I
Demonstra-se que o primeiro meio de adquirir a Perfeição é o desejo de consegui-la
Se eu vos mencionasse todos os meios que possam coadjuvar a posse da perfeição, seria mister que vos fizesse longo tratado, que seria fora do meu intento de escrever pequeno opúsculo adaptado a capacidade e estado de toda a gente. Só vos indicarei dois meios, de que os outros dependem. O primeiro vos fará trilhar a estrada da perfeição, o segundo vos servirá de guia seguro, para caminhardes bem e fazerdes progressos nela. O primeiro é o desejo de conquistar a perfeição, e sem este nada se consegue.
Ninguém poderia aprender uma arte que não desejasse saber, e só a sabe bem quem vivamente a deseja. Se quereis ter a perfeição, desejai ardentemente obtê-la. Não julgueis soberbo o anelo de atingir a santidade perfeita; o demônio, disse Santa Tereza, faz pensar que é soberbo tão santo desejo; não o é, sim boa vontade de fazermos o que Deus exige de nós, pois é sua vontade que nos santifiquemos: Voluntas Dei sanctificatio vestra. Felizes seriamos se todos tivéssemos esta santa soberba! A de querermos ser santos!
II
Este desejo deve ser decisivo e logo praticado
Não seja tal anelo irresoluto como o de tantas almas que quereriam ser santas, mas nunca chegam a decidir-se.
“Elas se alimentam de desejos, diz Santo Afonso Maria Ligório, porém nem sequer dão um passo ao caminho de Deus. É preciso começar com enérgica resolução de nos dedicarmos completamente ao Senhor, dizia São Francisco de Sales, protestando-lhe que para o futuro queremos ser todos seus, sem nenhuma reserva, e com frequência renovarmos esta resolução”
Observai que é mister começar logo a executá-la, e não retardar sua prática.
Não vede quanto é breve o tempo da nossa vida? Quem não se adianta retrocede, inutilmente diferindo, dilatando? Talvez já gastasse parte da vida na tibieza, e já pouca resta para ocupá-la com fervor no serviço divino. Talvez que vos resta menos do que pensais. Se este espaço fosse mui breve? Vós, entretanto, o desperdiçais sem o aproveitar para vossa santificação, onde achareis a possibilidade de servir ao Senhor? Bem pensou e disse a seu Confessor uma pessoa que tinha vida tíbia: Padre quero ser santa e sê-lo depressa. Era moça, gozava boa saúde, podia esperar ainda muitos anos de vida, porém só lhe restavam alguns meses, a hora de sua morte estava próxima, ainda que ninguém o suspeitasse. Feliz criatura, que encetou logo a prática da perfeição, e poucos meses lhe bastaram para alcançá-la. Se apenas a tivesse desejado, diferido, lhe faltaria o tempo, e em vez de santa, como teria sido para o outro mundo? A perfeição não é tesouro de beleza e valor infinito? Porque retardais sua aquisição? Se houvesse um negociante tão astuto, que podendo fazer já um negócio lucrativo, quisesse esperar para a outra semana, mês, ou ano seguinte? Quando se trata de ganhar mais do que todas as riquezas terrenas! Desejai, pois com verdadeira decisão ser santa; e começai logo vossa empresa.
Principiai fazendo prático vosso desejo por uma completa entrega de vós mesma a Deus. Dizei-lhe do íntimo da alma:
“Eu e tudo que possuo entrego nas Vossas mãos, para que façais de mim o que Vos aprouver, e dispordes de mim a Vosso gosto; o que quero da Vossa bondade é que me façais santa, para que Vos ame e sirva com perfeição”
Oh! Que doce violência faz ao coração de Deus a completa e total renúncia de si própria que a alma assim Lhe faz. Embora haja sido pecadora e perversa, Deus não pode deixar de acolhê-la e abençoá-la, nem recusar-lhe as graças precisas para se santificar. Ninguém no mundo pode imaginar quanto ela há de crescer na perfeição, e que grande obra fará para glória do Senhor! Não é meu este pensamento, sim de Santo Inácio de Loyola:
“Os homens não sabem o que chegariam a fazer para seu bem e para o dos próximos, se, sinceramente se entregassem nas mãos de Deus”
Bem-aventurada sereis, alma devota, se fizésseis tal experiência! Como começareis a executar bem o santo desejo da vossa santificação! Nesta oferta consiste verdadeiramente o segredo da perfeição. Por amor de Deus e por caridade por vós mesma, fazei sem demora esta oferta plena e total, e renovai-a frequentemente. Tal abandono de nossos interesses nas mãos de Deus, que é Pai infinitamente bom, consola muito somente imaginá-la; o que será tendo-se a ventura de fazê-la realmente! Que confiança, paz, júbilo deve infundir no vosso coração! A alma que tivesse a graça de fazê-la uma vez com perfeição, digo-lhe que será santa com certeza; parece-me que a bondade de Deus a abraçaria com tão amoroso amplexo, que eternamente não permitiria que dEle se separasse, comunicando-Lhe suas eternas delícias.
