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Eia, pois, Advogada nossa

I. Maria é advogada poderosa para todos salvar

Maria é todo-poderosa junto de Deus

Tão grande é o prestígio de uma mãe, que nunca pode tornar-se súdita de seu filho, ainda que ele seja monarca e tenha domínio sobre todas as pessoas do seu reino. É verdade, sentado agora à direita de Deus Pai, no céu, reina Jesus e tem supremo domínio sobre todas as criaturas e também sobre Maria. E o tem mesmo como homem, diz Santo Tomás, por causa da união hipostática com a pessoa do Verbo. Todavia, é também certo que nosso Redentor, quando vivia na terra, quis humilhar-se a ponto de ser submisso a Maria. “E lhes estava sujeito” (Lc 2,51). Sim, desde que Jesus Cristo se dignou escolher Maria por Mãe, estava como Filho realmente obrigado a obedecer-lhe, diz Santo Ambrósio. Os outros santos – reflete Ricardo de São Lourenço – estavam unidos à vontade de Deus, mas também o Senhor se submeteu à sua vontade. Das outras virgens diz-se que “seguem o Cordeiro por toda parte”. Porém de Maria dizer se pode que o Cordeirinho de Deus a seguia, porque lhe foi submisso.

Daí concluímos que são as súplicas de Maria eficacíssimas para obterem tudo quanto ela pede, ainda que não possa dar ordens a seu Filho no céu. Pois os seus rogos sempre são rogos de Mãe. Tem Maria o grande privilégio de ser poderosíssima junto ao Filho, diz Conrado de Saxônia. E por quê? Justamente pela razão já apresentada, e que mais abaixo vamos examinar minuciosamente: porque as súplicas de Maria são súplicas de Mãe. De onde as palavras de São Pedro Damião: A Virgem consegue quanto quer, no céu como na terra; até aos desesperados pode dar esperança de salvação. O Santo chama o Redentor de altar de misericórdia, onde os pecadores obtêm de Deus a graça do perdão. A ele, Jesus, dirige-se Maria quando quer obter-nos alguma graça. O filho tanto aprecia, porém, os rogos de sua Mãe e tanto deseja ser-lhe agradável, que sua intercessão mais afigura uma ordem do que uma prece, e ela parece antes uma Rainha do que uma serva, remata o Santo. Assim quer Jesus honrar sua querida Mãe, que tanto o honrou em vida, prontamente concedendo-lhe tudo que pede ou deseja. Belamente o exprime São Germano nas suas palavras dirigidas à Virgem: Sois onipotente, ó Mãe de Deus, para salvar os pecadores; não precisais de recomendação alguma junto de Deus, pois que sois a Mãe da verdadeira vida.

Não receia São Bernardino de Sena concordar com a sentença de que “ao império de Maria todos estão sujeitos, até o próprio Deus”. Isto é, Deus lhe atende os rogos como se fossem ordens. Exclama por isso Eádmero: Virgem, de tal modo vos elevou o Senhor, que podeis obter para vossos servos todas as graças possíveis; pois é onipotente vosso patrocínio, como assevera Cosmas de Jerusalém. Maria, sim, sois onipotente – acentua Ricardo de São Lourenço; pois que, conforme as leis, deve a rainha gozar dos mesmos privilégios que o rei. Por isso, colocou Deus toda a Igreja não só sob o patrocínio, senão também sob o império de Maria, observa Santo Antonino.

Convindo, portanto, à mãe o mesmo império que ao filho, com razão Jesus, que é onipotente, tornou Maria todo-poderosa. Contudo, sempre será verdade que o Filho é onipotente por natureza e a Mãe o é por graça. E isto se verifica, porque, quando pede a Mãe, tudo lhe concede o Filho, como justamente foi revelado a Santa Brígida. Ouviu ela Jesus dizer a Maria: Minha Mãe, já sabes quanto te quero; pede-me por isso o que quiseres, porque, seja qual for a tua petição, não pode deixar de ser de mim ouvida. E que bela razão alegou o Senhor! Minha Mãe, disse-lhe, nada me negavas na terra; é justo que nada eu te negue no céu. Diz-se que Maria é onipotente; mas é do modo que se pode entender de uma criatura, que não é capaz de atributo divino. Porque com seus rogos obtém tudo quanto quer, é ela, pois, onipotente.

Com sobras de razão, portanto, ó excelsa advogada nossa, vos diz São Bernardo: Tudo se faz, se vós o quereis. Basta a vossa vontade para que tudo se faça. Quereis elevar a uma alta santidade o mais abjeto dos pecadores? Em vossa vontade está o fazê-lo. De Eádmero são estas palavras: Senhora, basta-vos querer a nossa salvação e nós não podemos perecer. Santo Alberto Magno põe na boca de Maria palavras semelhantes: Devo ser rogada, para que queira; porque o que eu quero é necessário que se faça.

