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O que devemos fazer na Desconsolação

166 o que devemos fazer na desconsolacao monsenhor hamon

Meditação para a Terça-feira da 4ª Semana depois da Páscoa

SUMARIO

Meditaremos sobre o procedimento que devemos ter no estado de desconsolação, e veremos, que então convém, que nos resguardemos:

1.° Da desanimação que nos-leva a relaxarmo-nos;

2.° Da perturbação que tira a paz da alma.

— Tomaremos depois a resolução:

1.° De aceitarmos de boa vontade o desgosto, o enfado, e a desconsolação, que nos sobrevierem no cumprimento dos nossos deveres;

2.° De nos conservarmos tranquilos e pacientes, não obstante as nossas dores interiores.

O nosso ramalhete espiritual será a palavra do Salmista:

“Em terra deserta, e sem caminho e sem água; nela me apresentei a vós como no santuário” – In terra deserta et invia et inaquosa, sic in sancto apparui tibi (Sl 62, 3)

Meditação para o Dia

Adoremos Jesus Cristo provado na cruz pelo abandono do seu Pai:

“Deus meu, Deus meu, exclama Ele, porque me desamparaste?” (Mc 15, 34)

Bndigamo-lO por se haver dignado passar por este estado de abandono e de desconsolação, para nos animar a suportá-lo.

PRIMEIRO PONTO

Nos dias de Desconsolação convém, que nos resguardemos da Desanimação

Servir a Deus, quando nisso se acha prazer, é coisa fácil; mas trazer a cruz sem sentir a sua unção, levar, como por força, à oração um coração frio e insensível, meditar sem gosto, comungar sem atrativo, cumprir os deveres sem consolação, numa palavra, ser nas relações com Deus como um estúpido, como um jumento (1), é o que muitas vezes descoroçoa e causa uma tristeza e melancolia, que nos torna insuportáveis a nós mesmos e aos outros. Neste estado é muito para temer, que não se acabe por abandonar tudo; porque então já não se tem ânimo para coisa alguma. A uma tentação tão perigosa, é preciso opor:

1.° Os Direitos de Deus. Deus tem direito de exigir os nossos serviços nas mesmas coisas, em que não achamos prazer. Nunca um servo foi autorizado a não servir o seu senhor, pela razão que o que lhe mandaram o desgostava ou lhe desagradava: ora Deus é o nosso Senhor, e tem sobre todos os nossos atos um direito imprescritível, independente dos nossos gostos como das nossas repugnâncias (2).

2.° A Lei da Penitência. Nós temos pecado muito, pecamos ainda todos os dias. Ora a melhor penitência por tantas culpas, é servir a Deus a despeito dos nossos gostos e das repugnâncias da natureza contristada. É esta a razão, porque os Santos, quando recebiam consolações sensíveis e como afagos da graça, diziam: Isto, Senhor, não convém a um pecador como eu (3); e quando experimentavam dores interiores:

É assim, Senhor, diziam eles, que eu devo ser tratado; as minhas iniquidades quotidianas merecem este castigo o multo mais ainda

3.º A Esperança do Céu. É justo, que se queira ser pago de contado de tudo o que se faz por Deus, que se não queira esperar a recompensa do paraíso nem fiar de Deus até então? Oh! Quão mal entendemos os nossos interesses! Se as consolações sensíveis nos não pagam logo, teremos no céu a duplicada recompensa, recompensa da ação feita puramente por Deus; recompensa do ânimo que superou a repugnância, e esta duplicada recompensa será eterna.

Saibamos, pois, esperar. Na terra a paciência; no céu, o gozo, mas gozo melhor, e gozo que nunca terá fim. Penetremo-nos bem destas verdades.

SEGUNDO PONTO

Nos dias de Desconsolação, convém que nos Resguardemos da Perturbação e Conservemos a nossa alma em Paz

A alma na desconsolação e insensibilidade imagina algumas vezes, que está abandonada de Deus, que já não é amada por Ele, porque só recebe dEle vistas severas; que já O não ama, porque se sente fria e desfalecida. Se Deus deixa de a afagar com a ternura de uma mãe para com o seu filho, ela julga tudo perdido, perturba-se e aflige-se. Agitada, inquieta, não se conhece já a si, não se vê já; não sabe de onde vem, nem para onde vai. Distraída pela sua perturbação, não ouve já a voz do Espírito Santo que lhe fala interiormente; não tem já para consigo essa suave e pacífica atenção, que segue todos os movimentos do coração, que dá facilidade para a oração, sabedoria para o conselho, e faz progredir nas virtudes.

Ó alma, porque te conturbas assim e perdes a tua paz? Porque te desgostas de ti mesmo, receias desagradar a Deus? A verdadeira piedade não consiste no gosto e na sensibilidade, mas unicamente na vontade firme de servir a Deus. O fervor sensível é um dom, que Deus faz, quando Lhe apraz; não é um serviço, que Ele exige, pois que isso não depende de nós. Se nos recusa este fervor, que só Ele pode dar, não vingará sobre nós a Sua reserva. A insensibilidade está tão longe de ser um mal, que todos os santos a experimentaram (4). Prova-o o santo Jó, que dizia a Deus:

“Vós me visitastes pela manhã com as Vossas consolações, e à tarde experimentais-me com a Vossa ausência” – Visitas eum diluculo et subito probas illum (Jó 7, 18)

De onde o piedoso autor da Imitação tira esta conclusão:

“Se assim sucedeu com os maiores Santos, porque havemos nós, pobres e miseráveis, entristecer-nos por ser tratados do mesmo modo?” (II Imitação 9, 5)

Seguimos nós estas santas máximas?

Resoluções e ramalhete espiritual como acima

Referências:

(1) Ut jumnetum factus sum apud te (Sl 63, 23)

(2) Dominus est (Sm 1, 12)

(3) Satis domine satis

(4) Nullus sanctus fuit tam alte raptus est illuminatus qui prius vei postea non fuerit tentatus (II Imitação 9, 7). In magnis sanctis et in santiquis prophetis fuit saepe talis alternationis modus (II Imitação 9, 4)

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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo III, p. 49-52)