Meditação para o dia 21 de Maio
Maria assistiu à agonia do seu Filho na cruz
Aqui temos a contemplar uma nova espécie de martírio. Trata-se de uma mãe condenada a ver morrer diante de seus olhos, no meio de bárbaros tormentos, um Filho inocente e diretíssimo.
“Estava em pé junto à cruz de Jesus sua Mãe” (Jo 19, 25)
É desnecessário dizer outra coisa do martírio de Maria, quer com isso declarar São João: contemplai-a junto da cruz, ao lado de seu Filho moribundo e vede se há dor semelhante à sua dor. Demorar-nos-emos a considerar essa quinta espada de dor que transpassou o coração de Maria: a morte de Jesus.
Quando nosso extenuado Redentor chegou ao altar do Calvário, despojaram os algozes de Suas vestes, transpassaram-Lhe as mãos e os pés com cravos, não agudos, mas obtusos (segundo a observação de um autor), para maior aumento de Suas dores, e pregaram-no à cruz. Tendo-O crucificado, elevaram e fixaram a cruz e O abandonaram à morte. Abandonaram-nO os algozes, mas não O abandonou Maria. Antes ficou mais porte da cruz para Lhe assistir à morte, como ela mesma revelou a Santa Brígida.
“Mas de que servia, ó Senhora minha, irdes presenciar no Calvário a morte de vosso Filho?” Pergunta São Boaventura
Não vos deveria reter o vexame, já que o opróbrio dele era também o vosso, que lhe éreis a Mãe? Pelo menos não deveria reter-vos então o horror ao delito de criaturas que crucificaram o seu próprio Deus? Mas, ah! O vosso coração não cuidava então da própria, e sim da dor e da morte do Filho querido. Por isso quisestes assisti-lO e acompanhá-lO com vossa compaixão. Ó Mãe verdadeira, diz Vulgato Boaventura, ó Mãe amante, que nem o horror da morte pôde separar do Filho armado!
Mas, ó meu Deus, que doloroso espetáculo! Na cruz, agonizando, está o Filho e junto à cruz a Mãe agoniza também, toda compadecida das penas desse Filho. O lastimoso estado em que viu seu Jesus moribundo na cruz revelou-o Maria a Santa Brígida, dizendo:
“Estava meu Jesus pregado no madeiro, saturado de tormentos e agonizante. Seus olhos encovados estavam quase cerrados e extintos; os lábios pendentes e aberta a boca; as faces alongadas, afilado o nariz, triste o semblante. Pendia-Lhe a cabeça sobre o peito, Seus cabelos estavam negros de sangue, o ventre unido aos rins, os braços e as pernas inteiriçados, e todo o resto do corpo coalhado de chagas e de sangue”
Todas essas penas de Jesus eram outras tantas chagas no coração de Maria, observa Pseudo-Jerônimo. Aquele que então estivesse presente no Calvário, diz Arnoldo de Chartres, veria dois altares onde se consumavam dois grandes sacrifícios, um era o corpo de Jesus, outro era o coração de Maria. Mais me agradam, porém, as palavras de São Boaventura, declarando que só havia um altar: a cruz do Filho onde a Mãe era sacrificada juntamente com o Cordeiro Divino. Por isso pergunta-lhe:
“Ó Maria, onde estáveis? Junto à cruz? Ah! Com muito maior razão digo que estáveis na mesma cruz, imolando-vos crucificada com vosso Filho”
Pseudo-Agostinho assevera:
“A cruz e os cravos feriram ambos, o Filho e a Mãe; juntamente com o primeiro foi também crucificada a segunda”
O faziam os cravos no corpo de Jesus, prossegue Vulgato Bernardo, operava o amor no coração de Maria. De modo que, enquanto o Filho sacrificava o corpo, a Mãe sacrificava a alma, como se expressa São Bernardino.
