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Não se há de temer demasiadamente a morte

Capítulo 3. Não se há de temer demasiadamente a morte - Bálsamo Espiritual

Levando seus pais o Menino Jesus ao Templo, Simeão esclarecido pelo Espírito Santo, de que não havia de morrer antes de ver Jesus Cristo, com inefável gozo o recebeu nos braços e disse: Agora deixa teu servo partir em paz, como se a necessidade e não à vontade o detivera no mundo; quebram-se nossas cadeias e a alma se liberta quando deixa a companhia do seu corpo, e isenta-se das terrenas tribulações. Para os justos a morte é porto de descanso, ficando livres da carga e embaraço do corpo, que os inclinava para os vícios, sua alma voa para as alturas habitar com o imortal e sumo Bem! Eis o destino dos que buscam praticar virtudes, obedecer a Deus. Não nos assuste, pois com demasia o fim destinado a todos os homens, anelemos sem temor pela presença do nosso Redentor, companhia dos Santos, e congregação dos Justos: aí veremos os mestres da nossa fé; embora não tenhamos feito muitas obras boas, havemos de reunir-nos a Abraão, Isaac, Jacó; lá também jubila o bom ladrão, companheiro dos cortesões da celeste Corte complexo de gozos, onde não há neves, trovões, relâmpagos, tempestades, trevas nem inferno. Não há frio, chuva, o sol atual, estrelas, pois só o resplendor de Deus lá fulgura; quando estivermos para morrer, recorramos com amorosa devoção a Jesus, Senhor nosso, abracemos Seus divinos pés, e O adoremos com as santas mulheres a quem apareceu no dia da Sua ressurreição, para que também nos diga:

Alegrai-vos desvanecei o temor dos pecados, pois Sou o perdão deles, não vos assustem as trevas, pois Sou a luz, nem a morte porque Sou a vida, e quem recorre a Mim não sofrerá a morte eterna.

Quem está para morrer há de confiar mais nos merecimentos de Jesus, nosso Salvador, do que nos próprios; na Sua infinita bondade, nas deprecações da gloriosa Virgem Maria, dos Santos e eleitos de Deus; convém lembrar-se da dolorosa Paixão e Morte de Cristo, considerando a caridade que O decidiu a padecer tais afrontas e dores; busque humilhar-se e submergir nas chagas abertas, profundo mar da divina misericórdia, suas culpas e omissões; ofereça- se a si próprio como sacrifício vivo à glória de Deus, para sofrer aquiescendo à vontade divina, os padecimentos físicos e morais da moléstia, e a morte, e a tudo que o Senhor determinar acerca dele no tempo e na eternidade. Fazendo assim, com sinceridade, submisso à justiça de Deus, embora houvesse cometido todos os pecados do mundo, não irá para o inferno, nem para o Purgatório.

De forma que não há exercício mais proveitoso para a hora da morte do que resignar-se o homem completamente à vontade de Deus, confiando na Sua imensa bondade humilde e amorosamente, pois é impossível que não vá para o Céu quem sai da vida com esta resignação e santa confiança em Deus. Com tal disposição morreu na cruz o bom ladrão, que não pediu ao Senhor saúde corporal, nem que o livrasse das penas do Purgatório, mas morrendo de boa vontade pelos seus pecados e para glória de Deus se ofereceu a Sua santa vontade; somente pediu perdão e misericórdia dizendo: Lembrai-vos de mim, Senhor, quando estiverdes no vosso reino; se a vizinhança da morte atemoriza e entristece a natureza fraca, sujeite este temor a Deus, e concebe a esperança que a morte de Cristo a de consolar a tua; Ele partiu adiante, e também muitos de seus amigos, não sejas remisso em segui-lO; o vil invólucro do corpo que deixas agora, porque tens pena que apodreça, e breve tempo esteja oculto na terra? Há de ressuscitar depois imortal, incorruptível, glorioso; para sossegares o temor da morte, lembra-te das palavras do Unigênito Filho de Deus, verdade eterna, que diz no Evangelho:

“Eu sou a ressurreição e a vida, o que crê em mim, ainda que esteja morto, há de viver eternamente”

Também se hão de meditar estas palavras do Apóstolo:

“Se vivemos com o Senhor, vivemos; se morremos para o Senhor morremos; mas sempre somos seus”

Considere-se a resignação pacífica com que morreram os Santos, antigos Patriarcas, Abraão, Isaac, Jacó, Moisés, Davi e outros, ainda quando a porta do Céu não estava aberta; lemos no Deuteronômio, que o Senhor disse a Moisés:

“Sobe ao monte Abarim, ao Nebo, vê a terra de Canaã que vou dar aos filhos de Israel, morre nesse monte unindo-te aos mortos de teu povo, como teu irmão Aarão morreu no monte Hor; porque nas águas da contradição em Cades, no deserto de Sin, me ofendestes, verás a terra que vou dar aos filhos de Israel, mas não entrarás nela”

