In meditatione mea exardescet ignis – “Na minha meditação se acenderá o fogo” (Sl 38, 4)
Sumário. Para fazer bem a oração mental e tirar proveito dela, é preciso conhecer os seus fins, que são principalmente três: primeiro, a união mais íntima com Deus; segundo, a obtenção das graças necessárias; terceiro, o conhecimento da Santíssima vontade de Deus e a força para executá-la plenamente. Enganam-se, pois, aqueles que deixam de fazer meditação, porque nela não acham consolações ou doçuras. Lembremo-nos bem, que o que não faz oração mental, dificilmente perseverará na graça de Deus e dificilmente se salva.
I. Para que façamos bem a oração mental e tiremos dela grande fruto para a alma, devemos fixar o fim pelo qual a queiramos fazer. Primeiro, devemos fazer oração para nos unir mais a Deus. O que nos une a Deus, não são tanto os bons pensamentos do espírito, como os atos da vontade, os santos afetos. E são estes afetos que se excitam na meditação: como sejam os afetos de humildade, de confiança, de desapego, de resignação e, sobretudo, os de amor e de arrependimento dos próprios pecados. Os atos de amor, diz Santa Teresa, conservam aceso no coração o fogo do santo amor.
Em segundo lugar, devemos fazer a meditação a fim de alcançarmos de Deus as graças necessárias para progredir no caminho da salvação e especialmente a fim de alcançarmos a luz divina para evitar os pecados e empregar os meios que nos conduzem à perfeição. O grande fruto da oração é excitar-nos a rogar graças, visto que, de ordinário, Deus não concede as graças senão ao que as pedir. Escreve São Gregório: Deus quer ser rogado, quer ser constrangido, quer ser vencido pela importunação. Notemos estas palavras: Vult quadam importunitate vinci — “Quer ser vencido pela importunação”. Para obtermos certas graças mais importantes, às vezes não será bastante que as peçamos; deveremos insistir, e com nossos pedidos obrigar Deus a no-las conceder. Verdade é que em todo tempo o Senhor está pronto para nos atender; mas no tempo da meditação, quando estamos mais recolhidos a Deus, Ele nos concede auxílio com mais liberalidade.
O que sobretudo devemos pedir na oração é a perseverança e o santo amor. A perseverança não é uma única graça, senão uma corrente de graças, à qual deve corresponder a corrente de nossas orações. Se deixarmos de rezar, Deus deixará de nos dar o seu auxílio e assim nos perderemos. O que não medita, dificilmente perseverará na graça de Deus até à morte. — Devemos rezar e rezar muito, para obtermos de Deus o seu divino amor. Dizia São Francisco de Sales que o santo amor traz unidas consigo todas as virtudes: Venerunt autem mihi omnia bona pariter cum illa (1) — “Juntamente com ela vieram-me todos os bens”.
II. A oração não é senão um colóquio entre Deus e a alma. Esta lhe manifesta os seus afetos, os seus desejos, os seus temores, os seus pedidos; e Deus lhe fala ao coração, fazendo-lhe conhecer a sua bondade, o amor que lhe tem e o que a alma deve fazer para lhe agradar. D´onde resulta que não devemos ir à meditação para nela gozarmos consolações espirituais, mas principalmente para conhecermos o que Deus quer de nós. Digamos a Deus com Samuel: Loquere, Domine, quia audit servus tuus (2) — “Senhor, fazei-me conhecer o que quereis de mim, que eu quero fazê-lo”.
Alguns perseveram na oração, enquanto durem as consolações; mas, cessando estas, deixam a oração. Enganam-se, pois, saibamos bem, que em regra geral as almas santas sofrem aridez. Por isso escreve Santa Teresa:
“O Senhor experimenta os que o amam com aridez e tentações. Mas por mais que dure a aridez, não deixe a alma de fazer oração; tempo virá em que tudo lhe será pago com abundância.”
— O tempo de aridez é, portanto, o tempo de maior lucro. Humilhemo-nos e resignemo-nos; porque tal oração nos trará mais fruto do que qualquer outra. Se não pudermos fazer mais, basta que repitamos então:
† Meu Jesus, misericórdia!
Senhor, ajudai-me tende piedade de mim, não me abandoneis. Recorramos também à nossa consoladora, Maria Santíssima. Bem-aventurado o que não deixa a oração no tempo de desolação! Deus o encherá de graças.
Ah, meu Deus! Como posso pretender ser consolado por Vós, eu que mereci estar no inferno, separado de Vós para sempre e sem esperança de Vos poder ainda amar? Não me queixo, pois, meu Senhor, de que me privais das vossas consolações; não as mereço nem as exijo. Contento-me em saber que não repelis a alma que Vos ama. Não me priveis de vosso amor e depois tratai-me como quiserdes. Se é vossa vontade que até minha morte e por toda a eternidade eu esteja em aflição e desolação, fico satisfeito. Basta que deveras Vos possa dizer: Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas.
— Maria, Mãe de Deus, tende piedade de mim!
Referências:
(1) Sb 7, 11
(2) 1 Rs 3, 10
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(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 194-196)