Meditação para a Segunda-feira das Rogações
SUMARIO
Consideraremos a fé com que devemos acompanhar as nossas orações e meditaremos três razões desta fé, a saber:
1.° A excelência das perfeições divinas que a exigem;
2.° O preceito divino, que no-la impôs;
3.° As promessas que lhe são anexas.
— Tomaremos depois a resolução:
1.º De dirigirmos as nossas orações a Deus com a fé e confiança de um filho, que fala a seu Pai;
2.° De pedirmos muitas vezes a Deus, que nos aumente essa fé.
O nosso ramalhete espiritual será a oração dos Apóstolos a Nosso Senhor:
“Senhor, aumentai-nos a fé” – Domine, adange nobis fidem (Lc 17, 5)
Meditação para o Dia
Adoremos a infinita bondade de Deus, prometendo com juramento ouvir as nossas orações, se as fizermos, como convém.
“Em verdade, em verdade vos, digo, se pedirdes a meu Pai alguma coisa em meu nome, ele vo-la dará” (Jo 14, 13)
Que misericórdia e amor nestas palavras, e quão justo é, que as agradeçamos a Nosso Senhor com toda a efusão da nossa alma!
PRIMEIRO PONTO
A consideração das Perfeições Divinas deve na oração, encher-nos os corações de Fé e Confiança
Com efeito, ó meu Deus, não conheceis Vós todas as minhas necessidades, visto que nada escapa à Vossa ciência infinita? Não podeis Vós socorrê-las, visto que sois o Todo-Poderoso? Não quereis Vós socorrê-las, visto que sois o Deus infinitamente bom, que gosta tanto de se comunicar aos homens, que se diria que tendes como que uma necessidade de dar, igual á necessidade que temos de receber? (1). Vós pusestes, diz Santo Agostinho, à porta do Vosso palácio a misericórdia incumbida de receber todos os que se apresentarem, de os convidar a entrar, de repreender os que tardarem.
«Vós nada ainda pedistes, lhes gritais vós: pedi, e recebereis; batei, e abrir-se-vos-á. Os meus anjos estão ali, não para vos fechar a porta, mas para vo-la abrir; não para vos repelir, mas para vos introduzir; não para rejeitar as vossas petições, mas para as apresentar e as apoiar. Vinde pois; batei com fé e confiança, eu não deixarei perecer de fome o justo à minha porta»
— «Eu o creio, ó meu Deus! Diz ainda o mesmo santo doutor; porque a Vossa porta gosta de ver uma afluência de suplicantes que batam, que gritem, que importunem; os Vossos tesouros padecem e afligem-se de não serem pedidos e distribuídos» (2)
Por isso Vós quereis, que antes Vos chamem Pai do que Juiz e Senhor, para nos mostrar que, tendo para conosco um amor de Pai, quereis, que tenhamos para conVosco uma fé e confiança de filho. E como não a teria eu, Senhor? Se os homens, por maus que são, não dão aos seus filhos um calhau por pão, uma serpente por um peixe, um escorpião por um ovo, poderíeis Vós, o mais terno dos Pais, Vós cuja ciência sabe tudo, cujo poder pode tudo, e cuja bondade nos quer tanto bem, recusar-nos o Vosso espírito e as Vossas graças? Ó Deus, meu Pai, Vos direi eu, pois, como Davi: creio e confio em Vós. Sou um órfão, que não tem outro amparo senão Vós (3); recorro ao Vosso coração, e parece-me, que o ouço dizer-me:
“Tem fé e confiança em mim, que sou o Pai dos órfãos” – Patris orphanorum (Sl 67, 6)
— É com esta fé e confiança filial, que falamos a Deus na oração?