III
Demonstra-se que não se ter no passado este desejo, não nos há de desanimar
Não desfaleça vosso santo desejo com o pensamento maligno, que tendo já por vezes querido entrar pelo caminho da perfeição cristã, e não o tendo conseguido, por isso também agora o não conseguireis, mau pensamento que produz funesta desesperação! Se até agora não fostes bem sucedida, a causa foi porque não quisestes. Deus tendo-vos inspirado o desejo da perfeição cristã, concedeu-vos a graça precisa para obtê-la, pois o Senhor não faz coisas inúteis, e sê-lo-ia dar um bom desejo sem o socorro indispensável para executá-lo. Sabe o Senhor que sem o auxílio da graça nenhum de nossos bons propósitos se havia de realizar, por isso o desejo vem com os meios de praticá-lo. Fostes vós que abusastes desta graça, e a não quisestes aproveitar, culpa foi da vossa má vontade; afervorai-a e sereis bem sucedida. Agora novamente Deus vos dá o desejo de santificar-vos, é este o penhor da graça que se digna conceder-vos para ultimar tão santa empresa. Procurai enfim com energia decidir-vos a acolher tal mercê, e tereis o ditoso êxito. Santa Tereza afirma, “que o Senhor não deixa de favorecer os desejos verdadeiros para que se passam executar“. Também diz Santo Afonso Maria de Ligório: Ainda que mil vezes no dia caísses em faltas contra a perfeição, não vos domine a desconfiança, outras mil vezes orai e fazei novamente propósitos de não recair. A desconfiança seria vossa ruína; a esperança firme e constante vos há de salvar; e vos fará alcançar a desejada perfeição. Sejam sempre vossos pensamentos grandes e animosos, o que muito bem vos fará. Alguns corações mesquinhos que vivem em contínua ansiedade, e que fazendo uma falta quase desesperam, não agravam assim a bondade do Senhor? Humilhemo-nos, arrependamo-nos quando resvalamos na culpa, mas não desanimemos nunca.
IV
A Oração assegura a eficácia dos bons desejos
Em verdade vos digo, pedirdes qualquer coisa a meu Pai, em meu Nome, vo-lo dará (Jo 16). É uma espécie de juramento, com que o próprio Cristo assegura que se pedirmos qualquer coisa em seu Nome, será concedida. Dizem os Padres, que implorando graças para a vida eterna, então se pede por Jesus Cristo, Salvador nosso. Vede que o Senhor empenhou sua palavra, e contraiu verdadeira obrigação consigo mesmo, com Sua indefectível lealdade, o que significa que esta promessa não permite que nenhuma de nossas orações, feita para obter alguma mercê salutífera para a vida eterna, seja deficiente em no-la dar. Cristo não tem obrigações conosco, mas as tem consigo. Não há mercê mais preciosa para a vida eterna do que seja a perfeição cristã, e acima de todas devemos esperar da Sua misericórdia; se fervorosamente a implorarmos, como convém. Santo Agostinho dizia singelamente ao Senhor: Si has preces non audis, quas preces exaudies?
Senhor, se não atendeis esta oração, qual será a que atendereis? Eis o verdadeiro modo de fazer eficaz o bom desejo da perfeição. Sem o grande meio da oração nada valem as admoestações, todas as diligências, propósitos, etc.; a oração às excede todas, pois tudo o que é necessário para nos santificar se alcançará.