Maria não pode aliviar as penas de seu Filho
Fogem as mães da presença dos filhos moribundos. Quando, porém, uma mãe é obrigada a assistir um filho em agonia, procura dar-lhe todo alívio possível. Ajeita-o na cama, para que fique mais a gosto, e dá-lhe algum refresco. Desse modo à pobrezinha; vai disfarçando sua dor. Ah! Mãe de todas as mais aflitas! Ó Maria, a vós é imposto assistir Jesus moribundo, mas não vos é facultado procurar-lhe alívio algum. Maria ouve o Filho dizer que tem sede, sem que Lhe fosse permitido dar-Lhe um pouco de água para dessedentá-lO. Pode dizer-Lhe apenas, conforme as palavras de São Vicente Ferreri:
“Meu Filho tenha tão somente a água de minhas lágrimas”
Vê como seu pobre Jesus, pregado àquele leito de dores por três cravos de ferro, não podia achar repouso. Queria abraçá-lO para consolá-lO, e para que ao menos expirasse em seus braços, mas não o podia fazer. Nota que seu Filho, mergulhado num mar de angústias, procura quem o conforte, segundo a predição de Isaías:
“Eu calquei o lagar sozinho. . . Eu olhei em roda e não havia auxiliar; busquei e não houve quem me ajudasse'” (63, 3 e 5)
Mas que consolação podia Ele achar entre os homens, se todos lhe eram inimigos? Mesmo pregado na cruz, uns blasfemavam dEle e outros o escarneciam: E os que iam passando blasfemavam dele.
Maior era ainda o sofrimento, ao ver que com sua presença aumentava a pena do Filho. Daí, pois, a frase de Vulgato Bernardo:
“A plenitude das dores do coração de Maria derramou-se como uma torrente no Coração de Jesus. Sim, Jesus na cruz sofria mais pela compaixão de sua Mãe que por Suas próprias dores. Junto à cruz estava a Mãe, muda de dor, vivia morrendo, sem poder morrer”
Jesus Cristo, assim refere Passino, revelou à Bem-aventurada Batista Varano de Camerino, que nada o fez sofrer tanto como a comiseração com sua Mãe ao pé da cruz, e que por isso morreu sem consolação. E Conhecendo a bem-aventurada, por uma luz sobrenatural essa dor de Jesus, exclamou:
“Senhor não me fale dessa Vossa pena, que eu não posso mais!”
Maria ao pé da cruz é nossa Mãe espiritual
Pasmavam as pessoas que então consideravam essa Mãe, diz Simeão Fidato de Cássia, por verem-na quedar-se silenciosa, sem uma queixa ou lamento, no meio de tamanha dor. Mas, se os lábios guardavam silêncio, não o guardava, contudo o coração. Pois, a Virgem não cessava de oferecer à Divina Justiça a vida do Filho pela nossa salvação. Por aí vemos o quanto cooperava pelos seus sofrimentos para fazer-nos nascer à vida da graça. E se nesse mar de mágoas, que era o coração de Maria, entrou algum alívio, então este único consolo foi certamente o animador pensamento de que, por suas dores, cooperava para nossa eterna salvação. O próprio Salvador revelou a Santa Brígida:
“Minha Mãe tornou-se Mãe de todos no céu e na terra, por sua compaixão e seu amor”
Com efeito, outro sentido não tinham as palavras com que Jesus se despediu de sua Mãe. Como derradeira lembrança deu-nos a ela por filhos, na pessoa de São João:
“Mulher, eis o teu filho” (Jo 19, 26)
Começou desde então a Senhora a exercer para conosco esse ofício de mãe estremecida. Atesta São Pedro Damião (assinala-o Salmeron) que estando por isso Maria entre a cruz do Filho e do bom ladrão, por suas preces converteu e salvou este último. Assim o recompensou por serviços prestados outrora, quando a Sagrada Família procurava o Egito. Nessa ocasião mostrara-se o bom ladrão prestimoso e afável, conforme contam vários autores. E a Santíssima Virgem continua e continuará sempre a exercer este ofício de Mãe desvelada.
