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Necessidade e Felicidade do Padecimento

Meditação para a Sexta-feira da 6ª Semana depois da Epifania. Necessidade e Felicidade do Padecimento

Meditação para a Sexta-feira da 6ª Semana depois da Epifania

SUMARIO

Temos, até aqui, considerado Jesus Cristo desde o momento da Encarnação até ao Seu Batismo por São João. Por toda a parte vimos o padecimento e o martírio. Meditaremos a profunda razão deste fato; é

1.° Porque padecer é uma necessidade;

2.° Porque padecer é uma felicidade.

— Tomaremos depois a resolução:

1.º De separarmos o nosso coração do amor do gozo e do prazer, e de o sacrificarmos a Deus, quando se oferecer a ocasião;

2.º De aceitarmos de boa vontade todas as penalidades da vida, sem murmurar nem queixarmo-nos.

O nosso ramalhete espiritual será a palavra do Evangelho:

“Bem-aventurados os que padecem” – Baeti qui… patiuntur (Mt 5, 10)

Meditação para o Dia

Adoremos Jesus Cristo fazendo da Sua vida até trinta anos uma vida de privações, de padecimento e de martírio. Admiremos este profundo mistério, e agradeçamo-lO a este divino Salvador: porque é para nosso bem que escolheu este gênero de vida; é para animar-nos e consolar-nos nas nossas dores; é para nos obter a graça da paciência; é para nos ensinar a excelência do padecimento e do sacrifício. Rendamos mil ações de graças a este Salvador tão bom que, por nosso amor, se dedicou a uma vida tão penosa!

PRIMEIRO PONTO

Padecer é uma Necessidade

1.° É uma necessidade natural.

“Ide para onde quiserdes, diz a Imitação; buscai em cima, buscai em baixo; buscai à direita, buscai à esquerda: por toda a parte achareis a cruz; não podeis evitá-la” (II Imitação 12, 3-4)

Cruz no nosso corpo pela enfermidade, cruz na nossa alma pela inquietação, pela tristeza e pelo desgosto, que nos torna pesados a nós mesmos, sem podermos entrar na razão disto; cruz na discordância dos gênios, das vontades, dos interesses, das ideias daqueles com quem vivemos; cruz na posse dos bens pelo medo de os perder e embaraço de os administrar; cruz nas privações pela miséria, que é a sua consequência; cruz no trabalho pela fadiga; cruz na ociosidade pelo aborrecimento próprio; cruz na perda dos parentes ou dos amigos; cruz nos revezes; cruz na diferença dos idiomas, na diminuição da reputação, o que dirão? Finalmente, o mundo inteiro não é mais do que um grande Calvário, onde cada qual, por bem ou por mal, é crucificado. Ora sendo assim as coisas humanas, não é para o homem um despropósito recusar submeter-se ao que é inevitável; perder o mérito do que, padecido cristãmente, poderia ser-lhe tão meritório para o céu, e agravar a sua dor, recebendo-a de má vontade?

Quanto mais prudente é aquele que faz da necessidade virtude, e animosamente carrega com a sua cruz!

2.º Padecer é uma necessidade para a Salvação. Se somente tivéssemos gozos neste mundo, afeiçoariamo-nos a eles, consideraríamos a terra como nossa pátria, esqueceríamo-nos do céu. A desgraça faz voltar para Deus: esta máxima é fundada na experiência. Ferido pela adversidade, o homem diz consigo que a terra não é a sua pátria; que depois de expirar, acha um mundo melhor em que se faz justiça a todos, aos verdadeiros cristãos com uma eterna recompensa, aos pecadores com um eterno castigo (1); que depois de ter sido tão infeliz neste mundo, deve acautelar-se para não o ser ainda mais no outro. Então cuida da sua consciência, e começa uma vida cristã. Deus recusou a Salomão a graça do infortúnio, e a sua salvação é pelo menos muito duvidosa; concedeu-a a Davi, e isto mereceu-lhe ser contado no número dos santos. A cruz, diz-nos o autor da Imitação, é a estrada real do céu; o mesmo Jesus Cristo não o alcançou senão por ela; não esperemos alcançá-lo por outra via. Para ser glorificado no céu com Jesus Cristo, é preciso padecer com Ele na terra (2).

Compreendemos nós bem esta verdade? Tomamos a resolução de padecer sem murmurar e de boa vontade todas as penalidades da vida?

SEGUNDO PONTO

Padecer a uma Felicidade

Sem dúvida estas palavras parecem repelir-se uma à outra; e fora da religião repelem-se efetivamente. Para quem não tem coração, nem fé, nem amor, o padecimento é um mal que irrita, que aflige, que muitas vezes lança na desesperação. Mas para quem crê e ama, sucede de modo muito diverso; e as palavras de Jesus Cristo são verdadeiras.

“Bem-aventurados os que padecem, bem-aventurados os que choram; vinde a mim todos os que andais em trabalho e vos achais carregados, e eu vos aliviarei” (Mt 5, 10.5; Mt 11, 28)

É porque a alma, que crê e ama, vê em todas as suas tribulações a mão de Deus, que a fere; e nesta mão de Deus a dum pai infinitamente amoroso, que dispõe tudo para seu maior bem. Então, ela ama e beija enternecida essa mão sempre boa, ainda quando aflige.

«É o amor do meu Deus que me manda esta cruz, diz ela consigo. Como poderia não O amar, não O estimar ainda mais do que todos os tronos!»

A alma que crê e ama, lembra-se de que não há proporção alguma entre as penalidades desta vida e as delicias da glória. Por um momento de privações, uma eternidade de gozos; por uma gota de amargura, um oceano de felicidade; por cada minuto de padecimentos cristãmente suportados, um acréscimo de gozos inefáveis e eternos. Com estes pensamentos, superabunda-se de alegria no meio de todas as provações (3).

A alma quê crê e ama, olha para o crucifixo, e compreende que, tendo Jesus, inocente, padecido por ela, é justo que ela padeça por Ele. Desejosa de retribuir amor com amor, ela quisera padecer tanto como Jesus padeceu e se o divino crucificado padeceu muito mais do que ela, ao menos aceita de boa vontade padecimentos menores. Beija então o crucifixo, e repete dentro do seu coração com delícias as palavras de São Pedro:

“Alegrai-vos, pois assim como participais dos padecimentos de Cristo” – Communicantes Christi passionibus, gaudete (1Pd 4, 13)

Ou as de Santo André:

“Ó boa cruz, sê bem-vinda!” – O bona crux

É desta sorte que, onde as almas sem fé e sem amor não acham senão desgraça e desesperação, ela acha felicidade e gozo. E assim que encaramos e recebemos o padecimento? Adotemos a este respeito sentimentos mais cristãos do que os que nos têm guiado até ao presente.

Resoluções e ramalhete espiritual como acima

Referências:

(1) Ibunt hi in supplicium aeternum, justi autem in vitam aeternam (Mt 25, 46)

(2) Si compatimur, ut et conglorificemur (Rm 8, 17)

(3) Superabundo gaudio in omni tribulatione nostra (2Cor 7, 4)

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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo I, p. 309-313)