Moisés subiu ao monte Nebo, e Deus lhe mostrou toda a terra, etc. Vê com que resignação de ânimo morreu este fiel servo; não obteve a terra visível; mas foi recebido na invisível, no seio da paz, no Limbo, onde então tranquilos repousavam os Justos. Atualmente Jesus, Senhor nosso, já lhes abriu a porta do reino celeste; nós que nesta vida somos peregrinos e desterrados, permanecemos em terra alheia, cada dia, por meio de desejos caminhemos para nossa soberana Pátria! Que também o é dos Anjos, pátria onde não existe inverno, pátria florida, fresca, resplandecente, bem-aventurada; digamos com o Apóstolo: Enquanto estamos unidos ao corpo somos peregrinos, não temos habitação permanente, aspiramos à verdadeira pátria; onde não podemos ofender a Deus nem desgosta-LO, mas perfeitamente O amaremos e louvaremos por todos os séculos sem fim; aí teremos a visão beatífica que realizará, excedendo-os, nossos votos; pois tudo que gozamos no mundo das criaturas, formosura, suavidade, perfeição, amor, vendo, ouvindo, cheirando, apalpando, essencial e eminentemente se acha em Deus na pátria eterna; seus atributos excedem muitíssimo todos os dotes das criaturas, e os gozos da mansão eterna não se podem comparar a nenhuns terrenos. Amemos e suspiremos pela nossa bem-aventurada pátria em que nos uniremos ao dulcíssimo Jesus. Amém.

Se é vontade de Deus que morras, persevera firme na fé católica, alegra-te porque tua alma, que é espírito puro, com uso da razão e semelhante a Deus, vai sair do estreito e miserável cárcere, para sem impedimentos fruir a Bem-aventurança; mas costuma amedrontar na hora da morte aqueles que não são mui experimentados na espiritualidade, lembrarem-se dos anos passados, de sua vida dissoluta, conhecem que são mui culpados perante Deus, e não sabem o que hão de fazer: vou dar-te um conselho extraído da Sagrada Escritura; se consideras que tens vivido mal (pois poucas pessoas vivem isentas de culpas), por esta causa não temas demasiadamente, pois estás fortalecido com os Sacramentos da Igreja (se os poderes receber), fita os olhos na imagem de Cristo crucificado; une-a a teu peito, reclinando-te nas ensanguentadas chagas de Sua infinita misericórdia, Lhe pedirás o perdão das culpas para glória sua, e remédio da tua espiritual miséria, acredita firmemente que estás perdoado e podes morrer tranquilamente. Considera as aflições deste mundo, os dissabores, lutas, desenganos que nos cercam, e o risco em que estamos de nos condenar, o que basta para nos desapegarmos dele. Se alguém deseja viver mais para aumento de merecimentos, aspira à vantagem mui incerta, talvez antes cresçam os pecados, que ordinariamente avultam com a idade, em que bastantes pessoas pioram; a morte que chega te é penosa, mas remata todos os trabalhos. Filho meu, eleva o coração e as mãos para tua ditosa pátria, saúda-a com afeto, entrega-te à vontade de Deus, aceita de Suas mãos tudo que fizer de ti, vida ou morte; não temas… os Anjos te acompanham e cercam; o benigno Deus com paterno amor te acudirá nas angústias.

Virgem Maria, augusta Rainha do Céu, quando nos aflige qualquer dor ou inquietação, só achamos meio para lhe escapar levantando os olhos para vós; sempre vos desejamos achar benigna e consoladora, especialmente na hora da morte, pois é a Medianeira dos pobres pecadores perante vosso Santo Filho, os maiores e mais endurecidos a vós recorrem esperançosos. Sois a única consolação dos que arrastam os grilhões de grandes culpas… dirigem-vos suas lágrimas. Agora fixai clementes olhos neste miserável, visto que não desdenhais nenhum pecador ou aflito, amparai-me, Senhora, que sois depois de Deus minha esperança. Que inúmeros culpados, despenhados no abismo da desesperação, estariam, para sempre apartados de Deus, que pela vossa intercessão foram perdoados! Quem pode deixar de conceber esperança, seja qual for a enormidade de seus desvarios, recorrendo à amorosa Mãe que o Senhor nos concedeu. Que imensas graças já me tendes alcançado! Valei-me, pois na hora tremenda do meu julgamento…

Meu Salvador animem-se uns fiéis confiados na sua inocência, outros nas penitências que fazem; nos trabalhos ou merecimentos que hajam adquirido, eu especialmente baseio minha esperança de salvar-me na valia infinita de vossa Paixão e Morte. Entrego-me ao Vosso beneplácito, acerca da duração da minha vida, ainda que neste momento morresse e fosse atormentado com o fogo do Purgatório por espaço de cinquenta anos, sendo por Vosso amor e glória, diria:

Bendito seja o fogo purificador que expiando meus erros, glorifica o santo Nome de Deus.