Maria é toda bondade para com os homens

Considera São Pedro Damião o grande poder de Maria e nestes termos implora a sua compaixão: Que vossa natural bondade e vosso poder nos levem a ajudar-nos, porque tão misericordiosa haveis de ser, quão poderosa sois. Ó Maria, querida advogada nossa, na rica piedade de vosso coração não podeis ver infelizes sem que deles tenhais compaixão; e na riqueza de vosso poder junto de Deus salvais a todos quantos protegeis. Dignai-vos também patrocinar nossa causa, causa de infelizes que em vós põem suas esperanças. Se não vos moverem nossos rogos, deixai-vos então levar pelo vosso bondoso coração, pelo vosso grande poder ao menos. Pois de tanto poder enriqueceu-vos o Senhor, para que tão misericordiosa fosseis em ajudar-nos, quão poderosa sois para fazê-lo. – Mas disto nos assegura São Bernardo, dizendo que Maria, tanto em poder como em misericórdia, é sumamente rica; assim como a sua caridade é poderosíssima, também assim é piedosíssima para se compadecer de nós, como sem cessar no-lo revela.

Enquanto Maria viveu na terra, seu constante pensamento, depois da glória de Deus, era ajudar os necessitados. Sabemos que desde então já gozava o privilégio de ser ouvida em tudo o que pedia. Haja em vista, por exemplo, o que se passou nas bodas de Caná, na Galileia. Veio a faltar o vinho, com vexame e contratempo então para os esposos. Cheia de compaixão, a Santíssima Virgem pediu ao Filho que os consolasse com um milagre. Expôs-lhe a necessidade em que se viam, dizendo: Eles não têm vinho (Jo 2,3). Respondeu-lhe Jesus:

“Que há entre mim e ti, mulher? A minha hora ainda não chegou”.

Note-se que aparentemente o Senhor sonegou a graça desejada por sua Mãe, com as palavras acima citadas: Que importa a mim e a ti essa falta de vinho? Por enquanto não convém fazer um milagre, cuja hora ainda não soou. Ela virá com o tempo de minha pregação, no qual devo confirmar com milagres a minha doutrina. Contudo, Maria, como se o Filho a tivesse atendido, disse aos criados:

“Fazei tudo o que ele vos disser!”

Eia, ânimo, sereis consolados! E com efeito, Jesus Cristo para dar gosto a Maria mudou a água em ótimo vinho. Mas como assim? Se o tempo prefixado para os milagres era o da pregação, como é que, mudando a água em vinho, antecipou Jesus os decretos divinos? A isso responderemos que nada houve de encontro aos decretos divinos. De fato, geralmente falando, não era ainda chegada a hora dos milagres. Entretanto j á desde toda a eternidade havia Deus estabelecido que jamais rejeitaria um pedido de sua Mãe. Ciente de tal privilégio, disse Maria aos criados, apesar da aparente recusa de seu Filho, que fizessem tudo o que ele lhes mandasse, como se a desejada graça já houvesse sido outorgada. O mesmo diz um comentário de S. João Crisóstomo à sobredita passagem: Não obstante ter o Senhor dado aquela resposta, todavia, para honrar sua Mãe, não deixou de atender-lhe o pedido. É igual o comentário de Santo Tomás: Com as palavras “Não é chegada a minha hora”, quis Jesus mostrar que teria diferido o milagre, caso qualquer outra pessoa lho tivesse pedido; mas porque a Mãe o solicitou, fê-lo imediatamente. Segundo Barradas, são da mesma opinião São Cirilo de Alexandria e Santo Ambrósio e também Jansênio, Bispo de Gandes.

O grande poder de Maria funda-se na sua dignidade de Mãe de Deus

É certo, em suma, que não há criatura alguma que obter nos possa tantas misericórdias, como esta boa advogada. Não só Deus a honra como sua serva dileta, mas sobretudo como sua verdadeira Mãe, diz Guilherme de Paris: Uma só palavra de seus lábios é quanto basta para o Filho atendê-la.

À Esposa dos Cânticos, figura da Virgem Maria, diz o Senhor:

“Ó tu que habitas nos jardins, os teus amigos estão atentos: Faze-me ouvir a tua voz:” (8,13).

São os santos esses amigos; quando pedem alguma graça para seus devotos, esperam obtê-la pela intercessão da sua Rainha. Pois, conforme o demonstramos no capítulo V, graça nenhuma é dispensada sem a intercessão de Maria. E como a obtém Maria? Uma palavra é o quanto basta ao Filho. “Faze-me ouvir a tua voz!” É bem acertado o comentário de Guilherme de Paris à mencionada passagem dos Cânticos. Imagina-se ele o Filho, dizendo à sua Mãe: Ó tu que habitas nos jardins celestes, pede com toda a confiança; pois esquecer não posso que sou teu Filho e que nada devo recusar à minha Mãe. Basta-me ouvir tua voz; para o Filho é o mesmo te ouvir como te atender.
Ainda que Maria alcance as graças rogando, contudo ela roga com certo império de Mãe. Portanto, devemos estar firmemente convictos de que tudo alcança quanto pede e deseja para nós, observa Godofredo, abade. Tendo Coriolano sitiado Roma, sua cidade natal, nem todos os rogos de seus concidadãos e amigos conseguiram demovê-lo à retirada. Mas, assim que viu a seus pés sua Mãe Vetúria, relata Valério Máximo, não pôde resistir e levantou o cerco. Mas tanto mais poderosas que as de Vetúria são as súplicas de Maria junto a Jesus, quanto mais grato e amoroso é esse divino Filho para com sua cara Mãe. Mais vale perante Deus um único suspiro de Maria, que as orações de todos os santos reunidos, escreve o dominicano Justino Micoviense. O próprio demônio esconjurado por São Domingos o confessava, por boca de um possesso, segundo narra Pacciucchelli.

