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Meditação para a Ascensão do Senhor

Dom Henrique Soares da Costa

Por Dom Henrique Soares da Costa

Hoje, celebramos o mistério da Ascensão do Senhor.

É mistério porque brota do Coração de Deus, o Santo, o Infinito, o Inabarcável, o Incompreensível, o Eterno, o Inefável, o Sábio, Aquele cujas profundezas jamais poderão ser sondadas pela mente e pelo coração humanos; é mistério porque ultrapassa tudo quanto possamos imaginar ou compreender, é mistério porque nos dá a Vida eterna, Vida divina, Vida que “os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração do homem não percebeu” (1Cor 2,9), é mistério porque trata-se de uma realidade que somente pode ser compreendia no Espírito Santo de Cristo (cf. 1Cor 2,10) e jamais nos simples limites da humana razão.

A hodierna Solenidade, caríssimos, é uma só com a do Dia de Páscoa:

Aquele, feito homem igual a nós, morto como nós, que admiramos levantado dentre os mortos e constituído em Glória na Ressurreição, hoje, contemplamo-Lo à Direita de Deus, com a mesma autoridade do Pai, e O proclamamos Cabeça da Igreja, Senhor sobre toda a criação, sobre toda a humanidade, Princípio e Fim da história humana e Juiz dos vivos e dos mortos.

No Dia da Páscoa contemplamos o Cristo resplandecente de Glória; na Solenidade de hoje, contemplamos o que essa glória significa para nós todos, isto é, o que o Cristo, glorificado em Si mesmo, tornou-Se para nós e para toda a criação!

Eis, caríssimos Irmãos:

Primeiramente, a Ascensão do Senhor nos faz compreender, com o Coração guiado pelo Espírito Santo, que o Cristo que por nós Se fez homem, como um de nós viveu e por nós morreu, Ele mesmo, agora, com a Sua humanidade glorificada, está à Direita do Pai.

Pensai bem, que isto é admirável: um da nossa raça, o homem Jesus, Criador feito criatura, participa agora do mesmo Poder divino, acima de todas as criaturas! Que mistério: Nele, a nossa humanidade está totalmente glorificada!

Como dizia a oração inicial desta Santa Missa, “a Ascensão do Filho já é a nossa vitória” porque um homem, o homem Jesus, imolado e ressuscitado, entrou nos Céus – e “Céus” no plural, ali, onde somente Deus É, isto é, no interior da própria Vida do seio da Trindade Santa! O homem Jesus entrou no seio da Trindade e nós, enxertados Nele, a Ele unidos no Batismo e na Eucaristia, como membros do Seu Corpo, que é a Igreja, de modo misterioso, mas real, com Ele entramos no seio de Deus, com Ele nos sentamos nos Céus! Eis: nós sabemos: onde já está a nossa Cabeça, estaremos também nós um dia!

Como diz a segunda leitura da Missa de hoje, chegaremos “todos juntos à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, ao estado do Homem perfeito e à estatura de Cristo em Sua plenitude”.

Vede, portanto, caríssimos, que destino a Festa deste hoje nos revela: chegar à estatura do Cristo em Sua plenitude! Nada menos que isso pode saciar o coração humano; nada menos que isso pode nos contentar, pode nos dar paz!

Olhai para o Cristo glorioso à Direita do Pai e vereis a que sois chamados… Contemplai, pois o nosso destino!

Pensai que miséria a do nosso mundo, que vive de bagatelas, empenha todo o seu afeto com futilidades e procura alegria e plenitude no que é efêmero! Tanto maior a grandeza que contemplamos em Cristo, mais deveria nos espantar a ilusão e alienação do mundo atual! Recordai, caros, a exortação do Apóstolo:

“Esforçai-vos por alcançar as coisas do Alto, onde está Cristo, sentado à Direita de Deus; aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres. Quando Cristo, vossa Vida, aparecer em Seu triunfo, então vós aparecereis também com Ele, revestidos de glória” (Cl 3,1-4).

Em segundo lugar, sentado como Senhor à Direita do Pai, Jesus é o Senhor do universo e de toda a história.