Quando a alma se sente abrasada no bom desejo de ser santa, implore assim o Pai Eterno:
“Em nome de Jesus Cristo vos peço que me concedais a graça de ser santa; de outras não tenho necessidade; esta a quero por todo o custo, e firmemente a espero da Vossa bondade, visto que o próprio Jesus Cristo me prometeu que me atendereis”
V
Outro meio de obter a Perfeição é ter-se bom Diretor espiritual
O segundo meio que vos proponho, vos há de conservar na verdadeira estrada da perfeição, sem declinar para um lado nem para o outro, e fará que aproveiteis bem dos outros necessários e próprios para adquirir a perfeição, o qual não menciona. Deveis eleger um bom Diretor, a quem haveis de obedecer em tudo. Os meios de obter a perfeição, além do desejo, são muitos e variados, a oração vocal e mental, a frequência dos Sacramentos, a mortificação, o culto amoroso a Maria Santíssima, etc., mas não convém a todos os devotos uma regra geral; é mister que cada pessoa use destes meios conforme sua condição e possibilidade. Lê-se em alguns livros devotos que para a santificação é preciso com intervalos certos, receber os Sacramentos, fazer oração mental em tempo marcado, praticar estas ou aquelas mortificações, etc. Tudo isto é bom falando em geral, mas não em particular; são coisas que se devem harmonizar conforme as condições, a capacidade, e o estado da pessoa. Um bom Diretor saberá o que convém melhor a cada uma para chegar à perfeição, conhecendo o que é possível e conveniente que faça. Um método de vida designará à religiosa, outro à pessoa secular, um à solteira, à casada convirá outro, serão diversos os do mercador, camponês, soldado, sábio, ignorante; todos seguindo a regra do Diretor se santificarão, embora uns não façam o que outros fazem. De uns há de exigir diariamente uma hora de oração mental, para outros se contentará com o Terço, de alguns há de exigir que recebam os Sacramentos uma vez por semana, e talvez mais Comunhões, para outros devotos se limitará a que os recebam todos os meses, entregai-vos nas mãos do vosso Pai espiritual, fazei o que vos disser e caminhareis segura para a meta da perfeição. Refleti, porém que sendo diversos os métodos para consegui-la, não são todos necessários para todas as pessoas. Deus atrai e une a Si as almas de diversas maneiras, umas com maior austeridade de vida, outras mais severas recolhimento e silêncio, outras com maior número de obras de caridade e zelo; assim Sua graça, que opera com força, mas também com suavidade, costumam adaptar-se às diferentes índoles das pessoas, e sem destruir suas variadas inclinações, as inclina e dirige para a aquisição da desejada perfeição, como já dissemos. Pertence ao Diretor dar as regras particulares, sem as quais as gerais seriam infrutíferas e até nocivas, se se querem praticar sem prudente consideração. Nesta empresa tão importante de serdes santa procurareis executar os meios próprios, mas em tudo dependereis do Diretor espiritual com perfeita submissão e obediência.
VI
Digressão acerca do ânimo que infunde na alma devota esta doutrina
Apresento-vos uma digressão adaptada e útil ao meu intento, que é animar-vos a aspirardes eficazmente à perfeição. Visto que nada se exige que a alma não possa fazer. Talvez me direis: eu não posso rezar muito tempo. Sendo assim, rezai pouco, o que vos há de bastar, vendo Deus, que rezais o breve tempo que vos é possível, por este motivo não vos negará o Senhor nenhuma graça; depois vos dará também o espírito de oração, para que façais fervorosas e frequentes jaculatórias durante o dia, de forma que, apesar das interrupções rezareis muito, quase sem o saberdes.
Direis: eu não sei fazer oração mental, nem posso aprender a fazê-la, apesar de muitas diligências. Entendo que falais da meditação metódica e artificial em que se fixam os pontos, se alternam a aplicação da mente e os atos da vontade, e em que se marca o tempo, etc. Visto que a meditação, isto é a reflexão do nosso espírito sobre as máximas eternas, sendo necessária, podem fazê-la todos sem exceção; com efeito, quem não saberá e poderá refletir, que Deus castiga os maus e premia os bons, e que por nosso amor encarnou-Se, sofreu, etc.? Segue-se que falais da meditação metódica. Não sabeis nem podeis aprender a fazê-la? Se assim é, segue-se que para vós não é necessária, adiante vereis o que diz a este respeito São João da Cruz.
