Skip to content Skip to footer

Do Ódio que Deus tem ao Pecado

Meditação para a Quinta-feira da Terceira Semana da Quaresma. Do Ódio que Deus tem ao Pecado

Meditação para a Quinta-feira da Terceira Semana da Quaresma

SUMARIO

Meditaremos sobre o segundo motivo de contrição: é o sumo desagrado que causam a Deus:

1.º O pecado venial;

2.º O pecado mortal.

— Tomaremos depois a resolução:

1.° De evitarmos com grande cuidado os pecados veniais, pois que Deus tanto os abomina;

2.º De deplorarmos, todos os dias da nossa vida, os pecados mortais que tivemos a desgraça de cometer no passado.

Conservaremos como ramalhete espiritual a palavra do Salmista:

“O meu pecado diante de mim está sempre” – Peccatum meum contra me est semper (Sl 50, 5)

Meditação para o Dia

Prostremo-nos com tremor diante da justiça de Deus perseguindo o pecado com ódio implacável (1). Ó Deus, a Vossa justiça, é mais alta que os montes, mais profunda que os abismos (2); sobrepuja todo o entendimento. Adoro-a sem a compreender; mas ao mesmo tempo amo-a, porque tudo em Vós é amável. Louvado e bendito sejais na Vossa justiça como na Vossa bondade.

PRIMEIRO PONTO

Quanto devemos deplorar o Pecado Venial, considerado como desagradável a Deus

Deus abomina tanto o pecado venial, que na outra vida lhe inflige castigos que, excetuando a eternidade, são uma espécie de inferno, e que conserva fechadas as portas do Seu paraíso a almas queridas e amigas, até à completa expiação do menor dos seus pecados. Abomina-o tanto que, desde esta vida, lhe tem muitas, vezes infligido espantosos castigos. A mulher de Ló ousa ter uma curiosidade imprudente: imediatamente é transformada em estátua de sal (Gn 19, 26). Um homem é encontrado enfeixando lenha em dia de sábado (Nm 15, 32): Morra de morte, todo o poro o apedreje fora do arraial, diz o Senhor. Moisés concebe uma leve desconfiança de Deus: não entrará na terra prometida, que ele tinha merecido ver por quarenta anos de serviços (Dt 1, 37). Um profeta, por condescendência, demora-se um pouco mais do que convinha onde o tinham enviado: um leão sai do bosque e o mata (2 Sm 13, 22-24). Davi, por uma secreta vaidade, manda fazer a resenha do seu povo: setenta mil homens morrem empestados (2Rs 24, 15).

Ó Deus, que é, pois, o pecado venial diante da Vossa infinita santidade? Quão amargamente devemos deplorar um mal que Vos desagrada tanto! E quão justo é que, cada vez que nos confessarmos, tenhamos dele uma verdadeira contrição! É isto o que nós fazemos?

SEGUNDO PONTO

Quanto devemos deplorar o Pecado Mortal, considerado como sumamente desagradável a Deus

Quando refletimos nos horrores do inferno, e consideramos que aqueles que lá sofrem tão excessivos tormentos eram os filhos de Deus, os Seus prediletos, por quem tinha dado todo o Seu sangue e que um só pecado mortal, convertendo tanto amor em uma implacável ira, fará cair sobre eles durante a eternidade todo o peso das vinganças divinas, ficamos estupefatos, e exclamamos: Ó! Quanto Vos desagrada o pecado, ó meu Deus, e com que ódio o perseguis!

— Se do inferno elevamos o pensamento ao céu, que vemos? Lugares vazios, que ocupavam outrora anjos, puros espíritos, resplandecentes de uma admirável beleza, revestidos das mais magníficas perfeições, obras primas das mãos de Deus. Um dia, eles entregaram-se a um pensamento de soberba: imediatamente, Deus pronuncia contra eles uma terrível sentença. Mas, Senhor, se Vós lhes perdoais, eles Vos louvarão toda a eternidade, e se os precipitais no inferno, Vos blasfemarão para sempre, e ocasionarão, a condenação eterna de milhares de homens. — Não importa: caiam no fundo do abismo. — Mas eles não cometeram mais do que um pecado, é o primeiro, e ainda assim só é um pecado de pensamento. — Não importa: caiam no fundo do abismo! — Ó santidade de meu Deus, quão implacável é o Vosso ódio ao pecado! Mas, se castigais deste modo os anjos, quanto não devo temer, eu que sou o último dos Vossos servos, réu de mil traições, eu que tenho pecado não somente uma vez e por pensamento, mas milhares de vezes e por todos os meus sentidos, por todos os membros do meu corpo, por todas as faculdades da minha alma, e contra a maior parte dos vossos mandamentos! (3)

— Do céu assim despovoado de uma parte dos seus habitantes, eu desço ao paraíso terrestre, e ali vejo o lugar que ocupava Adão inocente. Um dia, ele teve a desgraça de ceder a uma intemperança, que parece muito leve na aparência: comeu um fruto apesar da proibição de Deus, e perdeu logo todas as graças do seu primeiro estado; foi condenado a toda a sorte de males, à mesma morte, e não somente ele, mas toda a sua posteridade. Todos os homens, até ao fim do mundo, estarão expostos a inumeráveis misérias, à guerra, à peste, à fome, aos homicídios, à perturbações, à ignorância, à concupiscência; todos até seriam condenados para sempre sem a misericórdia inteiramente gratuita, que nos resgatou. Grande Deus! Quantos castigos ao mesmo tempo por um só pecado! E se um só pecado Vos desagradou até Vos resolverdes a lançar tantas calamidades sobre o mundo, que será com relação aos meus numerosos pecados? Poderei eu jamais lamentá-los bastantemente e ter deles uma contrição bastantemente viva? Todavia, meu Deus, não é ainda nisto que se manifesta, em toda a sua intensidade, o ódio que tendes ao pecado. Eu pego no meu crucifixo, e digo comigo:

Aquele, cuja imagem contemplo, era o Filho único e amado de Deus, era Deus: mas porque tomou sobre Si a sombra do pecado, o Pai celestial descarregou sobre a Sua cabeça o peso da Sua ira; entregou-O aos mais cruéis tormentos, às mais atrozes ignominias, à morte e à morte da cruz. Ó pecado, quão horrível és diante de Deus! Quanto devo deplorar o erro que cometi, deixando-te penetrar no meu coração! Se, pela só aparência do pecado, Deus tratou assim o Seu próprio Filho, como, por tantos pecados efetivos, tratará Ele um servo rebelde e desprezível como eu? Se um lenho incapaz de arder passou por uma tal fornalha, que será com um lenho próprio para ser consumido pelo fogo? (4)

Eis aqui o mais poderoso motivo para deplorar o pecado e ter uma verdadeira contrição de o haver cometido.

Resoluções e ramalhete espiritual como acima

Referências:

(1) Odio sunt Deo impius et impietas ejus (Sb 14, 9)

(2) Justitia tua sicut montes Dei; judicia tua abyssus multa (Sl 35, 7)

(3) Si sic actum est cum angelo, quid de me fiet, terra et cinere? (São Bernardo)

(4) Si in viridi ligno haec faciunt, in arido quid fiet? (Lc 23, 31)

Voltar para o Índice das Meditações Diárias de Mons. Hamon

(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo II, p. 147-151)