Vede a criação, caríssimos! Pensai nas galáxias, recordai as estrelas, imaginai a riqueza de vida nas profundezas do mar, pensai ainda na sede de Infinito do coração humano…

De tudo isso Cristo é Senhor; tudo caminha para Ele, Ele é a Finalidade de tudo, também da história humana.

Por mais que o homem pecador trame contra Cristo, por mais que o mundo hodierno volte suas costas ao Senhorio do Ressuscitado, tudo caminha para Ele e Ele triunfará ao fim de tudo – Ele é o Alfa e o Ômega, o A e o Z, o Princípio e o Fim de todas as coisas! Hoje, mais que nunca, as palavras do Salmo 2 se mostram verdadeiras:

“Por que as nações se amotinam,/ e os povos meditam em vão?/ Os reis da terra se insurgem,/ e, unidos, os príncipes conspiram/ contra o Senhor e contra o Seu Messias!/ O que habita nos Céus ri,/ o Senhor Se diverte à custa deles./ E depois lhes fala com ira,/ confundindo-os com Seu furor:/ ‘Fui eu que consagrei o Meu Rei/ sobre Sião, Minha montanha sagrada!’/ Vou proclamar o decreto do Senhor:/ Ele Me disse: ‘Tu és Meu Filho,/ eu hoje Te gerei./ Pede, e Eu Te darei as nações como herança,/ e os confins da terra como propriedade!”

Por tudo isso, Ele é o Juiz de tudo quanto existe. Valerá a pena e durará para a Eternidade, terá sentido, tudo o que estiver sob o Seu Senhorio de paz, de amor, de vida, de justiça e de santidade. Tudo quanto não condisser com o Seu Reinado perecerá, passará, pois não servirá para mais nada a não ser para ser jogado fora e pisado pelos homens.

Mais ainda: o Senhor Jesus, hoje no mais alto dos Céus, é Cabeça da Igreja.

Aquele que é o Unigênito de Deus, pela Sua Ressurreição e pelo dom do Seu Espírito, tornou-Se o Primogênito de muitos irmãos, Cabeça do Seu Corpo, que é a Igreja.

Eis, meus irmãos: o Cristo pleno de Glória que está nos Céus, é nossa Cabeça e Dele continuamos recebendo a Vida, que é o próprio Espírito Santo. Esta Vida vem-nos, sobretudo, nos sacramentos, especialmente na Eucaristia, na qual recebemos o Cristo morto e ressuscitado, pleno do Santo Espírito, Senhor que dá a Vida divina.

Olhando para Aquele que está à Direita do Pai e é nossa Cabeça e Princípio, como não nos alegrar? Como não nos encher de esperança? Como não ter a certeza que nossa vida caminha para a Plenitude?

Não estamos sozinhos, irmãos!

A Igreja jamais estará sozinha – seu Senhor é o mesmo que está à Direita do Pai; seu Esposo e Cabeça é o Rei da Glória!

Por fim, caríssimos, a Festa de hoje – que, de certo modo já nos prepara para o encerramento do Tempo da Páscoa, com o Santo Pentecostes, no próximo Domingo -, a Festa de hoje nos convida a colocar os pés nas estradas do mundo – na nossa família, no nosso trabalho, entre os nossos amigos, na vida social -, pés nas estradas do mundo para proclamar o Senhorio de Cristo.

Lembrai-vos hoje da Sua promessa, lembrai-vos da Sua missão:

“Recebereis o poder do Espírito Santo que descerá sobre vós, para serdes Minhas testemunhas até os confins da terra!”

Coragem, pois, caríssimos! Se conhecermos Jesus de verdade, se O experimentarmos realmente na nossa vida, se crermos na Sua Glória e esperarmos com todo nosso coração participar dela, seremos, então, Suas testemunhas e nossa convicção, nosso amor e nossa esperança invencível contagiarão a muitos.

Portanto, “homens da Galileia, por que estais admirados, olhando para o céu? Este Jesus há de voltar, do mesmo modo que o vistes subir!”
Façamos, pois, como nossos irmãos das origens, que saíram e pregaram por toda parte. O Senhor os ajudava e confirmava Sua Palavra por meio dos sinais que a acompanhavam. Que assim seja! Amém.