Levanta os olhos para o celeste Paraíso, onde irás habitar, pois na terra és só hospede, desterrado, para chegares à pátria onde te esperam amigos, os eleitos mesmo que não te conhecem por ora, jubilarão com tua companhia, fora teus antigos amigos, todos eles te amarão mais extremosamente do que os pais aqui amam os filhos.

Há um Céu novo, que sem comparação excede a terra em largura; ainda que fosse uns mil milhões maiores do que é, além deste Céu há outro, que se chama Empíreo, que significa fogo; porque é da natureza deste, pela imensa claridade, e resplandor que tem, sendo inalterável, este é o excelso Palácio, onde habita o celeste exército; louvam-me as estrelas da manhã, e todos os meus filhos entoam júbilos; estão em magníficas cadeiras rodeadas de incompreensível luz, de onde foram excluídos os Espíritos malignos, e ocupam agora os Justos; vê como toda aquela feliz cidade fulgura como ouro puríssimo, e preciosas pedrarias. Os fundamentos de suas muralhas extasiam a vista, sua praça é marchetada de ouro, como claro vidro, resplandece com encarnadas rosas, com açucenas, e toda a espécie de mimosas flores; contempla ainda mais, os deliciosos e celestes campos; aqui permanece sem mudança alegre primavera, amenos prados, enfim acha-se o complexo de verdadeiros gozos, os amigos convivem satisfeitos, suavemente soam as cítaras, e mais instrumentos, o tempo se emprega em aprazíveis ocupações, tudo realiza os desejos dos eleitos, sem mistura de tristeza, realçando com a segurança de eterna duração.

Observa a inúmera multidão que bebe da fonte viva, que perpetuamente corre, ao nível dos votos de cada um. Vê como fitam os olhos no claríssimo e admirável espelho da Divindade, que em si encerra todos os bens. Considera intimamente como minha dulcíssima Mãe, Rainha da celeste Jerusalém, que tanto amavas, excede em gozo, dignidade, todos os habitantes do Céu, expandindo em torno de si infindas delícias; conhecerás então como a piedosa Mãe de misericórdia fita os olhos em ti e nos outros pecadores que a invocam como os defende e reconcilia com seu Filho; observa como milhares de Esquadrões celestes me servem e acompanham, a ordem admirável que os rege, aprecia também meus Discípulos e amigos, vê a paz de que gozam, a honra que tem em seus veneráveis tronos, constituídos Juízes; admira o resplendor dos Mártires vestidos do púrpura, os Confessores com extraordinária formosura, as Virgens ornadas de angélica pureza; finalmente como o Exército celeste está impregnado de divina suavidade; em feliz hora nasceu aquele que alcançou ocupar para sempre estes gloriosos tronos; envolto em glória terá exteriormente o corpo fulgurando com claridade sete vezes maior do que a do sol, ligeiro, sutil, impassível, mas o prêmio essencial consiste na união contemplativa com a Divindade manifesta, pois nunca a alma pode atingir a felicidade para que foi criada, sem possuir a visão beatífica, que palavras humanas não podem exprimir. Todos os Bem-aventurados se extasiam com a vista do impenetrável abismo da Divindade; marcha, pois com rosto alegre, esquecendo as coisas caducas e transitórias, recreia tua alma com o gozo futuro, considera também como aqueles que por amor de mim viveram humildes na terra, resplandecem agora com a suma felicidade.

Oh! Cortesões do Céu, amigos de Deus, quão ditosos sois! As tribulações, moléstias, trabalhos com que fostes provados na terra, onde estão agora? Passaram como sonho parece que nem as sofrestes. Certamente se todos os corações se derretessem para formar um só, não poderia compreender a elevada honra e dignidade, louvor e glória que sem fim gozareis. Ilustres Príncipes, amados filhos do eterno Deus, como resplandecem vossos rostos, quão jubilosos e serenos estão vossos corações, iluminados vossos espíritos! Com que suave harmonia cantais; Benção, louvor, honra ação de graça à Deus pelos séculos sem fim! Por cuja bondade gozaremos eternamente estes bens! Dulcíssimo Deus, quanto pode idear o entendimento sobre beleza e amor, tudo em vós se acha sem medida alguma, nada bom pode haver no homem que não haja em vós com mais abundancia e perfeição.

Bom Jesus outorgue-me santa contrição emanada do amor divino, para me perdoardes não só as culpas, mas também as penas que por estas vos devo: isto imploro pela vossa vida e dolorosa Paixão. Oxalá que nunca vos tivera ofendido, Senhor! Mas servido com puro e perfeito amor… Oxalá que eu acabe a vida amando-Vos e enriquecido com Vossa graça! Lavai-me no Vosso precioso sangue, para que minha alma saindo do corpo apareça na Vossa presença purificada e reta, para Vos louvar eternamente: faça-se em mim Vossa vontade no tempo e na eternidade. Amém.

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(Blósio, Venerável Luis; FRASSINETTI, Padre José. Bálsamo Espiritual. B. L. Garnier, Rio de Janeiro, 1888, p. 69-83)

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