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A chuva cai das nuvens

Na linda natureza de Deus
Desde ontem à tarde está caindo uma chuva fina, persistente, magnífica para pôr à prova a disposição mental dum bivaque. Enquanto há o sorriso do Sol, nada parece difícil no acampamento: descascar batatas, buscar leite, arrumar as tendas… tudo se faz brincando. Mas num dia feio e chuvoso como o de hoje?…

Chove desde ontem, e não é uma boa pancada d’água, como uma trovoada de verão em regra; é um gotejar lento… ora para, ora recomeça.

É o primeiro dia de acampamento em que não tivemos missa, ainda por causa da chuva. Sem missa, falta alguma coisa no dia! A assistência diária à Santa Missa é para nós real prazer. Mais da metade dos nossos comunga diariamente. Ninguém os obriga; é espontâneo. Não é difícil viver puros, quando nos sentimos tão perto de Deus.

Hoje tínhamo-nos reunido na barraca maior. Tratava-se de não deixar aparecer o aborrecimento. A princípio naturalmente, falou-se, da chuva e da umidade do ar.

“Vejam, disse o professor, a composição do ar demonstra ainda que o curso do mundo é dirigido por uma sábia providência. Você, Carlos, de que é que se compõe a atmosfera?”

Prontamente veio a resposta:

“De 21 partes de oxigênio e 79 partes de azôto”.

“Considerem que sorte a nossa, compor-se o ar exatamente desses gases e que se misturem nessa proporção. Pois, se gases de iodo, bromo ou outros nele estivessem contidos, num abrir e fechar de olhos teríamos o fim do mundo. Ainda, se a mistura fosse feita em outra proporção, digamos 4 partes de oxigênio por um de nitrogênio, seria nossa sentença de morte, num momento estaríamos carbonizados”.

“Mas, senhor professor, todos os seres vivos gastam e deterioram o ar, como acontece que a atmosfera não acaba na terra?”, adiantou alguém, lá dum canto.

“Sim, rapazes, fato notável é também a renovação da provisão de ar. Quanto azôto precisam os seres orgânicos e quanto oxigênio gasta a respiração, a fermentação, a combustão, etc… Como pode ser tudo isso substituído?”

“Não seria possível produzi-lo industrialmente?”, opinou o pequeno Cardoso, o qual, como quintanista, julgava poder solucionar o problema, visto que sua cabeça estava cheia de planos, os mais fantásticos.

“Industrialmente? Como você imagina isso? Que gigantescas fábricas, tachos, canalização, quantos laboratórios, engenheiros e operários, quantos reservatórios de gás, embalagem, transporte por navio e trem exigiria o empreendimento, se tivéssemos de preparar a quantidade de ar necessária á vida do mundo! Vejam, meninos, alguém tirou-nos esse enorme cuidado e em vez de laboratórios, construídos pelo homem, criou aos milhões minúsculos laboratórios e com eles dotou cada arbusto, cada árvore”.

“São as folhas?”

“Sim, as folhas. São laboratórios de primeira ordem. Vocês sabem que o principal alimento das plantas é o gás carbônico. Este não existe puro no ar, mas apenas em combinação. O que fazem as folhas? Elas decompõem as combinações, aproveitam o gás carbônico para si, e eliminam a outra, parte, o oxigênio”.

“Ah! É por isso que na proximidade de árvores e nas florestas o ar é tão puro; lá existe muito oxigênio”, comentou o Celsinho, que entrara despercebido na tenda.

“Senhor professor, eu quisera perguntar ainda uma coisa”, começou o Cardoso. “Como é que o ar da terra não desaparece? A terra roda num curso louco em sua órbita! Não pode acontecer que algum dia a atmosfera se desprenda da terra e nós fiquemos sem ar? Estaríamos então como um peixe fora da água!”

“Não tenha receio, acalmou-o o professor; quem dirige o universo, também cuidou disso. O ar tão leve está preso à terra e têm seguro. É a gravidade, a atração da terra que não o deixa desprender-se, bem como os demais seres na sua superfície. Ela segura a sua rica presa.

“Como é então possível”, adiantou o Silva, “que a espessa camada de ar, essa coluna de dez quilômetros de altura — assim o aprendemos — não nos esmague? Embora sejam apenas gases, tal torre terá um peso respeitável”.

“Você tem razão. A pressão atmosférica, no homem adulto, representa, na média, 1O.OOO kg.”

“Ora, então deveríamos ser achatados, como folha de papel!”