Vós me direis, eu não posso frequentar muito os Sacramentos: minhas ocupações, ou meu marido, ou talvez meus pais o não consentem. Sendo assim frequentai-os por meio do desejo, evitai pecados, para não precisardes confessar-vos, fazei comunhões espirituais, e Deus permitirá que supram as Sacramentais. Se só puderdes receber os Sacramentos uma vez por ano, isto vos bastará para vos santificardes, e até se nem anualmente os poderdes receber, como sucede a alguns cristãos que vivem nos desertos da Ásia, da África e América, que não tem Sacerdote que habite onde eles vivem.
Direis: Não posso fazer leitura espiritual na vida dos Santos e livros devotos por que me falta o tempo. Sendo assim, limitai-vos a ouvir nas festas as prédicas doutrinais, e a instrução que receberdes deste modo para vós será suficiente. Se me disseres que nem estas prédicas podeis ouvir, porque tendes a desgraça de haver nascido de pais, ou tendes marido incrédulos que não vos deixam ir nem ao ensino do catecismo, apresentai vossa necessidade ao Senhor, para que não vos falte o pão espiritual. É bom Pai, há de acudir-vos, portanto, sossegai enquanto dura vossa impossibilidade, a leitura espiritual e os sermões não vos são necessários, suprindo Deus de outra forma com suas inspirações que diretamente vos envia por si e pelo vosso Anjo Custódio.
Direis talvez: não tenho jeito para o retiro espiritual, silêncio, nem para a vida austera. Segue-se que não tendes vocação para ser freira, separada do mundo, nem para o rigor de vida mui mortificada. Portanto evitai somente as companhias, conversações, saraus, e divertimentos perigosos ou pecaminosos, resguardai a língua para que não se desmande em palavras ofensivas da caridade, religião, dos bons costumes, e mortificai vossas paixões desordenadas, observai as abstinências mandadas pela Igreja, e assim podereis ser santa. Em vez de vos distinguir na virtude do retiro, do silêncio, penitência, a graça de Deus moldando-se ao vosso caráter e à vossa compleição, vos fará sobressair em outra virtude, por exemplo, na mansidão, obediência, justiça, etc. Enfim dizei-me o que quiserdes, para que eviteis o pecado mesmo venial, e nas coisas indiferentes façais o que sabeis que mais apraz a Deus, e conforme vossas forças vos exercitardes na prática dos meios santificantes, ficareis santo. Dizei-me: se esta doutrina não é consoladora, qual a será?
Porém será igualmente certa? Desafio-vos que acheis argumentos capazes de atacá-la; todavia para vos convencer completamente, que esta doutrina não é minha, mas sim dos Santos; ouvi um dos maiores mestres espirituais que ilustraram a Igreja de Deus, São João da Cruz faz falar assim o divino Esposo à alma sua esposa no Tratado dos Espinhos Col. 7º.
«Se meus servos com atenta reflexão considerassem a minha estrada, veriam que não é só uma, mas são muitas aquelas por que os chamo, e se refletissem também que a Jerusalém celeste, não tem uma, mas sim doze portas, e conhecessem que na casa de meu Pai não há só uma, mas muitas mansões, e pensassem que o terreno de seu coração dá variados frutos, não se afadigariam em quererem encaminhar todas as almas por um só caminho, e fazê-las entrar por uma porta, e colocá-las na mesma habitação, e exigirem de todos igual fruto… Não te lembras que repartindo os talentos e as graças, a um dei um talento, a outro dois, a ao terceiro cinco? Não se canse algum servo meu querendo adquirir dois talentos de oração, se de mim recebeu só um, nem busque cinco o que teve dois. Minha vocação é mais forte do que a sua, e quando chamamos a alma por uma estrada, pouco lhe serve quererem seguir outra»
Disto se deduz que não se há de exigir de cada alma esta ou aquela prática particular, das não ordenadas, e convém avaliar o grau de capacidade de cada um, e conforme esta dirigi-lo para a conquista da perfeição.
