Meditação para o Oitavo Sábado depois de Pentecostes
SUMARIO
Destinaremos a nossa meditação em considerar seis modos de perder o tempo a fim de evitar tão grande perda.
— Tomaremos depois a resolução:
1.° De nunca estarmos ociosos, e de nos ocuparmos sempre em alguma coisa útil à salvação;
2.º De santificarmos as nossas ações, ainda as mais comuns, como a comida, o descanso, o trabalho, e o mesmo dormir, com a pura intenção de agradar a Deus.
O nosso ramalhete espiritual será o conselho dos nossos livros santos:
“Não deixeis passar uma partezinha do tempo que Deus vos concedeu” – Particula boni doni non te praetereat (Ecl 14, 11)
Meditação para o Dia
Adoremos Jesus Cristo como supremo juiz a quem um dia havemos de dar conta de todos os momentos da nossa peregrinação na terra. Adoremo-lO, recomendando-nos pela boca do Sábio, que não deixemos perder a menor parte de um dos nossos dias (1), e supliquemos-Lhe que nos permitia empregar tão perfeitamente o nosso tempo, que todos os nossos dias sejam dias cheios de méritos e boas obras (2). Para isto, roguemos-Lhe que nos faça compreender bem os seis modos de perder o tempo, a fim de não cairmos em algumas dessas ciladas em que tantas almas perecem.
Primeiro modo de perder o tempo
Perde-se o tempo não fazendo nada. Todas as faculdades na nossa alma parecem embotadas; não pensamos em coisa alguma, não sabemos o que havemos de fazer da nossa pessoa e do nosso tempo; ou se pensamos em alguma coisa, é em frivolidades, em vãos projetos, em quiméricos desígnios. Se não temos em que ocupar-nos, procuramos passar as horas, desde manhã até à noite, em conversações frívolas, em visitas sem objeto determinado, em passeios, em jogos, em diversões que pode inventar a preguiça, e desperdiçamos todos os nossos momentos.
Não temos nós muitos motivos de nos arguirmos neste ponto?
Segundo modo de perder o tempo
Perdemos o tempo, quando o empregamos em obrar mal. Tal é o pecado dos que gastam o tempo em ler romances, dramas ou outros escritos que pervertem os costumes, em criticar o próximo e a dizer mal dele, em frequentar companhias perigosas, em ir a certas reuniões, onde a alma está exposta a todas as seduções, em formar projetos de vingança, de ódio, ou contrários à justiça, em ouvir as sugestões de Satanás, que insinua maus pensamentos ou maus desejos.
Que nos diz a consciência a este respeito?
Terceiro modo dê perder o tempo
Perdemos o tempo praticando ações indiferentes, isto é, que nada têm de repreensíveis em si nem na maneira como se praticam, ruas que se fazem maquinalmente sem um fim bem determinado, ou com intuitos puramente humanos o naturais: por exemplo, comer unicamente porque se tem fome ou é a hora de refeição; deitar-se, porque se deseja dormir; descansar, porque se está fatigado; conversar, porque recreia; ir ver certo objeto raro por curiosidade. Evidentemente tudo isto é sem merecimento, porque é feito sem ter em vista Deus. Que perda e que desgraça! Para tornar digna do céu uma destas ações que se chamam indiferentes, bastaria uma reta intenção.
Que motivos de nos arguirmos não temos nós ainda neste ponto!
Quarto modo de perder o tempo
Perdemos o tempo ainda quando fazemos boas obras, mas que não estão na ordem dos nossos deveres. É o pecado dos que se esquecem de que os deveres do seu estado preferem a tudo; que, sem regra na conduta, fazem tudo antecipadamente, e nada na hora determinada; que pensam muitas vezes no que devem fazer e se resolvem quase sempre a fazer o que não deveriam fazer; que se demoram muito tempo a orar na igreja, quando o dever os chama a casa; que se ocupam em exercícios piedosos ou em boas obras, quando conviria que se ocupassem no governo doméstico; que dormem, quando conviria que se levantassem; que oram, quando conviria que trabalhassem, ou trabalham, quando deveriam orar.
Não se dá isto conosco?
Quinto modo de perder o tempo
Perdemos o tempo até fazendo boas obras, que estão na ordem dos nossos deveres, e isto pode acontecer de duas maneiras:
1.° Quando estamos em pecado mortal: porque, neste estado, todas as obras são mortas, não meritórias diante de Deus; todo o bem que fazemos pode sem dúvida dispor Deus a conceder-nos a sua graça para nos convertermos, mas não pode ter nenhum valor para a salvação;
2.° Quando fazemos boas obras por vaidade e ostentação para nos distinguirmos e obtermos a estima dos outros, em vez de as referirmos a Deus; quando fazendo bem, por exemplo, uma esmola a um pobre, somos movidos somente por um sentimento puramente humano, uma comiseração puramente natural.
Entremos aqui em nós mesmos: quantos méritos assim perdidos, porque obramos sem ter em vista Deus, por nossa própria satisfação, por amor-próprio ou vaidade! E que riquezas para o céu amontoaríamos se, todas as vezes que fazemos qualquer obra, disséssemos a Deus:
É para Vos agradar, Senhor; é tudo por Vosso amor!
Sexto modo de perder o tempo
Finalmente perdemos o tempo, ainda fazendo com reta intenção o bem, que está na ordem dos nossos deveres, quando o não fazemos no tempo, lugar, da maneira e com as mais circunstâncias que Deus exige de nós. É o que sucede com certas pessoas que não fazem bem o bem, que o fazem de má vontade, em tempo e lugar inoportunos, sem fervor e aplicação de espírito, sem ser por amor de Deus e de sua glória, e com outras imperfeições que não tratam de remover. Nestes casos, os merecimentos perdem-se, ou pelo menos diminuem-se. Que vasta matéria de exame!
Resoluções e ramalhete espiritual como acima
Referências:
(1) Non defrauderis a die bono (Ecl 14, 14)
(2) Et dies pleni invenientur in eis (Sl 72, 10)
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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo VI, p. 38-41)