***

ascensao jesus cristo
Ascensão de Jesus Cristo

Ainda sobre a Ascensão do Senhor

Começo com duas observações:

(1) Jesus ressuscitado tem uma Vida divina, que é o próprio Espírito Santo que Ele recebeu do Pai na Ressurreição e, agora, impregna toda a Sua natureza humana, corpo e alma. Ora, esta Vida divina do Ressuscitado é a força criadora e sustentadora de todo o tempo: Jesus entrou, pela Ressurreição e imediatamente após a Ressurreição, no princípio, ou seja, na fonte dos tempos, acima de todos os tempos, trazendo em Seu presente todos os tempos. Sendo a Vida divina o suporte de todo o tempo e seu eterno presente, o Cristo ressuscitado não somente pode interferir no tempo, mas também manifestar-Se nele progressivamente pelas aparições, Ascensão e Pentecostes.

(2) Os “Céus” aos quais se alude na Ascensão não é um lugar físico, mas a própria Vida na comunhão trinitária: é o âmbito do Deus Uno e Trino, o estar do Filho feito homem, o estar do Homem Jesus glorificado com o Pai no Espírito Santo, numa comunhão plena e inenarrável de vida e amor, de plenitude e Glória. O Homem Jesus está onde sequer os anjos poderiam estar: no interior da Vida intradivina!

Biblicamente os dados sobre a Ascensão são variados e complexos:

a) Mateus não fala dela porque deseja sublinhar a presença contínua de Jesus entre os Seus discípulos:

“Eis que Eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos!” (Mt 28,20)

Para o Primeiro Evangelista, o Senhor ressuscitado, na Glória do Pai, está eterna e perfeitamente conosco na potência do Seu Espírito: pela Encarnação, Morte e Ressurreição do Senhor, a terra foi reconciliada com o céu, de modo que Aquele que reina no céu impera continua presente e providente na terra, na força do Seu Espírito.

b) Para Marcos a Ascensão, apresentada logo depois do colóquio com os discípulos no Cenáculo, é vista como o ingresso definitivo de Jesus, também com a Sua humanidade, na onipotência divina (cf. Mc 16,19). O “sentar-Se à Direita” indica a participação de Cristo, também com Sua natureza humana, na potência real de Deus. Já São João Damasceno notava que a Direita do Pai não é um lugar, mas imagem da Sua potência criadora. O “sentar-Se à Direita” significa, em última análise, que Cristo entrou, também com a Sua natureza humana, na potência onicompreensiva de Deus.

c) Lucas, por sua vez, coloca a Ascensão na mesma tarde da Ressurreição (cf. Lc 24,13.19), exprimindo a mesma ideia dos demais evangelistas.

d) Em João, esta acontece na manhã mesma da Ressurreição (cf. Jo 20,17).

e) É para os Atos dos Apóstolos – cujo autor é também Lucas – que a Ascensão ocorre somente quarenta dias após a Páscoa (cf. At 1,2s) e com uma descrição muito diferente da do Terceiro Evangelho (cf. At 1,9-11)!

Uma coisa é certa: no pensamento do Novo Testamento, a Ascensão deve ser colocada em relação com a Ressurreição, tratando-se, portanto, de um evento que sublinha a glorificação celeste de Cristo. Esta é a sua primeira especificidade em relação à Ressurreição. Ao afirmarmos a ressurreição, queremos dizer que Cristo foi vivificado, que venceu a morte, que o Pai não O abandonou e glorificou Sua humanidade. Ao proclamarmos a Ascensão, dizemos que este Cristo está com o Pai, imerso na Sua Glória e participando do Seu Senhorio sobre todos os tempos e toda a criação.