“Deveríamos! Alguém, contudo, também disso tratou e dispôs que, dentro de nós, o ar exerça uma pressão igual, para fora, como a exterior para dentro. Numa palavra: dos 1O.OOO kg nada sentimos”.

O Jorge, que não parecia interessar-se pela conversa, interrompeu agora:

“Não é verdade que, por causa disso, temos hemorragia pelo nariz e orelhas, quando galgamos montanhas elevadas, porque a pressão exterior diminui e a interior expele então o sangue? Foi o que vimos em aula.

Por isso não fui ontem buscar leite, porque teria de passar por um morro, anotado no mapa com 129 metros, e meu nariz…”

“Ora, Jorge”, repreendeu-o o Silva, “deixe seu nariz fora de jogo, e cite só a sua preguiça! 129 metros? Nem mesmo 1.OOO metros você havia de sentir, quanto menos os 129!”

Apenas terminara o Silva sua observação, um jorro d’água alagou o Jorge. Durante a palestra, ajuntara-se uma boa quantidade d’água no teto horizontal da tenda. Um rapaz quis afastá-la, empurrando a lona com uma vara. Como, porém o pano não fechava de todo Jorge apanhou uma boa ducha. Saltou como um gato, escorrendo água e fazendo caretas, e procurava sacudir o líquido que penetrava pelo colarinho.

“… No entanto, a bênção vem do alto”, sublinhou, de um canto, uma consoladora citação.

“Não faz mal”, consolou o professor ao menino indignado. “Você sabe que a água corre para baixo, e logo sairá pelos sapatos. Mas escutem, quem me poderá responder à pergunta: por que corre a água para baixo?”

A pergunta era tão estranha que todos ficaram devendo a resposta.

Sempre fazendo caretas, Jorge procurou gracejar:

“Ora, corre para baixo, porque não quer correr para cima”.

Carlos observou “Atração da terra”.

“Naturalmente é essa a razão. Atenção, também isso é interessante. Onde há seres vivos, é absolutamente necessário haver água. Como é admirável que a água, descendo da montanha, atravessa o solo em todos os sentidos! Que não falte água! Se houvesse de menos, os rios secariam; se houvesse de mais, viveríamos em nevoeiro eterno. O movimento dos rios e regatos tem por fim evitar que a água se corrompa, visto ser tão necessária para nós.”

“E no mar? Ali a água não corre”.

“Também lá não deve corromper-se; pois, se começasse a apodrecer e a contaminar o ar, era uma vez o gênero humano. Mesmo no oceano, a água deve ser posta em movimento, de algum modo”.

“Poder-se-ia remexê-lo por meio de moinhos de vento”, comentou Jorge.

“Mas menino! Você pensa assim porque ainda não viu o mar. Julga poder-se remover essa imensidade líquida com moinhos de vento! Veja, ainda uma vez alguém cuidou admiravelmente de que ela não se estagne. Enquanto estava no rio, era movimentada pela gravidade. No oceano, esta não a move; pelo contrário, mantém-na em repouso. Já que a terra não age, a lua deve intervir. De seis em seis horas, o satélite revolve profundamente a água marinha, pela maré enchente e vazante. Quem regulou isso tão sabiamente? Mais, qual a ciência que determinou a percentagem de sal no oceano? A água que penetra no mar fica totalmente salgada e não pode corromper-se. Enquanto estava correndo, continha um mínimo de sal, porque não precisava dele. Logo que estaciona no mar, encontra sal em grande quantidade, sem o que se deterioraria.”

Aí comentou Guilherme:

“Uma noite dessas, o Luís cozinheiro, deixou fora a caixa do sal. Com o orvalho, o sal se tornou um mingau e ficou imprestável. Se esse material é tão sensível à umidade, não poderá a chuva destruir as jazidas de sal-gema da terra?”

“É justificada a pergunta, mas ainda alguém tratou do assunto e fez que, em toda a parte, no subsolo, o sal-gema esteja colocado entre argila e gesso, isto é, entre camadas impermeáveis, e não pode estragar-se. No mar, o sal é livremente dissolvido pela água”.

“Mas se toda a água corre para o oceano, o mar se enche e chegará a transbordar”. Nem é preciso adiantar que era Celsinho que tinha esse medo.

“Sim, essa é uma grande dificuldade, mas apenas para nós homens. Quem tudo organizou, pensou nisso. Aí está o sol, brilhando sorridente. Com seus raios aquece a água, cuja superfície se evapora. Os vapores são menos densos do que a atmosfera, e se elevam. Lá em cima, a temperatura é mais fria; eles se condensam e forma as nuvens. Estas são levadas pelo vento, até que seu conteúdo caia de novo sobre a terra”.