Na opinião de Santo Antonino, as preces de Maria, como rogos de Mãe, têm o efeito de uma ordem, sendo impossível que fiquem desatendidas. Por esta razão São Germano, animando os pecadores para que a ela se encomendem, assim lhes fala: Vós tendes, ó Maria, para com Deus autoridade de Mãe e por isso alcançais também o perdão aos mais abjetos pecadores. Em tudo reconhece-vos o Senhor por sua verdadeira Mãe e não pode deixar de atender a cada desejo vosso. Ouviu Santa Brígida como os santos do céu diziam à Virgem: Bendita Senhora, o que há que vos não seja possível? Tudo quanto quereis, se faz. Com o que condiz o célebre verso:

O que Deus pode, mandando,
Virgem, o podeis, rogando,

E, porventura, não é coisa digna da benignidade do Senhor zelar com tanto empenho a honra de sua Mãe? Não protestou ele mesmo ter vindo à terra não para abolir, senão para observar a lei? Mas, entre outras coisas, não manda essa lei honrar os pais? São Jorge, Arcebispo de Nicomedia, acrescenta que Jesus Cristo atende a todos os pedidos de sua Mãe, como que para saldar uma dívida para com ela, que consentiu em lhe dar o ser humano. Eis a origem da exclamação do Pseudo-Metódio, mártir: Alegrai-vos, ó Maria, a vós coube a dita de ter por devedor aquele Filho que a todos dá, e de ninguém recebe. Somos todos devedores a Deus de quanto possuímos, pois que tudo são dons de sua bondade. Só de vós quis o próprio Deus tornar-se devedor, encarnando-se e em vosso seio fazendo-se homem. – Maria mereceu dar um corpo humano ao Divino Verbo, desse modo apresentando o preço de redenção para nossas almas. Por isso mais que todas as criaturas é ela poderosa para nos ajudar e obter a salvação eterna. Sob o nome de Teófilo, Bispo de Alexandria, deixou-nos um escritor o seguinte pensamento: O Filho estima que sua Mãe lhe peça, porque quer conceder-lhe todas as graças, em recompensa do favor que ela lhe fez dando-lhe o ser humano. Dirige, por isso, São João Damasceno estas palavras à Virgem: Sendo Mãe de Deus, ó Maria, a todos podeis salvar por vossa intercessão, a qual a autoridade de Mãe faz poderosa.

A consideração do grande e divino benefício, pelo qual temos Maria por advogada, leva São Boaventura a exclamar, e com ele terminamos: Ó bondade certamente imensa e admirável de nosso Deus! A vós, Senhora, quis ele nos dar por advogada para que, a vosso arbítrio, tudo nos obtivesse vossa poderosa intercessão. Ó grande misericórdia do Senhor! Sua própria Mãe, Senhora da graça, no-la deu por advogada, a fim de que não fugíssemos com receio da sentença que sobre nós há de pronunciar um dia.

Exemplo

Vivia na Alemanha um senhor, que, tendo caído num pecado mortal, não era capaz de resolver-se à confissão, preso por falsa vergonha. Intoleráveis se lhe tornaram por fim os remorsos e o infeliz andava com a sinistra intenção de atirar-se à água. Não executou, por felicidade, seu intento, mas entre lágrimas pedia a Deus que lhe perdoasse o referido pecado, mesmo sem confissão. Numa noite, pareceu-lhe que alguém o tocava no ombro e lhe dizia: Vai confessar-te! De fato, foi ele à igreja, mas não se confessou. Numa outra noite torna a ouvir a mesma exortação. Indo novamente à igrej a, disse: Prefiro morrer a confessar meu pecado. Contudo, antes de voltar para casa, pôs-se a rezar diante de uma imagem da Mãe de Deus. Eis que, em se ajoelhando, logo se lhe mudaram os sentimentos. Levantou-se e procurou imediatamente um confessor. Fez em seguida uma sincera e contrita confissão e agradeceu a Maria o grande favor que lhe dispensara. Sentiu-se depois mais feliz do que se tivera em mãos os tesouros do mundo.

Oração

Falai, ó minha Senhora — dir-vos-ei com São Bernardo, falai, porque vosso divino Filho vos escuta, e tudo o que lhe pedirdes vo-lo concederá. Ó Maria, advogada nossa, falai então em favor dos miseráveis pecadores. Lembrai- vos de que é para nossa felicidade também que recebestes de Deus tão grande poder e dignidade. Se um Deus se dignou fazer-se vosso devedor pela natureza humana que de vós assumiu, é para que possais a vosso grado dispensar aos miseráveis os tesouros da divina misericórdia. Vossos servos somos, dedicados de modo especial a vosso serviço, e nos gloriamos de viver sob vossa proteção. Se fazeis bem a todos os homens, ainda aos que não vos conhecem ou honram, e até aos que vos ultrajam e blasfemam, que não devemos esperar de vossa benignidade que busca os miseráveis para os socorrer, nós que vos honramos, amamos e confiamos em vós?

Grandes pecadores nós somos, porém Deus vos deu misericórdia e poder que ultrapassam nossas iniquidades. Quereis e podeis salvar-nos; e nós tanto mais queremos esperar nossa salvação, quanto mais indignos dela somos, para mais vos glorificar no céu, quando lá entrarmos por vossa intercessão. Ó Mãe de Misericórdia, nós vos apresentamos nossas almas, outrora aformoseadas e lavadas pelo sangue de Jesus Cristo, mas depois enegrecidas pelo pecado. Nós vo-las oferecemos; purificai-as. Alcançai-nos uma sincera conversão, o amor de Deus, a perseverança, o paraíso. Grandes favores vos pedimos; mas não podeis obter tudo? Seria muito para o amor que Deus vos tem? Bastante vos é abrir a boca e implorar vosso Filho: ele nada vos recusa. Rogai, pois, ó Maria, rogai por nós; intercedei por nós e sereis atendida e nós seremos salvos com certeza.

