Meditação para a Terça-feira das Rogações
SUMARIO
Meditaremos duas outras condições da boa oração, que são:
1.º O fervor;
2.° A perseverança.
— Tomaremos depois a resolução:
1.° De apreciarmos melhor a excelência dos bens espirituais, que pedimos a Deus, e de acompanharmos por conseguinte as nossas petições com um maior desejo de sermos atendidos;
2.° De perseverarmos na oração, ainda quando não achemos gosto nela, ainda quando não obtenhamos o que pedimos.
O nosso ramalhete espiritual será a palavra do Salmista:
“O Senhor ouviu o desejo dos pobres” – Desiderium pauperum ex audivit Dominus (Sl 10; Hb 17)
Meditação para o Dia
Adoremos o Espírito Santo inspirando a Davi tão grande fervor nas suas orações que, para exprimir a sua veemência, este santo rei lhe chama um clamor, que parte do fundo do coração para ir até ao coração de Deus (1). Ora o clamor do coração, diz Santo Agostinho, é a fragrância do amor, é o fervor do desejo, e é isto que dá asas à oração e a eleva até ao céu; se o coração está frio, é mudo e nada sabe dizer a Deus (2); para que o incenso da oração chegue até Deus, é preciso, que seja queimado pelo fogo dos santos desejos. Penetrai-me, Senhor, de tão importante verdade.
PRIMEIRO PONTO
O Fervor na Oração
O fervor na oração não é outra coisa senão esses ardentes desejos de sermos atendidos, que se exalam em pios gemidos, com que, sob a inspiração do Espírito Santo, pedimos a Deus, como um filho, em extrema penúria, pede a um Pai (3). Foram estes santos desejos que fizeram que fosse ouvida a oração de Daniel: Porque tu és um varão de desejos, lhe diz o anjo, eu vim (4); e a Davi, segundo ele mesmo no-lo refere:
“Abri a minha boca, e atrai o Espirito” – Os meum aperui et attraxi Spiritum (Sl 118, 131). “Senhor, diante de vós está todo o meu desejo, e o meu gemido não vos é oculto” – Ante te omne desiderium meum, et gemitus meus a te non est absconditus (Sl 37, 10)
Para compreender quão fervorosos devem ser os desejos com que se há de acompanhar a oração, basta considerar a grandeza, seja dos bens que pedimos a Deus nos conceda, seja dos males de que Lhe pedimos nos preserve.
1.° Pedimos-Lhe que nos dê a posse do Seu paraíso, da Sua gloria, das Suas riquezas, da Sua própria felicidade, a posse eterna dEle mesmo. Pedimos-Lhe os dons do Seu Espírito Santo; as Suas graças, a menor das quais vale mais que todos os impérios; as Suas virtudes, cuja menor participação sobrepuja todas as riquezas imagináveis. Pedimos-Lhe o adorável sangue de Seu Filho, os Seus méritos, a Sua humildade, a Sua caridade, a Sua mansidão, todas as Suas perfeições. Ora não é evidente, que tão grandes bens devem ser muito desejados; que pedi-los com indiferença ou até com pouco ardor, é desconhecer a sua excelência, é tornarmo-nos indignos deles? As grandes coisas devem ser pedidas com muito empenho, e a veemência do desejo deve ser proporcionada à sua excelência.
Examinemos, se é assim, que pedimos a Deus as Suas graças; Ai! Onde está a nossa razão? Onde está a nossa fé? Muitas vezes pedimos a Deus o Seu paraíso e as Suas graças com menos desejo que um homem sequioso pede um copo de água. Como nos havia de ouvir Deus?
2.° Pela oração, pedimos a Deus, que nos preserve do inferno, onde podemos cair a cada momento, onde ninguém sabe se não cairá um dia. Ora é preciso dizer ao viandante ameaçado da tempestade, que solicite com ardente desejo a mão socorredora, que pode salva-lo? Oh! Como ele pede com instância! Como implora com ardor todos os que podem socorrê-lo! E nós, homens de pouca fé que somos, navegamos em um mar tempestuoso, fecundo em naufrágios, cujas consequências são eternas, e pedimos tão pouco, tão friamente, com tão pouco desejo de escapar ao inferno! Ah! Não é assim, que se deve pedir a Deus, que nos livre de tão terrível desgraça. Compreendemos melhor hoje o fervor que há de acompanhar as nossas orações.
SEGUNDO PONTO
Da Perseverança na Oração
Orar de passagem e querer imediatamente ser ouvido, é faltar ao respeito a Deus; é esquecer que Ele é o senhor dos Seus dons, e que tem direito a escolher a ocasião de os conceder; e desconhecer a excelência desses mesmos dons, que valem bem a pena de ser pedidos amiudadas vezes. O pobre não se cansa de implorar muitas vezes esmola. Finalmente é esquecer que temos o maior interesse em perseverar na oração:
1.° Porque a demora dos benefícios de Deus faz-nos melhor apreciar a Sua grandeza (5);
2.° Porque é essencial para a nossa salvação habituarmo-nos à vida de oração. A oração é o nosso alimento espiritual, e a alma não pode mais deixar de orar muitas vezes do que o corpo de comer muitas vezes: de outra sorte ela desfalece e morre (6). É o nosso escudo nas tentações e provações; é, para vencer os nossos inimigos, como o gladio de ouro dado pelo céu a Judas Macabeu (7): se a deixamos, seremos vencidos. É a escada misteriosa de Jacó, pela qual os anjos sobem ao céu a levar as nossas petições, e dele descem para nos trazer os dons de Deus. É a chave das graças; abandoná-la é renunciarmos à assistência de Deus e condenarmo-nos a não poder domar as nossas misérias. É finalmente o meio de conservarmos em nós a fé, a esperança, a caridade, os pensamentos do céu e da vida futura, o amor dos nossos deveres e o ânimo de os cumprirmos; tão verdadeira é a palavra do Senhor:
“Importa orar sempre e nunca cessar” – Oportet semper orare et non deficere (Lc 18, 1)
É assim, que apreciamos a necessidade que Deus nos impôs da oração perseverante e contínua? Que exprobações não temos a fazer-nos nesta matéria!
Resoluções e ramalhete espiritual como acima
Referências:
(1) De profundis clamavi ad te, Domine (Sl 139, 1). Clamor meus ad te veniat (Sl 101, 2)
(2) Frigus caritatis, silentium cordis est; flagrancia caritatis clamor cordis (Santo Agostinho, in Ps. 37)
(3) Ipse Spiritus portulat pro nobis gemitibus inenarrabilibus… in quo clamamus: Abba, Pater (Rm 8, 15)
(4) Quia vir desideriorum es (Dn 9, 23)
(5) Non vult Deus bona sua nimia inveniedi facilitate vilescere (Euseb. Emi., hom., 3)
(6) Aruit cor meum, quia oblitus sum comedere panem meum (Sl 101, 5)
(7) Accipe sanctum gladium, munus a Deo, in quo dekicis adversarios populi mei Isarael (2 Macc 15, 16)
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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo III, p. 72-76)