“Ora vejam! Meu chuveiro de antes era então água marinha”, opinou Jorge.

“Em última análise, sim; considerando que a água do mar evaporada, não contém sal. As nuvens não são outra coisa do que um mar, suspenso acima de nós. Talvez ainda não pensaram nisso, oceanos inteiros pairam sobre nós e aí dos homens, se eles caíssem de uma vez. No entanto, já no alto se desfazem em pequeninas gotas para cair. Contudo, ainda assim poderiam causar prejuízos, precipitando-se de tal altura. Seriam capazes de despedaçar folhas, flores e mesmo telhados. Esse mal é evitado pelo ar, sua resistência ameniza o ímpeto das chuvas e também as desvia de sua verticalidade, tirando-lhes a força de percussão”.

“A camada atmosférica é então um excelente e indispensável escudo?”

“Naturalmente! O inglês Joule, um dos fundadores da moderna teoria térmica, exprimiu-o assim: ‘Admiração e gratidão me tomam, à vista do engenho maravilhoso inventado pelo Criador, em proteção das criaturas. Sem atmosfera que nos cobrisse como um escudo, estaríamos expostos a contínuo e fatal bombardeamento’”.

“Senhor professor, de que bombardeio fala Joule?”, perguntou Cardoso, acordado pelo termo — bombardeamento.

“Ora, dos meteoros e meteoritos, que ainda hoje se precipitam para nossa Terra. Ainda bem que eles topam com a resistência do ar, logo que penetram na atmosfera da Terra. Quanto mais rápida for sua carreira, tanto maior é a resistência do ar, tanto é maior o atrito, de modo que se aquecem a ponto de se esfacelarem. Se a resistência do ar não os despedaçasse, alcançariam o globo terrestre com um ímpeto tão violento que cada estilhaço seria causa de destruição”.

O Silva observou:

“Refleti sobre o fato de a chuva, no inverno, não cair sob a forma de água gelada, mas como neve”.

“Bem, e se em vez de neve caísse gelo?”, comentou Jorge.

“Seria uma história macabra. Em poucos minutos estaria a rua cheia de colunas de gelo e dentro de cada uma, um homem se debateria nas vascas da morte pelo frio. A água gelada cobriria as árvores, mataria os brotos e botões; na primavera não haveria mais florescimento. Os campos cobertos de gelo não poderiam respirar e toda a sementeira morreria. Numa palavra, acabar-se-ia toda e qualquer vida. Assim, porém, a camada de neve é um manto quente para a terra.”

“Aliás, como são belos os flocos de neve, os cristais nos desenhos formados nas janelas”, disse Guilherme. “Horas a fio gosto de estar à janela com meu irmão e, em piedoso silêncio, observar como a neve cai leve e suavemente.”

“Sim, que formas maravilhosas! E quem é que a modela assim? — É sua propriedade, sua lei responderá o materialista. Pois não! Mas quem lhe impôs essa lei, à qual deve obedecer? Também a neve poderia constituir um grave perigo se se abatesse como horrenda avalanche. Quando vemos, em tardes de inverno, os lindos flocos realizarem sua dança silenciosa e suave, nem nos ocorre aquela pergunta: Quem será que dissolveu a ameaçadora avalanche que paira lá no alto, em tão delicados e atraentes flocos?”

“Vejam, meus amigos, toda a natureza é um livro de figuras, aberto à nossa frente. Nele, cada página nos conta, em novas palavras, em outras cores, a grandeza e bondade do Criador poderoso. O grande astrônomo Kepler escreveu, nos princípios do século 17, estas palavras: ‘Em espírito já vejo o dia em que o homem reconhecerá a Deus através da natureza como na Sagrada Escritura, e se alegrará de ambas as revelações’.

Lembram-se do Salmo 18 que já citei. Portanto, aceitemos de bom grado a chuva. É uma grande bênção para a terra. Se não exis¬tisse o ciclo da água, o capim não reverdeceria os prados, as searas não balançariam nos campos, as montanhas estariam desnudas. Sem chuva, a Terra seria devastada e deserta como a Lua fria e inanimada”…

“O sol! O sol saiu!”, gritou alguém lá fora. Durante nosso colóquio, ninguém notara que o céu se tinha aclarado. Agora, à alegre nova, todos correram para fora da barraca.

As nuvens se tinham espalhado; vitorioso, brilhava o sol sobre a terra.

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(TOTH, Monsenhor Tihamer. Na linda natureza de Deus. Editora S. C. J., 1945, p. 35-44)