SEGUNDO PONTO
A Fé na virtude da oração é de Preceito Divino
Deus exige-nos com tanto rigor esta fé, tão devida aliás às Suas divinas perfeições, que sem ela a oração é ineficaz. Se algum, diz São Tiago, quiser pedir qualquer coisa a Deus, peça-a com fé, isto é, com a firme persuasão de que será atendido: porque, se hesita, se duvida, a sua oração será semelhante à onda do mar, que é agitada e levada de uma parte para a outra pela violência do vento, e nada dela pode esperar (4). A oração sem fê é uma oração morta e estéril, diz Santo Agostinho (5). Quem duvida, de que Deus se dignará ouvir a sua petição, diz Cassiano (6), está certo de que não será ouvido. Por isso Jesus Cristo, antes de dar vista a dois cegos, que lhe pediam que os curasse, lhes manda fazer um ato de fé.
«Credes, que eu posso fazer isto a vós outros?» lhes pergunta Ele, — Sim, Senhor, respondem eles. — Pois faça- se-vos segundo a vossa fé» – Secundum fidem vestram fiat vobis (Mt 11, 29)
Eis a razão porque as nossas orações são tão raras vezes ouvidas, é porque quase sempre oramos sem fé; não temos confiança em Deus e na Sua promessa. Perguntemos à nossa consciência se isto não é verdade.
TERCEIRO PONTO
Promessas a anexas à Fé
Todas as coisas, diz Jesus Cristo, que vós pedirdes orando, crede que as haveis de haver, e que assim vos sucederão (7). Se tu podes crer, diz Ele a um pai aflito, que lhe pedia que curasse o seu filho, tudo é possível ao que crê (8). Em verdade vos afirmo, diz Ele ainda aos seus Apóstolos, que todo aquele que disser a este monte: Tira-te e lança-te no mar, e isto sem hesitar no seu coração, mas tendo fé de que tudo o que disser sucederá, ele o verá cumprir assim (Mc 11, 23). Tal é a lei que Deus impôs: é porque Ele concede as Suas graças em proporção da fé com que Lhe são pedidas. Os santos tinham fé e obtinham milagres. Se a tivéssemos como eles, obteríamos também o efeito das nossas orações; ou se o que pedimos fosse contrário, quer aos nossos interesses, quer ao bem geral, quer às vistas da Providência mais elevadas que as nossas, Deus, em lugar do que Lhe pedimos, nos concederia alguma, coisa melhor; ou, se julgasse mais conveniente para nós, não recebermos senão mais tarde o que Lhe pedimos, demoraria por amor o efeito da nossa oração. Deus serve-se muitas vezes destas delongas:
1.° Para tornar a nossa fé mais heroica em si mesma, mais honrosa para Ele; mais meritória para nós;
2.° Para aumentar o nosso fervor: deixa bater à porta para que se bata mais de rijo: deixa gritar para que se grite mais alto;
3.° Para nos incitar a perseverar na oração, e com isso a conservar-nos mais constantemente unidos a Ele.
Assim Deus, ainda quando recusa ou demora, é sempre amor e bondade, sempre digno da nossa fé e confiança. Compreendamos bem estas verdades; e excitem-nos a orar mais e melhor as delongas que Deus emprega em nos ouvir.
Resoluções e ramalhete espiritual como acima
Referências:
(1) Sicut urget petere necessitas illium, sic urgete caritas dare genitorem
(2) Hoc amat janua Salvatoris, ut pulsatoribus semper abumdet opportunis, importunis: thesauri domus ejus tristitiam patiumtur, quando desunt delectabilia fastidia petitionum
(3) Tibi derelictus est pauper: orphano tu eris adjutor (Sl 10; sec. Hb 14)
(4) Postulet in fide, nihil haesitans: qui enim haesitat similis est fluctui maris quia vento movetur et circum, fertur. non ergo aestimet homo ille, quod accipiat aliquid a Dominis (Zc 1, 6)
(5) Si fides deficit, oratio perit
(6) Si non exaudiendum quisquenon dubit et, cum se dubitaverit exaudiri (Cl 9, 34)
(7) Omnia quaecumque orantes petitis, credite quia accipietis, et evenient vobis (Mc 11, 24)
(8) Omnia possibilia sunt credenti (Mc 9, 22)
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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo III, p. 68-72)