Para designar um exemplo particular, que exercício espiritual pode ser mais útil do que a oração mental para adquirir a perfeição? Todavia é certo que não se pode exigir de todas as almas? Citemos de novo São João da Cruz na obra já mencionada, fala o Esposo:
«A primeira estrada é a da oração vocal. A quem a concedo dou um talento, é tão bom, que se souber negociar com ele, possuirá o Céu…
Bastantes almas aprendem de cor o Terço e outras orações devotas, depressa se ateia no seu espírito a devoção, fechando os lábios esta se gela na sua alma. Para estes convém-lhe a estrada mencionada, e cumpre que o Confessor as ajude assim.
Se não podes meditar, minha filha, não desejes o que eu não quero que possas, pois querendo o que não me apraz não se realiza teu desejo, e te atormentas debalde. Começa, pois a querer o que eu quero, e conseguirás teu intento e terás paz. Se eu te não dou estes dois talentos, queres tê-los à força? (Diz que dá dois talentos a quem concede o dom da meditação). Certamente não; humilha-te, e aceita o que Senhor te concede, sem dúvida é melhor para ti do que a realização do teu anelo»
Não quero que suspeites que eu dou pouca valia a qualquer exercício pio, ou aos meios que conduzem à perfeição, principalmente à meditação metódica, da qual fala aqui São João da Cruz: todos estimo muito, sobre tudo a oração mental feita, com método, tão apregoada pelos mestres espirituais; todavia tendo eu o intento de convencer-vos e persuadirmos que para a santificação de cada alma não se requer coisa alguma que não possa fazer, não podia deixar de avisar-vos que nem todos os meios próprios para a perfeição são necessários para consegui-la.
Quis também, de preferência a outras, apresentar a decisiva autoridade do mesmo Santo, para que as almas se confirmem na certeza que não devem fazer o que acham melhor, ou mais lhes agrada, mas devem docemente deixarem-se guiar pela vereda que lhes indica o espírito do Senhor.
O esforço é necessário para vencer e refrear nossas desordenadas paixões, por isso cumpre empenharmos em ser obedientes, castos, mansos, etc.
Mas não é preciso nem útil introduzir-se na estrada da perfeição, para que não somos chamados, por isso não é bom esforçar-nos por seguir um método de oração que excede nossas forças, ou um teor de vida para a qual não somos destinados. Quem pode ser juiz em causa própria, avaliar exatamente sua capacidade, habilidade, fortaleza, inclinações razoáveis, etc.? Ninguém: por isso é necessário deixar-se dirigir, e regular pelo Diretor espiritual, que iluminado por Deus, conhecerá o que podemos fazer, e o que devemos seguir acerca dos diversos meios da santificação.
VII
Prova-se a necessidade da obediência ao Diretor
A obediência é a primeira virtude que deveis procurar, aproveitando o que vos sugere e as regras espirituais que vos der o Diretor; se entrais no número das pessoas que dizem aspirar à perfeição, mas são desobedientes, ao seu Diretor, ai de vós! Em vez de vos aperfeiçoar vos atrasareis dia por dia. Obedecei, obedecei perfeitamente; não vos lisonjeeis de obter a perfeição com o vício da desobediência. É possível que sendo a humildade o fundamento da santidade, imagineis substitui-lo por uma das piores filhas da soberba, como é a desobediência? Fugi da pretensão orgulhosa de investigar as razões porque o Diretor vos ordena ou proíbe qualquer coisa; também evitai a diabólica suspeita que talvez o Diretor não vos compreenda e conheça bem. Ele é iluminado por Deus, deve entender a razão por que vos ordena umas coisas e proíbe outras, e não vos toca investiga-las. O Senhor lhe revela o estado da vossa consciência; se não o conhecesse a fundo, nada vos ordenaria; se o faz é porque vos conhece.