EXEMPLO
NOSSA SENHORA DAS DORES DE QUITO
Foi no dia 20 de abril de 1906. No colégio dos jesuítas da cidade de Quito, capital da República do Equador, vinte alunos tinham feito uma devoção na igreja e dirigiram-se à sala de estudo onde ficaram conversando com o Pe. Alberti, e o prefeito do colégio, porque era hora de recreio. Quatro dos menores que, na véspera tinham feito sua Primeira Comunhão, falavam entre si sobre este grande acontecimento. De repente o mais novo, de nome João Chavoz, fitou os olhos no quadro de Nossa Senhora das Dores que se achava na parede da sala, e exclamou:
“Olhem, como Nossa Senhora está abrindo e fechando os olhos”
E chamou os Padres e alunos para verem o milagre. Todos, especialmente o prefeito, responderam:
“Deixa disto é só imaginação”
Mas quando vieram afastar o menino dali, tornaram-se eles mesmos testemunhas do milagre que continuou cerca de um quarto de hora. Muito impressionado o prefeito voltou com os alunos à igreja onde rezaram o terço em ação de graças.
O quadro é uma magnífica pintura a óleo, representando Nossa Senhora com o coração traspassado por sete espadas: a expressão do rosto é muito comovente e bondosa. Por vinte vezes repetiu-se o fato maravilhoso. Na segunda vez todos os alunos estiveram presentes rezavam o terço e quando na ladainha chegaram à invocação:
“Consoladora dos Aflitos, todos exclamaram: está de novo movendo os olhos”
E os sinos começaram a tocar por si.
O Vigário Capitular abriu inquérito muito cuidadoso e seis semanas depois ordenou a solene trasladação do quadro para a igreja.
Trinta mil pessoas acompanharam a procissão e muitos incrédulos se converteram. Um homem que zombava do milagre viu de repente a imagem mover os olhos e disse:
“É verdade, ela move os olhos, quero fazer-me católico”
E tornou-se católico muito zeloso.
A cidade estava muito agitada e em vésperas de motins sangrentos. Mas todos fizeram uma novena a Nossa Senhora das Dores e logo se restabeleceu a completa paz e harmonia.
No dia 6 de julho fez sua solene entrada o novo arcebispo D. Frederico Gonçales e teve também a consolação de presenciar ainda por três vezes o milagre. Mesmo o presidente da República foi ver o quadro e Nossa Senhora olhou-o com ar de tristeza e censura, como que lembrando sua falta de religião. A última aparição deu-se em fins de julho.
Quando a imagem movia os olhos, parecia que as cores do quadro empalideciam e só o rosto de Nossa Senhora sobressaia, ora triste e chorosa, ora com amável sorriso.
As atas do exame da Cúria Episcopal foram enviadas ao Santo Padre Pio X e ele, depois de nova e minuciosa investigação, aprovou a devoção a Nossa Senhora das Dores de Quito e concedeu 100 dias de indulgências aos romeiros que diante da imagem milagrosa rezarem duas Ave Marias.
ORAÇÃO
Ó aflitíssima entre todas as mães, morreu, pois, vosso Filho tão amável e que tanto vos amava. Chorai que bem razão tende para chorar. Quem poderia vos consolar jamais? Só pode dar-vos algum lenitivo o pensar que Jesus com sua morte venceu o inferno, abriu aos homens o paraíso, que estava-lhes fechado, e fez a conquista de tantas almas. Do trono da cruz ele reinará sobre tantos corações que, pelo amor vencido, o servirão com amor. Dignai-vos, entretanto, ó minha Mãe, consentir que me conserve a vossos pés, chorando convosco, já que eu, pelos meus grandes pecados, tenho mais razão de chorar que vós. Ah! Mãe de misericórdia, em primeiro lugar pela morte de meu Redentor, e depois pelo merecimento de vossas dores, espero o perdão e a salvação eterna. Amém.
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(BRANDÃO, Monsenhor Ascânio. Um Mês com Nossa Senhora ou Mês de Maria, segundo Santo Afonso Maria de Ligório. Edições Paulinas 1ª ed., 1949, p. 147-154)