A diversidade temporal entre Ressurreição e Ascensão, apresentada nos textos do Novo Testamento (um espaço de quarenta dias nos Atos, enquanto no próprio Evangelho do mesmo Lucas, ela é colocada no mesmo dia da Ressurreição – cf. 24,50s!) não é importante e deve-se à diferença tempo-eternidade. Cristo, ressuscitado e subido ao Céu no mesmo dia da Páscoa, não cessou, por algum tempo, de dar instruções aos Seus discípulos (cf. At 1,2) – é isto que os textos bíblicos querem dizer. Com a Ascensão segundo os Atos, manifesta-se claramente que o Cristo foi glorificado como Senhor, como Juiz, como Onicondutor de todos os tempos e de toda a criação:

“Toda a autoridade Me foi dada no céu e na terra” (Mt 28,18)

Note-se que o evento da Ascensão enquanto tal é real e possui um significado próprio; em outras palavras: a Ascensão não é um mito; é uma realidade e um mistério de fé bem concreto. O modo como ela é narrada nos Atos é que tem um forte tom alegórico para exprimir uma realidade que nos ultrapassa totalmente! Em outras palavras: Lucas, nos Atos, ousa contar o que não pode ser contado, descrever o que não pode ser descrito, exprimir o que não pode ser expresso! Fá-lo, então, naturalmente, utilizando as imagens próprias do Antigo Testamento e de outros escritos antigos… Logo Lucas, tão preocupado com a dimensão histórica (cf. Lc 1,1-4), propositalmente apresenta a Ascensão de dois modos tão diversos (no Evangelho e nos Atos) exatamente para chamar atenção para a finalidade teológica de sua apresentação: a Ressurreição não significa que a história humana tenha chegado ao seu termo e que o retorno de Jesus seja imediato.

Lucas deseja mostrar que, a partir da Páscoa, Deus concede à Igreja espaço e tempo para desenvolver-se além de Jerusalém, da Judeia e da Samaria, até os confins da terra (cf. At 1,18). Assim, a Ascensão não pode ser pensada como uma viagem espácio-temporal de um Jesus voando pelo espaço sideral, mas como entrada de Jesus-homem, pleno de Espírito Santo, no âmbito do Pai, na sua Glória divina. Sua humanidade, igual à nossa, agora está divinizada e entrou no âmbito de Deus uno e trino! Assim, trata-se de um caminho para o Pai, sendo um evento meta-histórico, transcendente, que se realiza no silêncio santo do mistério de Deus.

É importante insistir: a Ascensão não acontece na história humana; é um evento real, mas não é um evento histórico, pois ocorre no seio do Deus-Trindade, ali, onde não há tempo, no hoje eterno do Deus Triuno!

Note-se que Aquele que ascende já não mais pertencia a este mundo: não é alguém deste mundo, mas o Ressuscitado – Aquele que saiu do mundo na sexta-feira santa, entrando na morte, e saiu da morte, ressuscitado no Domingo de páscoa, para entrar no Pai! Por isto mesmo, não se trata de um caminho visível, podendo ser narrado somente metaforicamente. Efetivamente, é o que São Lucas faz nos Atos dos Apóstolos!

***

A Ascensão: festa do Senhorio de Cristo

Na Sua sacratíssima Ascensão, o Senhor, já glorificado no Santo Espírito por obra do Pai, como Homem glorificado, entra nos Céus, isto é, no íntimo da Divindade Triuna. Agora toma Seu lugar “à direita de Deus-Pai”, isto é, torna-Se, para toda a humanidade e para todo o universo, Senhor!

A Ascensão é a Solenidade do Reinado glorioso e eterno de Cristo Homem imolado e ressuscitado.

Estar sentado à Direita significa ter a mesma autoridade e participar do mesmo poder de Deus! O homem Jesus agora é totalmente divinizado na Sua humanidade: um de nós está na Glória plena de Deus, um de nós é Deus, é Senhor que tudo sustenta e governa!

A Ascensão é festa do Senhorio de Cristo! Não há o que temer, nunca: nosso Senhor é Senhor de tudo; tudo está em Suas mãos benditas!

A Ascensão: festa do Senhorio de Cristo sobre a Igreja

Na Sua sacratíssima Ascensão o Senhor, homem de corpo e alma humana, agora glorificado no Espírito, toma Seu lugar como Cabeça da Igreja que é Seu corpo.