II. Como advogada compassiva, Maria defende as causas mais desesperadas

Maria ama-nos ternamente e de modo especial os pecadores

Numerosos motivos forçam-nos a amar nossa amabilíssima Rainha. Em toda parte louvassem-na, dela somente falassem em todos os sermões, a vida dessem por ela todos os homens – tudo isso ainda pouco seria em comparação da gratidão e amor que lhe devemos. Pois é terníssimo o amor que ela consagra a todos os homens, mesmo aos mais infelizes pecadores, quando lhe conservam algum afeto ou devoção. O abade de Celes – que por humildade tomou o nome de Idiota – diz de Maria: Não pode a Virgem deixar de amar quem a ama; não desdenha servir quem a serve. Se o servo é um pecador, empenha toda a sua poderosa intercessão para obter-lhe o perdão de seu Filho. Tamanha lhe é a bondade e tão grande a misericórdia, que não repele quem a invoca. Na qualidade de amantíssima advogada nossa oferece a Deus as preces de seus servos; pois, como o Filho intercede por nós junto ao Pai, assim ela intercede por nós junto ao Filho. Não se cansa de tratar com o Pai e com o Filho o sério assunto da nossa salvação. Singular refúgio dos perdidos, esperança dos miseráveis e advogada de todos os pecadores que a ela recorrem – assim com muita razão a chama Dionísio Cartusiano.

Possível é, entretanto, que um pecador ponha em dúvida não o poder, mas a misericórdia de Maria; possível é que, vendo-se carregado de crimes, desconfie de sua compaixão em ajudá-lo. Aqui o sossega e anima Conrado de Saxônia, dizendo: Grande e singular é o privilégio que tem Maria perante seu Filho de alcançar dele, com os seus rogos, tudo quanto quer. Mas de que adiantaria, acrescenta Conrado, este grande poder de Maria, se ela nenhum cuidado tivesse de nós? Mas, não; não duvidemos, tenhamos ânimo e agradeçamos ao Senhor e à sua divina Mãe. Pois, assim como ela entre todos os santos é a mais poderosa, de todos é também a mais amorosa e mais solícita de nosso bem. Assim conclui o piedoso escritor: Quanto júbilo há na exclamação de S. Germano: Quem jamais, ó Mãe de misericórdia, quem, depois de vosso Jesus, mostrou como vós tanto zelo por nós e nosso bem? Quem como vós toma a defesa dos pecadores e combate contra os seus inimigos? Poder e bondade encontram-se em vosso patrocínio num grau que excede toda a compreensão. Têm os santos poder para valer mais a seus devotos que aos outros, acrescenta o abade de Celes; Nossa Senhora, porém, como é Rainha de todos, de todos é também advogada e lhes cuida da salvação. Preocupa-se com todos, até com os pecadores. Deles, especialmente, Maria se ufana de ser chamada advogada. Disse-o ela mesma à venerável Maria Villani: Depois do título de Mãe de Deus, lisonjeia-me ser chamada advogada dos pecadores.

Maria intercede sem cessar pelos pecadores

Afirma o Beato Amadeu que nossa Rainha está na presença da Divina Majestade, continuamente intercedendo por nós com as suas poderosas orações. Profunda conhecedora que é de nossas misérias e aflições, não pode desapiedar- se de nós. Levada pelos sobressaltos de um coração maternal, compassivo e benigno, procura como nos socorrer. A cada um de nós, por miserável que seja, exorta por isso Ricardo de São Lourenço a recorrer confiadamente a tão amável advogada, na firme certeza de achá-la pronta a vir em nosso auxílio. Ela está sempre disposta a orar por todos, escreve Godofredo, abade.

Oh! com quanta eficácia e amor, diz São Bernardo, não trata esta nossa advogada do problema de nossa salvação! Não cessa Conrado de Saxônia de admirar o afeto e o empenho com que Maria continuamente intercede por nós junto à Divina Majestade e para nós pede o perdão, o auxílio das graças e o livramento dos perigos, bem como a consolação nos sofrimentos. Em seguida a ela se dirige nestes termos: Confessamos que no céu só temos a vós como única solícita protetora. Quer ele dizer: É verdade que todos os santos interessam-se por nossa salvação e pedem por nós; mas a caridade e ternura demonstrada por vós, alcançando-nos tantas misericórdias de Deus, nos obrigam a declarar-vos como nossa única advogada no céu, a única que no verdadeiro sentido da palavra é amante e solícita de nossa salvação. E como é grande essa solicitude de Maria em falar continuamente em nosso favor junto de Deus! Quem poderá medi-la jamais? No ofício de proteger-nos não conhece a Virgem o que seja fadiga, diz São Germano. Que bela palavra! Maria roga e sempre torna a rogar por nós e não se cansa de o fazer, para nos livrar dos males e nos obter as graças. A tal ponto chega sua compaixão perante nossas misérias e seu amor para conosco!