Esta pretensão e suspeita são a origem das mais nocivas desobediências. Parece impossível que algumas almas que querem ser devotas, se deixem arrastar por satanás, grande demônio da soberba, a desobedecerem continuamente ao Diretor, e tenham tantos escrúpulos de outras coisas, e nenhum da desobediência em que vivem. O próprio Papa, Vigário de Cristo, Chefe e mestre de toda a Igreja Católica, que tem doutrina, luz e autoridade para governar aos pastores e fiéis do mundo católico, o Papa, se deve submeter acerca da sua consciência, e obedecer perfeitamente ao seu Diretor espiritual, pode haver pessoa tão soberba que não queira obedecer? Seria este o modo de nos santificarmos! Deus nos defenda de imitarmos estas almas desobedientes! Em que deveis obedecer? Diz-se em uma palavra: em tudo que diz respeito a vossa consciência, acerca das coisas que deveis dizer ou calar na confissão, sobre as comunhões mais ou menos frequentes, sobre as orações e outras práticas devotas que haveis de empreender ou abandonar acerca das mortificações que vos convém fazer ou não, etc. Deveis obedecer nisto e nas outras semelhantes concernentes á direção de vossa alma. Observai esta sentença de Santa Tereza:
“Vendo o demônio que não há vereda que conduza tão depressa ao cume da perfeição como a da obediência, apresenta nela amofinações e dificuldades com a aparência de virtude…”
Por isso se com o pretexto de maior bem fordes tentada a desobedecer, repeli a diabólica sugestão.
VIII
Demonstra-se que não é mui difícil ter-se bom Diretor, e se não o pudéssemos ter, Deus suprirá sua insuficiência
Deverá ser bom; o que é mui importante, e direis que é mui difícil tê-lo; não vos assusteis nem por este motivo; vimos que a santificação não é mui dificultosa, se o fosse achar bom Diretor, haveria grande dificuldade em a obtermos.
Pergunto-vos em primeiro lugar se habitais onde haja bastantes confessores para fazerdes a escolha ou se residis onde há um só, é necessário contentar-vos com este, se pela distância não podeis ter outro, este confessor será bom para vós, pois vendo Deus vossa reta intenção de ser santa, o tornará bom embora o não seja em si. O Senhor diz por meio do Profeta, bastantes vezes: Linguas infantum fecit disertas, e nada lhe custa fazer falar sapientemente os meninos inexperientes quando concorrem para sua glória às palavras deles, não lhe pode custar fazer falar bem e com sabedoria espiritual para vosso bem, um ministro seu mesmo não sendo muito instruído e prudente. Quando uma alma vai se confessar com boa vontade a qualquer ministro de Deus a quem pode recorrer, este não fala pelo espírito próprio, o Senhor lhe sugere os sentimentos; e fala como doutor o santo, embora não o seja. Explicando Cornélio a Lápide as palavras da Sapiência:
“Procurai-o na simplicidade do vosso coração, refere uma sentença do Bem-aventurado Doroteu, que aquele que simplesmente procurar Deus e a execução da sua santa vontade, não lhe faltará, mestre espiritual, e se não houver sábio que o dirija, o Senhor o suprirá até por uma crença a quem infundirá luz e prudência para este fim”
Não podendo escolher, contentai-vos com o Confessor que podeis ter, há de guiar-vos bem, pois Deus não permitirá que vos guie mal.
Se me objetardes que algumas almas mais desejosas da perfeição escolhendo Diretor não acertaram bem, e Deus permitiu que houvesse algumas negligências ou imprudências na sua direção, como se queixou Santa Tereza, e Santa Joana de Chantal; se disseres isto, responderei que bastantes vezes permite o Senhor acerca das almas boas que sofram males menores, para serem mais acauteladas, por isso deixou-as iludirem-se acerca dos Diretores, que de certo modo eram insuficientes, permitiu também que a inexperiência destes as ensinasse a escolherem melhor os novos Diretores, e aproveitassem sua experiência para o bem de muitas almas, que tais devotas fervorosas haviam de ensinar. Assim o mal sofrido foi pouco, e na presença de Deus mais suposto do que verdadeiro, e o bem foi muito para si e os outros, que resultou destas escolhas deficientes. Não duvideis, pois que as almas que sinceramente procuram a Deus, e suspiram pelo seu amor, nenhum dano ou erro lhes sobrevenha senão para vantagem e melhor ensino seu. Se assim vos acontecer não ficareis contente?