Na Glória do Pai, nos Céus, está Aquele que é um de nós, Deus verdadeiro feito verdadeiramente homem. Como nossa Cabeça cheio de Espírito, Ele derrama sobre Seu corpo que é a Igreja o Espírito Santo. Domingo próximo celebraremos este mistério.

Assim, Jesus não somente fundou a Igreja, mas funda-a continuamente, derramando continuamente sobre ela e nela o Seu Espírito Santo, que é Energia vivificante. Isto acontece nos sacramentos, verdadeiras transfusões de Espírito Santo, de modo que essa bendita Cabeça todo o tempo faz nascer, crescer e ter harmonia o Seu Corpo como um todo e cada membro desse Corpo. Sem os sacramentos não há Vida nova, não há dom do Espírito para a Igreja. O que a Palavra proclama da ação salvífica de Cristo nosso Deus, os sacramentos realizam. Os sacramentos são ações do próprio Cristo, sentado à Direita do Pai e atuando soberanamente como Senhor da Sua Igreja!

Por isso, a Festa de hoje é penhor da nossa salvação: nos Céus, à Direita do Pai, está Aquele que, como nossa Cabeça, é nosso certíssimo sustento! A Igreja não está só, não está entregue a si mesma e não pertence a si própria. Não é nossa; é Dele! Nunca deveremos ter medo! A Igreja nunca deverá temer: conosco está o Deus de Jacó, o nosso Salvador, o Cordeiro inocente, Leão da Tribo de Judá, a Estrela fulgurante da manhã, o Cristo nosso Deus!

Que consolo para a Igreja, corpo de Cristo! Que consolo para cada um de nós, membros desse Corpo: onde já está nossa Cabeça, estaremos todos nós um dia, como membros desse corpo! A Ascensão do Senhor é penhor da nossa glorificação final, em corpo e alma.

A Ascensão: uma despedida até a Vinda na glória

Na Sua sacratíssima Ascensão, o Senhor despede-Se dos Seus apóstolos e de toda a Igreja: encerra-se o tempo único e privilegiado no qual o nosso Cristo apareceu aos Seus, vindo-lhes ao encontro, explicando-lhes Sua missão, Seu mistério pascal e enviando-lhes em missão.

Neste período, Ele comeu e bebeu com eles, deixando-lhes claro que até que venha em Glória, estará sempre comendo e bebendo com Sua Igreja na Eucaristia.

Hoje, pela última vez, o Senhor, glorioso da glória do Pai desde a Ressurreição, veio aos Seus e, depois, foi para sempre encoberto pela Nuvem, símbolo da Glória do Pai, da Sua Presença divina. Essa Nuvem é símbolo do Santo Espírito. Jesus agora nunca mais poderá ser visto neste mundo como naqueles dias!

A Ascensão: festa do Senhorio de Cristo sobre o universo

Na Sua sacratíssima Ascensão, o Senhor torna-Se também Cabeça de toda a criação, de todo o universo. Ele, como homem, fez-Se parte deste mundo. Seu corpo, constituído da matéria deste mundo, agora está totalmente glorificado. Eis o mistério: o Filho eterno do Pai fez-Se filho do mundo para divinizar toda a criação!

Ele agora, como homem glorificado, atrai a Si todas as coisas. Ele mesmo havia dito:

“Quando Eu for elevado da terra atrairei a Mim todas as coisas”

A ciência descobre cada vez mais o intricado maravilhoso de leis, movimentos e dinâmicas do cosmo. Nós sabemos de uma coisa: tudo isto tem sentido, tudo isto tem direção, tudo isto tem um porto de chegada: o Cristo, Ômega, Z, ponto final e pleno de todas as coisas: tudo vem Dele e tudo caminha para Ele! Ele é a plenitude e a razão (o logos) de ser de tudo quanto existe. Um dia, tudo será glorificado Nele: este universo será transfigurado em Glória, isto, em Espírito Santo de Cristo ressuscitado, e Ele será plenamente Cabeça de tudo e tudo entregará ao Pai para que Deus seja tudo em todos! Eis o sentido da Festa de hoje para toda a criação!