Pobres pecadores! Que seria de nós, se não tivéramos esta grande advogada! Quanto a considera seu Filho e nosso Juiz por causa da compaixão, da prudência que nela encontra! Tanto a considera, que não pode condenar pecador algum que se acha sob seu patrocínio, diz Ricardo de São Lourenço. Por isso, João, o Geômetra, a saúda dizendo-lhe: Salve, ó vós que sois o direito que resolve todas as demandas! Isto é: Em toda demanda ganha aquele a cujo lado está essa mui sábia advogada. De sábia Abigail lhe chama por isso Conrado de Saxônia. Essa foi aquela mulher que soube tão bem aplacar com os seus eloquentes rogos o rei Davi, quando estava irritado contra Nabal. E bendisse-a Davi, agradecendo-lhe porque o livrara de vingar-se de Nabal com sua própria mão (1Rs 25,24ss). Exatamente o mesmo faz Maria no céu, sem cessar, em favor dos inumeráveis pecadores. Pois sabe muito bem com suas meigas e prudentes súplicas aplacar a justiça de Deus. Louva-a por isso Deus e quase lhe agradece, porque o detém de castigar os culpados como mereciam.

Maria, a fiel cópia da misericórdia divina

Foi para dispensar-nos todas as misericórdias possíveis, afirma São Bernardo, que o Eterno Pai, além de Jesus Cristo, nosso principal advogado, nos deu ainda Maria Santíssima como advogada. Não há dúvida, Jesus é o único medianeiro de justiça entre Deus e os homens, o único que em virtude dos próprios méritos nos pode obter graça e perdão, e de acordo com suas promessas também o quer. Mas como em Jesus Cristo reconhecem e temem os homens a majestade divina, aprouve a Deus dar-nos outra advogada a quem recorrer pudéssemos com maior confiança e menor receio. E temo-la em Maria, fora de quem não acharemos outra nem mais poderosa para a Divina Majestade, nem mais misericordiosa para conosco. Grande injúria faz à piedade desta amável advogada quem se intimida de vir à sua presença. Pois ela nada tem de severo e terrível, mas é toda suavidade, toda clemência, toda amabilidade. Lê e relê quanto quiseres, prossegue São Bernardo, o que está escrito nos Santos Evangelhos, e se encontrares um só ato de severidade em Maria, então teme chegar-te a seus pés. Mas o não acharás em parte alguma. Recorre, pois, a ela alegre e confiadamente, que por sua intercessão ela te salvará.

Belíssimas são as palavras que Guilherme de Paris faz o pecador pronunciar diante de Maria: Ó Mãe de meu Deus! Reduzido à miséria por muitos pecados, a vós recorro cheio de confiança. Se me repelirdes, mostrar-vos-ei que estais em certo modo obrigada a ajudar-me, porque toda Igreja dos fiéis chama e clama que sois Mãe de Misericórdia. Porque Deus muito vos quer, também sempre atende vossos rogos. Jamais falhou vossa grande piedade; vossa dulcíssima afabilidade repeliu nunca pecador algum, ainda de todos o maior, que a vós se tenha recomendado. Como então? Será falsamente ou em vão que a Igreja toda vos denomina advogada sua e refúgio dos miseráveis? Que minhas culpas, ó minha Mãe, não vos impeçam de exercer esse grande ministério de misericordiosa advogada e medianeira de paz entre Deus e os homens, como seguro refúgio e única esperança dos miseráveis. A quem deveis vossa riqueza em graça e em glória e mesmo vossa dignidade de Mãe de Deus? Posso dizê-lo? Deveis aos pecadores tudo quanto possuís; por causa deles o Verbo de Deus vos elegeu para sua Mãe.

Sois a Mãe de Deus, abristes para o mundo a fonte de piedade, e por isso longe esteja de nós o pensamento de que fechar-se possa vosso compassivo coração perante um miserável e abandonado. Assim, pois, já que é vosso ofício ser medianeira entre Deus e os homens, assisti-me pela vossa grande bondade, a qual é incomparavelmente maior que todos os meus pecados.

Consolai-vos, pois, ó tímidos, direi eu com Pacciucchelli; respirai e animai-vos, ó miseráveis pecadores! Essa Virgem excelsa, Mãe de vosso Deus e vosso Juiz, é ao mesmo tempo advogada do gênero humano. Mas é uma advogada competente que tudo pode junto de Deus; sapientíssima, porque conhece todos os modos de aplacá-lo; universal, porque a todos socorre e a ninguém recusa defender.

Exemplo

Numa missão pregada pelos Padres Redentoristas, após o sermão de Nossa Senhora, veio confessar-se um velho que não cabia em si de contente.

– Sr. Padre, Nossa Senhora me faz essa graça tão grande, disse o velho. Mas que graça? perguntou-lhe o sacerdote. Ouça, reverendo: Desde a idade de 35 anos me venho confessando sacrilegamente, só por vergonha de contar um pecado. Durante esse tempo estive à morte e, se então a morte me surpreendesse, estaria agora condenado. Mas hoje deu-me Nossa Senhora coragem. Dizia o pobre tudo isso por entre lágrimas que muito comoviam. Depois da confissão, perguntou-lhe o missionário se venerava a Santíssima Virgem com alguma prática religiosa. Contou-lhe o velho então que aos sábados abstinha-se de carne e por isso Nossa Senhora dele se compadecera. Ao mesmo tempo autorizou a narração deste fato.