IX
Mostra-se que havendo vários Diretores a escolher, se deve preferir um dos melhores, e sugerem-se algumas advertências para a escolha
São mui poucas as pessoas obrigadas a ter um Confessor sem poderem eleger outro. Nas cidades e freguesias do campo, não sendo numerosos, há, porém vários, e às vezes se pode recorrer aos dos lugares vizinhos; é certo que podendo fazer-se escolha não convém tomar Confessor ao acaso. Eles são todos bons, mas não igualmente; são como os médicos, todos destinados a curar moléstias, mas uns são mais doutores e experimentados do que os outros; se consideramos dever preferir entre todos os mais peritos e célebre para tratar de nossos males corporais, com mais razão somos obrigados a eleger Confessor entre os mais sábios para curar os espirituais?
Como poderá um logista, uma mulher ignorante, uma moça, talvez rústica e simples discernir, escolher um Confessor bom? Parece difícil, mas se quiserem achá-lo o terão; se pertenceis à classe destas pessoas, em primeiro lugar implorai a Deus a favor desta escolha, e acreditai que há de suprir tudo que vos for impossível; seria excelente fazer uma novena ao Espírito Santo, recorrer à intercessão de Nossa Senhora e do Anjo Custódio; procurando assim Diretor espiritual não acertareis mal. Lembrai-vos também do Evangelho que diz: a boa árvore dá bons frutos, o que a má não pode fazer. O procedimento, as obras dos Ministros de Deus dão muita luz para se conhecer se são verdadeiramente bons e dignos de lhe confiarmos à direção da nossa alma. Quero supor que estais em um lugar onde são bons todos, e por isso se pode comparar as árvores boas, que dão excelentes frutos; trata-se, porém de eleger um entre os melhores; refleti que sendo verdade que das boas árvores brotam úteis frutos, também o é que as melhores os dão mais preciosos. Convém escolherdes algum que por suas caridosas obras, procedimento sacerdotal e edificante, se distingue entre os bons Confessores, preferi os que mais devotamente celebram a Missa, que tem mais espírito de oração, gozam a fama de serem mais instruídos e pregam (há ótimos confessores entre os que não pregam), mostram maior empenho e fervor pela salvação das almas, e que se dedicando mais ao seu ministério, vivem longe dos passatempos e conversações mundanas. Entre estes achareis os melhores Confessores, e fareis feliz escolha. Entre os que possuem este complexo de boas qualidades desejo que escolhais um dos que tem mais facilidade em conceder a Comunhão frequente e até diária aos seus penitentes. Digo-vos isto porque entre todos os meios de santidade o mais eficaz é sem dúvida a Comunhão frequente e diária. O mais eficaz diretamente em si, porque, não há prática devota de que proceda tanta abundância de graças, nem outro Sacramento que tanto as infunda, como a Comunhão. É também mais eficaz indiretamente, pois a alma cristã não tem maior estimulo para se conservar limpa de culpas do que pensar que todos os dias há de Comungar, para frequentar os piedosos exercícios e fazer os atos das virtudes cristãs, conhecendo que não pode combinar com a frequência da Comunhão a vida tíbia e inútil; ao mesmo tempo tem nela fortíssimo auxílio para executar bem todos os deveres e atos devotos e virtuosos.
Se escolherdes um Diretor dos mais propensos a conceder a Comunhão frequente e diária aos seus penitentes, alcançais o meio assíduo mais eficaz para a vossa santificação.
Refleti que a Comunhão frequente e até diária, era recomendada por todos os Santos Padres e praticada ordinariamente pelos cristãos da primitiva Igreja. O Concílio do Trento desejou que se renovasse seu uso (Sess. 22) o Catecismo Romano a recomenda expressamente aos Párocos e fiéis. Além de que a Comunhão deve conceder-se não só às almas santas e perfeitas; mas a todas que vivem na graça de Deus e desejam aperfeiçoar-se no seu divino serviço. Todavia é contra a Comunhão que se tem estabelecido e exagerado lamentáveis preconceitos, confirmados pelos Jansenistas e outros rigoristas dos últimos tempos. Preconceitos que refuta bem Monsenhor de Ségur no seu precioso opusculo: A Sagrada Comunhão, obra elogiada por Pio IX, que disse que ela continha a verdadeira regra da Comunhão conforme o sentido do Concílio de Trento, e que desejava que fosse distribuída a todas as crianças que a fazem pela primeira vez, e que todos os Párocos a deviam ter.