A Ascensão do Senhor: festa do juízo de Cristo sobre tudo quanto existe

Na Sua sacratíssima Ascensão, o Senhor, que viveu o drama de ser um de nós e deu ao humano o gosto da eternidade, torna-Se também Juiz dos vivos e dos mortos! Ele “recebeu o poder de julgar porque é Filho do Homem!” (Jo 5,22)

Pense na história humana: quanto mistério, quanta dor, quanta solidão, quanta injustiça, mas também quanto sonho, quanto amor, quanta coisa bonita. Tudo isto o Senhor experimentou, vivendo entre nós. Com Ele, é toda a Sua história humana que está glorificada e, na Sua história, a nossa é assumida e transformada! A história humana como um todo e a história de cada um de nós tem um sentido, uma direção, um final, uma finalidade, um critério: Cristo nosso Deus!

Com Sua santíssima Cruz, com Sua Morte, Sepultura e Ressurreição – tudo vivido por amor -, Ele nos julgará um Dia, no Seu Dia, Dia Final:

“Está sentado à Direita de Deus-Pai e de novo há de vir para julgar os vivos e os mortos e o Seu Reino não terá fim!”

Hoje temos certeza: há um Senhor no mundo, e um Dia, Nele e por Ele, brilhará a justiça de Deus!

Não é a mesma coisa pecar e ser reto para com o Senhor, não é a mesma coisa crer e ser descrente, ser bom e ser perverso, amar o Senhor e desprezá-Lo, ser amoroso para com o próximo ou pisá-lo e ignorá-lo… Haverá um juízo de Deus, que se manifestará em Cristo morto e ressuscitado e tê-Lo-á como critério último! Ele é o Juiz e o critério do juízo!

***

Há um Senhor no mundo

Celebramos hoje a Solenidade da Ascensão do Senhor. No Credo professamos:

“Subiu aos Céus; está sentado à Direita de Deus Pai todo-poderoso, donde há de vir a julgar os vivos e os mortos e o Seu Reino não terá fim”

Que significa este mistério da nossa fé?

Primeiramente, é muito importante observar que a Ascensão é celebrada no Tempo da Páscoa, aquele período que, no dizer de São Jerônimo, é todo ele como se fosse o dia da Páscoa. Então, a Ascensão é aspecto integrante do mistério pascal, é uma das facetas da Páscoa do Senhor.
Mas, o que significa afirmar que o Senhor Jesus subiu aos Céus e está sentado à Direita do Pai?

Ele não somente ressuscitou, mas, por Sua cruz e Ressurreição, foi glorificado e, na Sua natureza humana, foi totalmente divinizado, entrou como Homem Novo, glorificado, nos Céus, isto é, na vida íntima da Trindade e foi constituído Senhor do céu e da terra, Senhor de todas as coisas:

“Deus O constituiu Senhor e Cristo, este Jesus a Quem vós crucificastes” (At 2,36)

Afirmar que Jesus Cristo está na Glória do Pai é afirmar que Ele é Senhor de todo o universo, de toda a criação, da história humana e de nossas vidas. Ele, porque Se fez homem, porque entrou no nosso mundo, porque entrou na história humana é, agora, glorificado, Cabeça e Juiz do nosso mundo e da nossa história. A Ascensão é a verdadeira festa de Cristo Rei!

Há um belíssimo texto em Ap 4,1 – 5,10 que exprime de modo impressionante tudo isso. Vejamos alguns pontos dele:

“Depois disso, tive uma visão: havia uma porta aberta no céu” (4,1)

Depois da Morte e Ressurreição do Cristo, há no céu uma porta aberta e o homem pode agora contemplar na fé o mistério do desígnio de Deus: Cristo nos abriu o caminho, Ele mesmo é o Caminho para a Casa do Pai.

“Havia um trono no céu, e no trono, Alguém sentado…” (4,2)

Trata-se do Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. O mundo – por mais maluco que pareça -, a nossa vida – por mais conflituosa que seja -, não caminham sem rumo: há Alguém no trono, há Alguém que tudo dirige e tudo conduz com sabedoria e suavidade: há um Deus no céu!