Oração

Ó grande Mãe de meu Senhor, sei que a ingratidão que há anos tenho usado com Deus e convosco, Justamente merecia que deixásseis de ter cuidado de mim; porque o ingrato é indigno de benefícios. Mas tenho, Senhora, em grande conceito vossa bondade; estou certo que ela é muito maior que a minha grande ingratidão. Continuai, pois, ó refúgio dos pecadores, e não deixeis de socorrer um miserável, que em vós confia. Ó Mãe de Misericórdia, dai a mão a um pobre caído, que recorre à vossa piedade a fim de se poder levantar. Ó Maria, ou defendei-me ou dizei-me quem melhor que vós me possa defender. Mas onde posso eu achar uma advogada Junto a Deus mais compadecida, ou mais poderosa do que vós, que sois sua Mãe? Como Mãe do Salvador, nascestes para salvar os pecadores e a mim fostes dada para minha salvação. Ó Maria, salvai quem a vós recorre. Eu não mereço o vosso amor; mas o desejo que tendes de salvar os perdidos me faz esperá-lo. E amando-me vós, como me perderei? Ó minha Mãe muito amada, se por vossa intercessão me salvo, como espero, nunca mais vos serei ingrato. Compensarei com louvores perpétuos e com todos os afetos da minha alma o meu passado esquecimento e o amor com que me tendes amado. No céu, onde vós reinais, e reinais eternamente, sempre cantarei as vossas misericórdias, e beijarei sempre aquelas vossas amorosas mãos, que tantas vezes me têm livrado do inferno, quantas eu o tenho merecido com os meus pecados. Ó Maria, minha libertadora, ó minha esperança, ó Rainha, ó advogada, ó minha Mãe, eu vos amo, eu vos quero muito e sempre vos quero amar Amém. Assim o espero, assim seja.

III. Maria reconcilia os pecadores com Deus

Maria é Medianeira entre Deus e os homens

É a graça de Deus um tesouro muito grande e muito desejável para todas as almas. O Espírito Santo lhe chama um tesouro infinito, pois por meio dela somos elevados à honra de amigos de Deus.

“É ela um tesouro infinito para os homens: do qual os que usaram têm sido feitos participantes da amizade de Deus” (Sb 7,14).

O Divino Salvador diz, por isso, aos que se acham no estado de graça: Vós sois meus amigos (Jo 15,14). Ó maldito pecado, que rompes essa bela amizade!

“Vossas iniquidades separam-vos de Deus” (Is 59,2).

Igualmente aborrece o Senhor o ímpio e a sua impiedade (Sb 14,9). O pecado, tornando a alma objeto de ódio para Deus, de amiga converte-a em inimiga de seu Senhor. Mas que deve fazer um pecador que tem a desventura de viver presentemente na inimizade de Deus? Precisa encontrar um medianeiro que lhe obtenha o perdão e o faça recuperar a perdida amizade com Deus. Consola-te, ó infeliz, diz São Bernardo, que perdeste a Deus. Como medianeiro deu-te o próprio Senhor seu Filho, Jesus Cristo, que pode atender a teus desejos. Que coisa haverá que um tal filho não consiga j unto a seu Pai?

Mas, ó meu Deus, por que aos homens parece tão severo esse misericordioso Salvador, que, enfim, por salvá-los deu a sua vida? Assim pergunta o Santo. Por que julgam terrível quem é tão amável? Que temeis, pecadores sem confiança? Ofendestes a Deus, é verdade, mas sabeis que Jesus pregou à cruz vossos pecados, com suas próprias mãos que os cravos transpassaram. Assim purificou nossas almas e satisfez com sua morte a divina j ustiça. Entretanto, recusais recorrer a Jesus Cristo, intimidados por sua majestade; pois ele, ainda feito homem, não deixa de ser Deus. Quereis outra advogada junto a esse medianeiro? Recorrei então a Maria! Por vós ela rogará ao Filho e ele com certeza a ouvirá. E o Filho intercederá ao Pai, que nada pode negar ao Filho. Termina o Santo dizendo: Filhos meus, essa divina Mãe é para os pecadores uma escada pela qual podem de novo subir aos cimos da divina graça. Maria é minha maior confiança; ela é a razão da minha esperança.

Eis o que o Espírito Santo faz dizer nos Cânticos à bem-aventurada Virgem: Eu sou um muro e meu peito é uma torre, pois me tornei como uma que acha a paz (8,10). Sou a defesa dos que a mim recorrem, diz Maria; e a minha misericórdia lhes é um benefício, como uma torre de refúgio. E por isso o meu Salvador me fez medianeira da paz entre os pecadores e Deus. Realmente é Maria a pacificadora que obtém de Deus a paz para os pecadores, a misericórdia para os desesperados – assim comenta o Cardeal Hugo. Seu divino Esposo a chama por isso “bela como as tendas de Salomão” (Ct 1,4). Só de guerra se tratava nas tendas de Davi; só de paz se tratava, ao contrário, nas tendas de Salomão. Com essa comparação quer o Espírito Santo mostrar que essa Mãe de misericórdia cogita, não de guerras e de vinganças contra os pecadores, mas tão somente de paz e de perdão às suas culpas.