Alma devota, para vosso bem, leia esta obrazinha, mas ainda desejo mais que tenhais bom Diretor espiritual, daqueles que facilitam a Comunhão aos seus penitentes.
Voltando ao assunto, exorto-vos que achando bom Diretor não o deixeis sem causa justa, e o encareis como outro Anjo enviado por Deus que com o que vos designou para Custódio, vos deve guiar para o Céu.
Será bom manifestar-lhe vossa resolução de tornar-vos santa; dir-lhe-eis, até agora tenho sido preguiçosa no serviço do Senhor, e não me lembrava de santificar-me, mas atualmente sua bondade me iluminou e fez conhecer a grande culpa que fazia amando tão pouco um Deus tão bom; agora quero santificar-me, e peço a Vossa Reverendíssima que me ajude e guie na vida nova que in¬tento empreender.
Nosso Diretor assim ficará animado a sugerir-vos o que achar próprio para a vossa perfeição, seria humildade falsa e vexame desarrazoado não lhe revelar vosso reto propósito.
X
Protótipo de um bom Diretor
Se vos apraz um protótipo de Diretor para modelo da vossa escolha eu vo-lo apresento e finalizo. Quem se há de designar entre os ótimos Diretores que tem ilustrado a Igreja? Aos milhares se me apresentam, todos admiráveis, mas perdoe-me, o que agora atrai meus olhos é São Filipe Neri. Deixando de parte os dons extraordinários com que foi enriquecido com profusão, e que não podemos exigir em nosso Diretor; eis o protótipo deles. Seu zelo era tão prudente em ouvir as confissões, que permanecia no confessionário mesmo quando não havia gente a confessar, com a esperança que chegasse algum pecador, que aproveitasse a facilidade; quando vinha algum, até interrompia a reza do Breviário, para que o pecador não esperasse sequer um momento. Maneiras suaves para assim dizer festivas, eram as suas, coração grande, a quem cabia o que disse Salomão, sicut arena quae est in litore maris; por isso a ele recorriam, e voltavam contentes os mais aflitos, tranquilos os mais agitados, confortados os pusilânimes, reanimados pela esperança os mais desesperados.
Infundia nos penitentes a elevada ideia que tinha da bondade divina, os inflamava no santo amor em que ardia, e por este meio conseguia que seus penitentes fizessem quanto convinha à sua salvação. Inimigo dos escrúpulos e de todas as sutilezas e desconfianças que os acompanham com tanto dano da perfeição.
Contrário às máximas de rigor que só servem para esfriar o amor divino nas pessoas de mais reta vontade, e a fazer-lhes esquecer que Deus é Pai. O Santo tinha o espírito flexível para com todas as inclinações e tendências do caráter, da classe e estado das pessoas, o que as atraía para Deus sem violência. Era douto com os doutos, ignorante com os ignorantes, menino com os meninos, omnibus omnia factus, como São Paulo. Era tão zeloso da pureza virginal, que depois de ter falado e confessado longos anos, as belezas mais célebres de Roma, não as conhecia de vista. Vivia tão desapegado do amor da fortuna, que acabando de compor um livro o vendia para dar de esmolas seu preço. Era tão devoto de Nossa Senhora, que mesmo doente passava as noites em doces colóquios, de forma que seus enfermeiros desde o pôr do sol ao amanhecer, não davam fé das longas horas e às vezes pensava que as Aves Marias da madrugada era o toque das da tarde. Eis um admirável protótipo de Diretor espiritual, não direi que o procureis igual, porque seria mui difícil achá-lo, mas que de algum modo se lhe assemelhe nestes pontos de tanta importância.
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(Blósio, Venerável Luis; FRASSINETTI, Padre José. Bálsamo Espiritual. B. L. Garnier, Rio de Janeiro, 1888, p. 216-251)