“Diante do trono ardiam sete Lâmpadas de Fogo: são os sete Espíritos de Deus” (4,5)

Os sete Espíritos podem ser interpretados como sendo o Espírito Santo: sete significa riqueza, plenitude, perfeição. Lâmpadas de fogo, fogo que ilumina, purifica e transfigura – eis a ação do Espírito Santo! Ele ilumina o nosso mundo, revelando e sustentando o bem e trazendo às claras o mal e o pecado, que serão queimados e destruídos.

“Vi depois, na mão direita Daquele que estava sentado no trono, um livro escrito por dentro e por fora e selado com sete selos” (5,1)

Este livro selado contém o sentido da história humana e da nossa história pessoal: nossa vida está nas mãos de Deus.

“Vi, então, um Anjo poderoso, proclamando em alta voz: ‘Quem é digno de abrir o livro, rompendo seus selos?’ Mas ninguém no céu, nem na terra ou sob a terra era capaz de abrir nem de ler o livro” (5,2-4)

São palavras impressionantes: neste mundo, enquanto durar nossa história, há tantas sombras: injustiças, mortes, opressões, infidelidades… Qual o sentido de tudo isso? Qual o sentido da vida? Qual o sentido de história humana e da nossa história? Amor, ódio, vida, morte, alegria, miséria, tristeza, projetos… Para onde vai tudo isso? Que é o homem? Qual o seu destino? Ninguém é capaz de desvendar cabalmente o mistério da existência… Quantas vezes somente podemos sentir o gosto amargo de perguntar pela dor do mundo e da vida sem encontrar a resposta:

“Eu chorava muito, porque ninguém foi considerado digno de abrir nem de ler o livro” (5,4)

“Um dos Anciãos, porém, consolou-me: ‘Não chores! Eis que o Leão da tribo de Judá, o Rebento de Davi, venceu para poder abrir o livro e seus sete selos’” (5,5)

Aqui Cristo é apresentado: Ele é o Leão de Judá, o Rebento de Davi, que venceu o pecado e a morte e pode dar sentido à história humana, com suas lágrimas e alegrias.

“Vi um Cordeiro de pé, como que imolado. Tinha sete chifres e sete olhos, que são os sete Espíritos de Deus… Ele veio então receber o livro da mão direita Daquele que está sentado no trono” (5,6-7)

A imagem é fantástica: o Cordeiro está imolado, foi imolado por nós, permanece num estado de contínua imolação; mas, ao mesmo tempo, de modo paradoxal, está de pé: é vencedor, é Aquele que triunfou sobre o pecado e a morte! Seus sete chifres representam a plenitude do poder e da força e os sete olhos representam a plenitude do Espírito, que tudo perscruta e julga todas as coisas. Ele recebe do Deus que está sentado no trono o poder de discernir a história humana, de julgar todas as coisas.

“Digno és Tu de receber o livro e de abrir seus selos, pois foste imolado e, por Teu sangue, resgataste para Deus homens de toda tribo, língua, povo e nação” (5,9)

Eis o motivo pelo qual Ele é digno de nos julgar: porque Se comprometeu conosco, conosco conviveu, experimentando a dureza de nossa existência e por nós morreu, amando-nos até o fim. Ele pode nos julgar: conhece-nos e ama-nos; seu juízo é juízo de amor!

A Ascensão do Senhor coloca-nos diante dessa maravilhosa realidade! Quando olhamos em torno a nós um mundo secularizado, descrente e incerto entre o cinismo e o desespero, sentimo-nos, às vezes confusos e até desanimados na fé. Não temamos: nossa existência caminha para o Cristo, nosso mundo caminha para o Cristo: Ele, imolado por nós, é Aquele que tem em Suas mãos a nossa vida! A Ele, a Igreja se confia, Nele espera e Nele deposita a esperança de sua vida. A todos os Seus discípulos e a cada um de nós, Ele diz:

“No mundo tereis tribulações, mas tende coragem: Eu venci o mundo!” (Jo 16,33)