Tal é o motivo que faz da pomba de Noé uma figura de Maria. De volta à arca trouxe no bico um ramo de oliveira, como sinal da paz concedida aos homens por Deus. Sois aquela fidelíssima pomba de Noé, exclama Conrado de Saxônia, que, interpondo vosso valimento para com Deus, dele alcançastes a paz e a salvação para o mundo perdido. Maria, pois, foi a celestial pomba que trouxe ao mundo perdido o ramo de oliveira, sinal de misericórdia; porque ela nos deu Jesus Cristo, que é fonte da mesma misericórdia. A ela devemos, em virtude dos merecimentos de Cristo Senhor, todas as graças que Deus nos concede. E assim como por Maria foi dada ao mundo a verdadeira paz do céu, como diz São Epifânio, assim, por meio de sua mediação, os pecadores continuam a reconciliar-se com Deus. Por isto Santo Alberto Magno faz a Virgem dizer: Eu sou a pomba da arca de Noé, que trouxe à Igreja a paz universal.

Clara figura de Maria era também o arco-íris, do qual São João (Ap 4,3) viu cercado o trono de Deus. O Cardeal Vitale assim fala sobre esse arco-íris: É Maria que assiste sempre perante o tribunal para mitigar as sentenças e os castigos merecidos pelos pecadores. Conforme a explicação de São Bernardino de Sena, era a Virgem também o arco-íris que Deus colocou nas nuvens e dele disse a Noé: Eu porei meu arco nas nuvens e ele será sinal da aliança entre mim e a terra (Gn 9,13). Maria, diz o Santo, é este íris da eterna paz. Pois assim como Deus à vista dele se lembra da paz prometida à terra, assim também pelos rogos de Maria perdoa aos pecadores as ofensas que lhe fazem, e com eles faz as pazes.

Pela mesma razão ainda é Maria comparada à lua. “És bela como a lua” (Ct 6,9). Aqui observa São Boaventura: Tal como a lua paira entre a terra e o céu, coloca-se Maria continuamente entre Deus e os pecadores para lhe aplacar a ira contra eles e iluminá-los para que se voltem a Deus.

A meditação de Maria apoia-se na sua divina maternidade

A principal missão de Maria quando veio à terra era a de levantar as almas caídas da divina graça e reconciliá-las com Deus. “Apascenta teus cabritos” (Ct 1,7) – disse-lhe, pois, ao criá-la, o Senhor. Como se sabe, os cabritos são uma conhecida figura dos pecadores, que no vale do juízo serão postos à esquerda, enquanto que as ovelhas figuram os eleitos, cujos lugares serão à direita. Ora, esses cabritos, diz Guilherme de Paris, vos são confiados, ó grande Mãe de Deus. Deveis convertê-los em ovelhas; os que por suas culpas mereceriam ser repelidos para a esquerda, graças à vossa intercessão, sejam colocados à direita. O Senhor revelou a Santa Catarina de Sena que sua intenção, ao criar essa sua dileta filha, era a de conquistar por sua doçura os corações dos homens, sobretudo dos pecadores, e atraí-los a si. Note-se, porém, aqui a bela reflexão de Guilherme de Paris sobre a citada passagem dos Cânticos: “Diz o Senhor: Apascenta teus cabritos”. Deus, portanto, encomenda a Maria os cabritos dela. Sim, Maria não salva todos os pecadores, mas tão somente os que a servem e invocam. Quanto aos que vivem no pecado, nem a honram com algum especial obséquio, nem se lhe encomendam para sair do pecado, esses não são cabritos de Maria. No dia do Juízo serão miseravelmente relegados à esquerda c om os conde nados.

Oh! Quantos pecadores obstinados atrai todos os dias para Deus “esse ímã dos corações”, Maria! assim ela mesma se chama, dizendo a Santa Brígida: Semelhante ao ímã que atrai o ferro, a mim atraio os corações mais empedernidos para reconciliá-los com Deus. E tal prodígios verifica-se não raras vezes, mas todos os dias. Por mim posso atestar muitos casos observados em nossas missões. Pecadores houve que se conservaram duros como pedra perante todos os sermões. Mas arrependeram-se, voltaram a Deus, quando se lhes falou da misericórdia de Maria. Conta São Gregório que o unicórnio é de tanta ferocidade que nenhum caçador consegue prendê-lo. Entretanto, à voz de uma virgem que lhe grite, rende-se, chega-se e sem resistência deixa-se prender.

Sim, quantos pecadores fogem de Deus, mais ferozes que as mesmas feras, mas à voz desta grande Virgem Maria se rendem, e dela se deixam mansamente prender para Deus!

Na opinião de São João Crisóstomo, Maria foi feita Mãe de Deus também para que, por sua poderosa intercessão e doce misericórdia, se salvem os infelizes que por sua má vida não se poderiam salvar, segundo a justiça divina. Sim, Eádmero garante que Maria, mais por amor dos pecadores que dos justos, foi exaltada a ser Mãe de Deus. Pois o próprio Jesus Cristo protestou que viera chamar não os justos, mas os pecadores. Canta-se, por este motivo, o verso:

Os pecadores não desprezais;
Pois sem eles veríeis jamais
Ser vosso Filho, Filho de Deus.

Guilherme de Paris ousa dizer: Ó Maria, tendes obrigação de ajudar os pecadores, pois todos os vossos dons e as graças todas, toda a vossa grandeza, contida na dignidade da Mãe de Deus, tudo, enfim – se me é lícito dizê-lo -, deveis aos pecadores. Por amor deles dignou-se o Senhor fazer-vos sua Mãe. Ora, se Maria se tornou Mãe de Deus em atenção aos pecadores, como posso eu desesperar do perdão dos meus pecados, por enormes que sejam? Assim argumenta Eádmero.

