o pensamento. Já não podemos cuidar senão daquilo a que temos apego: é uma nuvem que impede de ver a luz de Deus; é um ruído que impede de ouvir a Sua voz. Quereríamos elevar-nos ao céu, mas a alma está apegada à terra; por mais que se agite e se inquiete, é-lhe impossível tomar o seu voo. Ao contrário, a alma desapaixonada, livre de todo o laço, eleva-se facilmente a Deus, conversa com Ele, e conserva-se-lhe unida.
3.° A repressão das paixões. Enquanto o coração estiver possuído de alguma paixão, a que não quer renunciar, estará inquieto, perturbado, incapaz de se fixar em Deus. Acontecerá com ele o mesmo que com o enfermo atormentado pela febre e privado do sono: volta-se incessantemente, e a sujeição a uma mesma posição é-lhe insuportável. Quem, pois, quiser ser bem sucedido na oração e nela progredir, deve trabalhar todos os dias em reprimir as suas paixões, até que as haja extinguido. Será somente então que entrará nessa tranquilidade da alma que permite a reflexão sustentada e a união duradoura com Deus.
Examinemos se temos cumprido as três condições requeridas para sermos bem sucedidos na oração.
Resoluções e ramalhete espiritual como acima
Referências:
(1) Domine, doce nos orare (Lc 11, 1)
(2) Qui orationem abjicit, viam salutis deserit
(3) Diem sine oratione, amissam diem existimate
(4) Frustra profectus virtutum sine oratione operatur (São Boaventura)
(5) In meditatione mea exardescet ignis (Sl 38, 5)
(6) Et facta est, dum oraret, species vultus ejus altera (Lc 9, 29)
(7) In silentio et quiete proficit anima devota (I Imitação 20, 6)
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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo II, p. 115-118)