Na Missa da vigília da Assunção faz-nos a Igreja saber “que a Mãe de Deus foi transferida deste mundo para interceder por nós j unto a Deus, no céu, com plena confiança de ser atendida”. Dá São Justino a Maria o título de árbitra de nossa sorte. O árbitro é mediador entre duas partes em contenda, que lhe entregam a decisão sobre suas exigências. Com isso quer dizer o Santo: Como Jesus é medianeiro junto ao Eterno Pai, assim Maria é nossa medianeira j unto a Jesus; a ela entrega o Filho todas as razões que tem contra nós como Juiz. Santo André de Creta chama-a penhor e caução de nossas pazes com Deus. Isto significa: Quer Deus reconciliar-se com os pecadores, perdoando-lhes; para que não duvidem desse seu desejo, deu-lhes Maria como um penhor. Por isso saúda-a assim o Santo: Salve, ó reconciliação de Deus com os homens!

Maria cuida de cada um de nós

São Boaventura anima os pecadores nestes termos: Que deves fazer, se por causa de teus pecados temes a vingança de Deus? Vai, recorre a Maria, que é a esperança dos pecadores. Estás, porém, receoso de que ela não queira tomar tua defesa? Pois então fica sabendo que é impossível uma tal repulsa; pois o próprio Deus encarregou-a de ser o refúgio dos pecadores.

É lícito a um pecador desesperar de sua salvação, quando a própria Mãe do Juiz se lhe oferece por mãe e advogada? pergunta o Abade Adão de Perseigne. E continua: Vós, ó Maria, que sois Mãe de Misericórdia, recusaríeis interceder junto ao vosso Filho que é Juiz, por um filho vosso que é pecador? Em favor de uma alma recusaríeis falar ao Redentor, que morreu na cruz para salvar os pecadores? Não; não podeis fazê-lo; pelo contrário, de coração vos empenhais por todos os que vos invocam. Pois sabeis perfeitamente que aquele Senhor, que constituiu vosso Filho medianeiro de paz entre Deus e o homem, também vos constituiu a vós medianeira entre o juiz e o réu. Agradece, portanto, ao Senhor que te deu uma tão grande medianeira, exorta São Bernardo. Por manchado de crimes, por envelhecido que sej as na iniquidade, não percas a confiança, ó pecador. Dá graças ao Senhor que em sua nímia misericórdia não só te deu o Filho por advogado, senão também para aumento de tua confiança te concedeu essa grande medianeira, cujos rogos tudo alcançam. Recorre, pois, a Maria e serás salvo.

Exemplo

Como narram os Anais da Companhia de Jesus, vivia em Bragança de Portugal um moço que era associado da Congregação Mariana. Infelizmente, deixou a Congregação e levou uma vida muito perdida. Chegou ao ponto de um dia resolver-se a dar cabo da vida, atirando-se a um rio. Mas, antes de executar seu tenebroso plano, lembrou-se em boa hora de recomendar-se a Nossa Senhora. Disse-lhe: Outrora eu era mariano e levava uma vida piedosa. Ó Maria, ajudai-me também agora. Pareceu-lhe então ver Nossa Senhora e ouvir as palavras: Que vais fazer? Queres perder ao mesmo tempo a alma e o corpo? Vai, confessa-te e volta à Congregação mariana. O moço caiu em si. Agradeceu à Santíssima Virgem a graça recebida e mudou de vida.

Oração

É, pois, vosso ofício, ó minha dulcíssima Senhora, conforme as palavras de Guilherme de Paris, ser medianeira entre Deus e os pecadores. Exercei vosso ofício em meu favor, pedir-vos-ei com São Tomás de Vilanova. Não digais que minha causa é muito difícil de ganhar, porque sei que todos me afirmam que nenhuma causa defendida por vós se perdeu, por mais impossível que parecesse o seu vencimento. E perder-se-á a minha? Não, isto não temo eu. Só deveria temer que não procurásseis defender-me, se olhasse somente para a multidão dos meus pecados. Considerando, porém, vossa imensa misericórdia, e o sumo desejo que reina em vosso dulcíssimo coração de socorrer os mais degredados pecadores, nem mesmo esse receio posso ter. Quem se perdeu jamais, tendo implorado vosso auxílio? Chamo-vos, pois, em meu socorro, ó minha grande advogada, meu refúgio, minha esperança, ó minha Mãe Maria Santíssima! Em vossas mãos entrego a causa de minha eterna salvação e deposito a minha alma. Ela estava perdida, mas haveis de salvá-la. Muitas graças dou sempre ao meu Senhor, que me dá essa grande confiança em vós; ela me assegura da minha salvação, apesar da minha indignidade. Só me resta um temor que muito me aflige, ó minha amada Rainha: é de vir eu a perder um dia, por negligência de minha parte, esta confiança em vós. Rogo-vos, portanto, ó Maria, pelo amor que tendes ao vosso Jesus, conservai e cada vez mais aumentai em mim esta dulcíssima confiança em vossa intercessão. Por ela espero recuperar certamente a divina amizade, por mim tão loucamente desprezada e perdida. E recuperando-a espero finalmente pelos vossos rogos ir um dia render-vos por tudo as graças no paraíso, e ali cantar as misericórdias do Senhor e as vossas por toda a eternidade. Amém. Assim o espero, assim seja.

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